Open-access Reflexões sobre a Triagem Pré-Operatória de ECG para Indivíduos Assintomáticos de Baixo Risco

Palavras-chave Pré-operatório; Eletrocardiograma

Li com interesse o estudo de Ramos et al. sobre a "Importância Prognóstica do Eletrocardiograma Pré-operatório em Pacientes de Baixo Risco Submetidos à Intervenção Cirúrgica sob Anestesia Geral".1 Os esforços dos autores para esclarecer a eficácia preditiva da eletrocardiografia (ECG) pré-operatória em uma população que parece ter um perfil de baixo risco são louváveis. No entanto, tenho preocupações quanto à metodologia empregada, que pode potencialmente impactar as conclusões do estudo.

Examinar diretamente a hipótese de que um ECG anormal pode servir como preditor de eventos é essencial. Esta análise secundária foi incorporada pelos autores dentro de um subconjunto da população que realizou ECG. Para testar de forma robusta a sua hipótese, a análise primária deveria ter sido se um ECG anormal é um preditor de risco aumentado em comparação com os resultados normais do ECG. A implementação desta metodologia produziria uma avaliação mais precisa da capacidade do ECG de prever complicações pós-operatórias.

Em segundo lugar, como um estudo randomizado e prospectivo, a adesão às diretrizes de notificação estabelecidas, como CONSORT2 ou SPIRIT3 é imperativo. Essas checklists defendem uma descrição metodológica transparente em relação à seleção dos pacientes, randomização, alocação e definição de desfechos primários e secundários. A falta de tais detalhes levanta preocupações sobre possíveis vieses de seleção e indicação.4,5 Por exemplo, selecionar inadvertidamente pacientes para eletrocardiogramas (ECGs) com base em avaliações pré-operatórias subjetivas que os colocam em um perfil de risco ligeiramente mais elevado poderia introduzir ambos os vieses.

Além disso, sem um poder de investigação predefinido e um nível alfa convencional, é um desafio determinar o tamanho da amostra necessário para obter significância estatística. A falta de definições para análise do tamanho da amostra, beta e alfa neste estudo restringe a capacidade de formulação de conclusões definitivas. Além disso, a clareza quanto ao manejo de pacientes com achados anormais no ECG é crucial para a replicação dos resultados em diferentes centros. Esta informação serve para apoiar a generalização dos resultados do estudo e orientaria a prática clínica.

Considerando os fatores acima mencionados, respeitosamente tenho opinião divergente em relação à conclusão do estudo de que o ECG pré-operatório não contribui para o prognóstico de complicações pós-operatórias em pacientes com 50 anos ou mais submetidos à cirurgia com anestesia geral sem quaisquer condições médicas importantes. Do meu ponto de vista, a metodologia utilizada na pesquisa não consegue fundamentar suficientemente esta conclusão. Uma abordagem mais apropriada envolveria uma avaliação prospectiva de pacientes com ECGs normais e anormais, calculando diferenças nas razões de risco. Em contraste, um desenho prospectivo randomizado poderia produzir resultados mais conclusivos, atribuindo aleatoriamente pacientes que apresentam eletrocardiogramas (ECGs) anormais ao tratamento padrão ou a uma terapia guiada por ECG replicável e predeterminada. A implementação de tais metodologias aumentaria a capacidade de distinguir a influência dos resultados do ECG de variáveis adicionais de confusão, proporcionando assim uma avaliação mais precisa da capacidade do ECG de prever resultados pós-operatórios.

A busca de melhorar o atendimento ao paciente por meio de práticas baseadas em evidências implica um compromisso contínuo com a educação e o progresso. É através do discurso acadêmico e de metodologias de pesquisa meticulosas que refinamos nossos protocolos clínicos para atender melhor nossos pacientes.

Referências

  • 1 Ramos L, Coutinho AC, Rebelato J, Ramos MV, Elly E, Amoedo P, et al. Prognostic Value of Preoperative Electrocardiogram in Low-Risk Patients Undergoing Surgical Intervention and General Anesthesia. Arq Bras Cardiol. 2024;121(1):e20230098. doi: 10.36660/abc.20230098.
    » https://doi.org/10.36660/abc.20230098
  • 2 Schulz KF, Altman DG, Moher D. CONSORT 2010 Statement: Updated Guidelines for Reporting Parallel Group Randomised Trials. Trials. 2010;11:32. doi: 10.1186/1745-6215-11-32.
    » https://doi.org/10.1186/1745-6215-11-32
  • 3 Chan AW, Tetzlaff JM, Altman DG, Laupacis A, Gϕtzsche PC, Krleža-Jerić K, et al. SPIRIT 2013 Statement: Defining Standard Protocol Items for Clinical Trials. Ann Intern Med. 2013;158(3):200-7. doi: 10.7326/0003-4819-158-3-201302050-00583.
    » https://doi.org/10.7326/0003-4819-158-3-201302050-00583
  • 4 Infante-Rivard C, Cusson A. Reflection on Modern Methods: Selection Bias-a Review of Recent Developments. Int J Epidemiol. 2018;47(5):1714-22. doi: 10.1093/ije/dyy138.
    » https://doi.org/10.1093/ije/dyy138
  • 5 Joseph KS, Mehrabadi A, Lisonkova S. Confounding by Indication and Related Concepts. Curr Epidemiol Rep. 2014;1:1-8. doi: 10.1007/s40471-013-0004-y.
    » https://doi.org/10.1007/s40471-013-0004-y

Carta-resposta

Agradecemos os comentários e dúvidas levantadas pelo autor da carta "Reflexões sobre a triagem pré-operatória de ECG para indivíduos assintomáticos de baixo risco". Embora algumas questões sejam semelhantes às levantadas pelos revisores indicados pelos Arquivos Brasileiros de Cardiologia elas ajudam a nós e aos leitores a refletir sobre a melhor forma de analisar e melhorar o valor do eletrocardiograma pré-operatório.

Conforme descrito no artigo, nosso principal interesse foi investigar o valor da realização de um eletrocardiograma pré-operatório, e não seus resultados. Nossa conclusão respondeu a essa questão com base nos resultados observados e apontou para refletir se a indicação do eletrocardiograma pré-operatório deve ser baseada apenas na idade do paciente.1

Realizamos uma análise secundária no grupo que realizou eletrocardiograma. O subgrupo com alterações eletrocardiográficas não apresentou diferença significativa na mortalidade e morbidade em relação ao grupo com eletrocardiogramas normais. Esses achados, por serem baseados em análise secundária e com menor número de pacientes, não fizeram parte da conclusão principal do nosso estudo.1

O processo de randomização foi adequado; nenhuma preferência para realizar um eletrocardiograma foi feita com base na idade, complexidade e duração do procedimento cirúrgico. Conforme apontado no artigo, reconhecemos muitas limitações do estudo. Os resultados não tiveram poder suficiente para mudar o atendimento ao paciente de acordo com as diretrizes, mas sugeriram que mais estudos deveriam ser realizados na área.2 Estudos multicêntricos incluindo pacientes com diferentes faixas etárias, risco cirúrgico e cirurgias complexas certamente trarão mais detalhes ao assunto.

Referências

  • 1 Ramos L, Coutinho AC, Rebelato J, Ramos MV, Elly E, Amoedo P, et al. Prognostic Value of Preoperative Electrocardiogram in Low-Risk Patients Undergoing Surgical Intervention and General Anesthesia. Arq Bras Cardiol. 2024;121(1):e20230098. doi: 10.36660/abc.20230098.
    » https://doi.org/10.36660/abc.20230098
  • 2 Fleisher LA, Fleischmann KE, Auerbach AD, Barnason SA, Beckman JA, Bozkurt B, et al. 2014 ACC/AHA Guideline on Perioperative Cardiovascular Evaluation and Management of Patients Undergoing Noncardiac Surgery: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2014;64(22):77-137. doi: 10.1016/j.jacc.2014.07.944.
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2014.07.944

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2024
  • Revisado
    21 Fev 2024
  • Aceito
    21 Fev 2024
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