Open-access PAPEL DA VIDEOCÁPSULA ENDOSCÓPICA NA AVALIAÇÃO URGENTE DE HEMORRAGIA DIGESTIVA DE ORIGEM OBSCURA: UMA SÉRIE DE CASOS DE DIVERTÍCULO DE MECKEL

DESCRITORES: Divertículo ileal; Cápsula endoscópica; Endocápsula; Endoscopia gastrointestinal; Hemorragia gastrointestinal

INTRODUÇÃO

O divertículo de Meckel (DM) é a malformação congênita mais comum do trato gastrointestinal4. Nos adultos, é geralmente clinicamente silencioso, mas pode ser um achado incidental ou manifestar-se associado a várias condições clínicas, tais como a hemorragia gastrointestinal, intussuscepção, obstrução intestinal ou perfuração3,4. Por outro lado, a videocápsula endoscópica (VCE) constitui uma ferramenta diagnóstica importante, particularmente útil na avaliação imagiológica do intestino delgado e na abordagem de doentes com hemorragia digestiva obscura5.

Os autores realizaram análise retrospetiva, de doentes com DM diagnosticados por VCE, entre 2006 e 2015, em um centro de referência terciário. Todos os casos tiveram seguimento de pelo menos 18 meses após o diagnóstico.

RELATO DOS CASOS

CASO 1

Homem com 15 anos, sem antecedentes pessoais de relevância. Negava episódios prévios de alteração dos hábitos intestinais ou hemorragia gastrointestinal e foi admitido no serviço de urgência após episódio de lipotimia. Referia astenia e hematoquezias desde há um dia. Analiticamente, apresentava hemoglobina de 10.8 g/dl. A endoscopia digestiva alta era normal e a ileocolonoscopia revelou hiperplasia nodular ileal, com presença de sangue e coágulos no íleo. Após 24 h, verificou-se queda do valor de hemoglobina para 7.9 g/dl, apresentando-se pálido, diaforético e hipotenso. A VCE (Endocapsule Olympus®), realizada 24 h após admissão, evidenciou hemorragia ativa (em toalha) com origem em um pequeno divertículo, semelhante a um orifício, localizado no íleo médio.

CASO 2

Mulher, caucasiana, de 16 anos, sem história médica relevante foi admitida por melenas com 24 h de evolução. Na admissão, iniciou hematoquezias e palidez, mantendo-se hemodinamicamente estável. A hemoglobina era 12.9 g/dl na admissão, mas caiu para 7.1 g/dl 24 h depois, com necessidade de suporte transfusional. A endoscopia digestiva alta também foi normal e na ileocolonoscopia apresentava coágulos no íleo, sem outras lesões relevantes. Assim, ela submeteu-se à VCE (PillCam SB 2®) que evidenciou uma duplicação luminal no íleo terminal (Figura 1).

FIGURA 1
Imagem da videocápsula endoscópica do Caso 2

CASO 3

Homem, caucasiano, de 14 anos, foi admitido por melenas. Seis meses antes, o doente teve episódio semelhante de melenas mas a endoscopia digestiva alta a e ileocolonoscopia realizadas nessa altura não revelaram lesões com hemorragia ativa. Na admissão, o doente encontrava-se pálido e hipotenso, com hemoglobina de 7.0 g/dl. Após ressuscitação hemodinâmica, foi realizada endoscopia alta mas também não revelou alterações relevantes. A tomografia computorizada (TC) abdominal e a cintilografia de Meckel com 99mTC-Na-pertechnetato, também não revelaram alterações significativas. Nesta altura, foi realizada VCE (PillCam SB 2®), visualizando-se uma duplicação luminal no íleo terminal, com sinais de hemorragia ativa (Figura 2).

FIGURA 2
Imagem de videocápsula endoscópica do Caso 3

CASO 4

Homem de 17 anos, caucasiano, foi admitido por choque hipovolêmico e rectorragias. Apresentava hemoglobina de 4.9 g/dl na admissão. Após transfusão de concentrados eritrocitários e ressuscitação hemodinâmica, realizou endoscopia digestiva alta, seguida de ileocolonoscopia, que não demonstraram lesões com hemorragia ativa. O TC abdominal também não evidenciou alterações relevantes. Foi realizada VCE (PillCam SB 2®) que identificou uma lesão ulcerada diverticular no ileo médio, com hemorragia ativa.

CASO 5

Homem de 19 anos, caucasiano, foi admitido por melenas iniciadas dois dias antes. Nesta admissão, apresentava hemoglobina de 13.9 g/dl e teve alta com indicação para vigilância sintomática no domicílio. À data da admissão, o estudo analítico revelou hemoglobina de 7.3 g/dl. Após realização de duas transfusões de concentrados eritrocitários, foi realizou endoscopia digestiva e colonoscopia que não identificaram lesões com sinais de hemorragia. Realizou TC abdominal, que também não revelou lesões. A cintilografia de Meckel com 99mTC-Na-pertechnetato foi negativa para a presença de mucosa gástrica ectópica no intestino delgado. Por instabilidade hemodinâmica, foi realizada angiografia, mas também não permitiu a identificação do local de hemorragia. A VCE (PillCam SB 3®) evidenciou duplicação luminal, compatível com DM, embora sem hemorragia ativa.

Os cinco doentes foram submetidos a excisão cirúrgica do DM, com confirmação do diagnóstica na análise histológica. Todos apresentaram boa evolução, sem recorrência da hemorragia.

DISCUSSÃO

O DM é um remanescente do ducto onfalomesentérico, tipicamente localizado no bordo antimesentérico do íleo, cerca de 40-100 cm proximal à válvula ileocecal7. Embora afete 2-4% da população geral, apenas 4-16% dos casos são sintomáticos8. Mais de 60% dos pacientes tem até dois anos de idade, sendo raro em crianças mais velhas ou adultos8. Contudo, dado o aprimoramento das técnicas endoscópicas para visualização do intestino delgado, como a VCE e a enteroscopia por balão, tem sido cada vez mais reconhecido como uma potencial causa de hemorragia digestiva em adultos8. A complicação mais frequente do DM é a hemorragia gastrointestinal8. Nas crianças é uma causa bem conhecida de hemorragia intestinal aguda indolor8.

Apesar da disponibilidade de técnicas de imagem avançadas, o diagnóstico do DM permanece um desafio8. A endoscopia digestiva alta e a colonoscopia são técnicas de eleição na investigação da causa de hemorragia gastrointestinal8. Em todos estes casos a endoscopia alta e baixa falham em detetar o local da hemorragia. A arteriografia nem sempre permite o diagnóstico dado que só detecta hemorragias de, pelo menos, 1-2 ml/min8. Uma das mais recentes tecnologias que permite a expansão da capacidade de diagnóstico no intestino delgado é a VCE. Alguns dos casos de diagnóstico através deste método foram descritos previamente6. Endoscopicamente, o DM caracteriza-se pela presença de dois lumens, uma ponte espessada, ulceração e, ocasionalmente, visualização direta da ectopia gástrica da mucosa1. Contudo, nos casos de hemorragia ativa, o divertículo em si pode não ser visualizado2.

Referências bibliográficas

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  • Fonte de financiamento:
    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2017
  • Aceito
    16 Mar 2018
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