Open-access Excisão local de adenoma de papila em paciente com risco cirúrgico elevado para duodenopancreatectomia

INTRODUÇÃO

Os tumores benignos da ampola hepatoduodenal são raros e com poucos casos relatados na literatura mundial. Dentre estes tumores já foram descritos os adenomas, lipomas, hemangiomas, carcinóides e leiomiomas. O adenoma viloso permanece como o mais frequente2 , 5. Estudos de necropsia demonstraram incidência de 0,04-0,12%, sendo por isto raramente lembrado no diagnóstico diferencial das lesões periampulares2.

O adenoma dessa ampola acomete com maior frequência mulheres na faixa etária entre a 5ª e a 7ª décadas, estando muitas vezes associado à polipose colônica. Inicialmente, o paciente pode apresentar-se assintomático e os achados clínicos começam a surgir com o crescimento do tumor2 , 5. Os sintomas mais comuns são a dor tipo cólica biliar e sangramento gastrointestinal; em alguns casos, pode haver pancreatite e icterícia obstrutiva2. O diagnóstico é histopatológico da lesão obtido por endoscopia digestiva alta com visão da papila duodenal e sempre deve ser realizada colonoscopia para a identificação de polipose adenomatosa colônica.

Alguns autores2 , 3 , 5 acreditam na existência de caráter pré-maligno, considerando que a degeneração maligna ocorre em 30-40% dos casos. Devido a esse potencial o tratamento é ainda controverso, havendo inúmeras discussões sobre a melhor conduta - se endoscópica, se cirúrgica com excisão local transduodenal ou duodenopancreatectomia.

RELATO DE CASO

Mulher de 77 anos foi admitida no Serviço de Cirurgia Geral e do Aparelho Digestivo do Hospital Universitário Walter Cantídio, Fortaleza, CE, Brasil com história de a três meses ter apresentado dor abdominal em epigástrio, em peso, sem irradiação e não associada com outros sintomas. Negava perda de peso, alteração do hábito intestinal, hiporexia ou icterícia. Ao exame, estava com bom estado geral, normocorada, hidratada, orientada e sinais vitais normais. Ausculta cardíaca, pulmonar e exame abdominal estavam sem alterações. Era portadora de hipertensão arterial sistêmica, diabete melito tipo 2 e dislipidemia em uso regular de medicações.

A investigação laboratorial mostrava níveis séricos de transaminases e bilirrubinas normais. A endoscopia digestiva alta visualizou lesão polipóide em papila duodenal, medindo cerca de 5 cm, que foi biopsiada em sete sítios diferentes. O histopatológico foi compatível com adenoma tubuloviloso com displasia de baixo grau. A ultrassonografia abdominal mostrou vesícula biliar e colédoco normais e vias biliares sem dilatação. Tomografia computadorizada do abdome não mostrou alterações. Colonoscopia foi normal, não sendo evidenciada nenhuma outra lesão polipóide.

Foi indicada laparotomia com o objetivo de ressecção local transduodenal do tumor (ampolectomia); porém, com todo o suporte pré-operatório para possível duodenopancreatectomia. No ato cirúrgico, após duodenotomia, foi observada lesão polipóide de aproximadamente 6 cm na papila duodenal maior (Figura 1).

Figura 1 -
Visualização transduodenal da lesão polipóide da papila duodenal maior

Realizou-se exérese completa da lesão com fixação do ducto de pancreático principal e colédoco com fio absorvível sintético. O tumor foi encaminhado para biópsia de congelação, cujo resultado foi adenoma tubuloviloso com displasia de alto grau. Procedeu-se ampolectomia sem intercorrências. Foi realizada cateterização com boa visualização do colédoco terminal e ducto pancreático principal (Figura 2)

Figura 2 -
Cateterização do colédoco terminal com saída de bile e do ducto pancreático principal com saída de secreção pancreática

Com a lesão ressecada foi preciso reconstruir a falha deixada. A parede superior do ducto pancreático foi suturada à parede inferior do ducto biliar com pontos interrompidos em fio absorvível sintético, assim formando um canal comum. O duodeno e a "neoampola" foram unidos com pontos separados de fio absorvível sintético 4-0 para criar anastomose de mucosa à mucosa dos ductos com a parede duodenal. Seguiu-se então duodenorrafia com pontos separados de seda 3-0. No pós-operatório, a paciente evoluiu clinicamente estável, com parâmetros fisiológicos e boa aceitação da dieta. Recebeu alta hospitalar no 6º dia de pós-operatório. No 6º mês de seguimento ela encontra-se assintomática. O histopatológico definitivo da peça cirúrgica foi de adenoma tubuloviloso com displasia de alto grau e margens cirúrgicas livres. Realizou endoscopia digestiva que mostrou apenas cicatriz cirúrgica da papila duodenal maior sem recidiva tumoral.

DISCUSSÃO

Os tumores benignos da papila duodenal maior apresentam incidência muito baixa e por isso dificilmente entram no diagnóstico diferencial de icterícia por doenças periampulares. A maioria dos pacientes encontra-se assintomática e desenvolve sintomas de cólica biliar, hemorragia digestiva ou icterícia de acordo com o crescimento tumoral2 , 3 , 5. A paciente do caso queixava-se de dor em abdome superior, porém em nenhum momento apresentou-se ictérica. O diagnóstico foi confirmado com o histopatológico obtido por endoscopia.

O tratamento dos tumores benignos da papila é ainda bastante controverso. Não se tem consenso na literatura sobre a sua melhor abordagem1 , 3 , 5. A adequada ao paciente dever ser muito bem discutida, pois se sabe que há risco de degeneração maligna em cerca de 30-40%. Neste caso, pacientes submetidos ao tratamento endoscópico ou tratamento cirúrgico com ressecção local devem ser bem acompanhados no ambulatório para que as recidivas sejam detectadas precocemente2 , 3 , 5.

A maior probabilidade de transformação maligna depende de alguns fatores: tamanho; tumores vilosos; tumores multicêntricos; e as lesões localizadas na ampola, mais propensas à malignização do que as no duodeno e intestino delgado2. Alguns adenomas pequenos (<1 cm) podem ser removidos endoscopicamente com implante de stent no orifício dos ductos biliar e pancreático para permitir a resolução sem estenose. As opções endoscópicas para ressecção destas lesões incluem papilectomia ou ampulectomia com snare e ablação térmica com laser, coagulação com plasma de argônio e eletrocirurgia. São necessários quatro critérios para elegibilidade à papilectomia endoscópica: a lesão precisa ter menos de 4 cm; não haver aspecto endoscópico de malignidade (margem regular, ausência de ulceração e consistência mole); mínimo de seis biópsias confirmando histologia benigna; e ausência de invasão intraductal por ultrassonografia endoscópica3 , 5.Porém, a ressecção endoscópica apresenta taxa de recidiva de até 30% e costumam ser necessárias múltiplas tentativas antes de se completar a erradicação do tumor. Foi relatada também morbidade de cerca de 20%, incluindo pancreatite e perfuração duodenal5.

As opções cirúrgicas para tumores ampulares incluem excisão local transduodenal ou duodenopancreatectomia. No caso dos adenomas vilosos, o risco de malignização e a perda da oportunidade de cura devem ser pesados contra as complicações de duodenopancreatectomia 1 , 2 , 3 , 5. A taxa de mortalidade dela em centros especializados fica entre 2-3%. Apesar da baixa mortalidade, a incidência de complicações pós-operatórias permanece alta. No hospital John Hopkins, Yeo et al. 4 mostrou que em 650 duodenopancreatectomias consecutivas, a mortalidade foi de 1,4%. As três complicações mais comuns foram retardo do esvaziamento gástrico em 19%, fístula pancreática em 14% e infecção de ferida cirúrgica em 10%. Essas afecções ainda aumentam significativamente o tempo de hospitalização, bem como os custos hospitalares3 , 4 , 5.

Mesmo com tanta discussão acerca da melhor abordagem cirúrgica, sabe-se que a maioria dos cirurgiões concorda que os pacientes devem ter suporte pré-operatório para duodenopancreatectomia5. Se forem tomadas cautelas, a excisão local transduodenal pode ser bom tratamento para esses tumores2 , 5. Depois da ressecção local deve-se realizar endoscopia de controle seis a 12 meses após para avaliar recidiva local. Pacientes que apresentem pancreatite ou icterícia meses ou anos após a excisão local devem ser submetidos à endoscopia com colangiopancreatografia retrógrada endoscópica devido à grande suspeita de recidiva1 , 5.

Na paciente em questão, optou-se em realizar a ressecção cirúrgica local com ampolectomia, pois tinha tumor >4 cm compatível com adenoma viloso, a biópsia de congelação confirmou a natureza benigna e clinicamente ela tinha comorbidades com risco cirúrgico elevado.

Referências bibliográficas

  • 1 COELHO, Júlio Cezar Uili. APARELHO DIGESTIVO - CLÍNICA E CIRURGIA. 3rd edition. Atheneu.
  • 2 WIEDERKEHR, Julio Cesar. COELHO, Julio Cezar Uili. SIGWALT, Marcos Fabiano. NASSIF, Aissar Eduardo. Adenoma viloso da ampola de Vater. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Volume XXV. Número 6.
  • 3 YEO, Charles. DEMPSEY, Daniel. KLEIN, Andrew. PEMBERTON, John. PETERS, Jeffrey. SHACKELFORD´S SURGERY OF THE ALIMENTARY TRACT. 2007. 6th edition.
  • 4 YEO, CJ. CAMERON, JL. Six hundred fifty consecutive pancreaticoduodenectomies in the 1990s: pathology, complications, and outcomes. Ann Surg 1997; Sep; 226(3): 248-57.
  • 5 ZINNER, Michael. ASHLEY, Stanley. MAINGOT - Abdominal Surgery. 2011. 11th edition.
  • Fonte de financiamento: não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2013
  • Aceito
    19 Ago 2014
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