DESCRITORES: Suicídio; Adolescente; Pregos
INTRODUÇÃO
O suicídio encontra-se entre as dez principais causas de morte em todas as faixas etárias e com maior incidência entre 15 e 35 anos. Sua incidência vem aumentando na população jovem7.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, diversas circunstâncias produtoras de estresse podem aumentar o risco de suicídio1. Oitenta e cinco por cento dos pacientes que ingerem corpo estranho têm diagnóstico de doença psiquiátrica anterior e 84% desses pacientes já possuíam história de ingestões prévias5.
Dos corpos estranhos ingeridos 90% passam espontaneamente através do trato gastrointestinal; 10-20% requerem remoção endoscópica; e 1% procedimento cirúrgico6. Na população em geral, os corpos estranhos mais frequentemente encontrados são ingeridos acidentalmente, tais como ossos, espinhos ou caroços de fruta. A maioria fica alojada nas constrições fisiológicas do esôfago ou em locais de estreitamento anormal (estenoses, anéis ou tumores malignos).
Apresenta-se aqui caso de tentativa de autoextermínio com a ingestão contínua de pregos no decorrer de um ano.
RELATO DO CASO
Jovem de 16 anos deu entrada com história de ingestão de pregos há um ano alegando tentativa de autoextermínio após discussões constantes com o pai e ingestão contínua de pregos. Os pais eram catadores de lixo e possuíam marcenaria em que o paciente tinha livre acesso aos materiais ingeridos. Dois dias da admissão apresentava epigastralgia, vômitos e um episódio de fezes enegrecidas. Ao exame físico tinha bom estado geral, pouco colaborativo, descorado (1+/4+), emagrecido, FC 105 bpm, PA 120 x 80 mmHg, abdome plano, flácido, doloroso à palpação profunda de epigástrio e ausência de descompressão brusca dolorosa. Evidenciou-se grande quantidade de pregos em fossa ilíaca esquerda na radiografia de abdome (Figura 1) e hemograma com leucocitose e desvio à esquerda.
Foi indicada laparotomia exploradora com palpação de "bolo" de pregos em estômago e visualizada perfuração bloqueada na parede posterior com saída de um prego (Figura 2). Procedeu-se ao desbridamento das bordas seguido de gastrorrafia da parede posterior, gastrotomia da parede anterior e retirada de 127 pregos (Figura 3) com tamanhos aproximados de 15 cmx15 mm. Foi optado pela realização adicional de radioscopia que evidenciou um prego em jejuno proximal retirado por jejunotomia, jejunorrafia e lavagem exaustiva da cavidade.
Iniciou-se a dieta líquida no segundo dia do pós-operatório. Recebeu alta hospitalar no sétimo para retorno ambulatorial. Acionou-se o Conselho Tutelar e avaliação da psiquiatria antes da alta hospitalar e foram prescritos Haldol, Fenergan e Fluoxetina, perdendo-se o seguimento. Realizado contato com a mãe, que se mostrava apreensiva com as atitudes do filho após nova tentativa de suicídio e agressividade com os outros cinco irmãos. O Conselho Tutelar avaliou o caso e devido às condições optou-se pela internação de dois anos até que ele atingisse a maioridade.
DISCUSSÃO
Ingestão de corpo estranho é comum na faixa pediátrica e a maioria das vítimas é de crianças e lactentes. Nos adultos pode-se encontrar três grupos: psicológicos ou suicidas, pacientes manipuladores ou ingestão acidental1,3,4,5. Corpos estranhos impactados no esôfago podem causar obstrução ou perfuração com consequente pneumotórax, mediastinite ou pericardite. No estômago, as complicações mais comuns são: perfuração, infecção, peritonite, febre inexplicada, vômitos, dor abdominal e hematoquezia. O diagnóstico se faz principalmente com radiografia de abdome se o objeto for radiopaco; e se, radiotransparente, pode ser ingerida pequena quantidade de contraste baritado. Na suspeita de perfuração, está contraindicado o uso de bário. A endoscopia é o exame mais utilizado, pois além de diagnóstico é também terapêutico na maioria dos casos. Tratamento conservador pode ser adotado em objetos rombos e com diâmetro <2,5 cm5.
Referências bibliográficas
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1 Baek SK, Bae OS, Hwang I. Perforated appendicitis caused by foreign body ingestion. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech. 2012 Apr;22(2):e94-7. doi: 10.1097/SLE.0b013e318244ef88.
» https://doi.org/10.1097/SLE.0b013e318244ef88 -
2 Ingestão de corpo estranho. Acesso em: Agosto 2013. Disponível em: http://cirurgiadigestiva.fmrp.usp.br/index.php?option=com_content&view=article&id=110&Itemid=61
» http://cirurgiadigestiva.fmrp.usp.br/index.php?option=com_content&view=article&id=110&Itemid=61 -
3 Martins CBG, Andrade SM. Acidentes com corpo estranho em menores de 15 anos: análise epidemiológica dos atendimentos em pronto-socorro, internações e óbitos. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, Sept. 2008; 124(9):1983-1990. Doi:10.1590/S0102-311X2008000900004.
» https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000900004 - 4 Negel G, Silveira GC, Fornasa Junior LC, Dacorégio T. Corpo estranho no trato digestório superior. Arq Catarinenses de Med. 2006; 35(3) 27-28.
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5 Poynter BA, Hunter JJ, Coverdale JH, Kempinsky CA. Hard to swallow: a systematic review of deliberate foreign body ingestion. Gen Hosp Psychiatry. 2011 Sep-Oct;33(5):518-24. doi: 10.1016/j.genhosppsych.2011.06.011.
» https://doi.org/10.1016/j.genhosppsych.2011.06.011. - 6 Saiote J, Duarte P, Bentes T. Corpo estranho no bulbo duodenal. J Port Gastrenterol. 2010;17(4):180-1.
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7 Werneck GL, Hasselmann MH, Phebo LB, Vieira DE, Gomes VLO. Tentativas de suicídio em um hospital geral no Rio de Janeiro, Brasil Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(10):2201-2206. Doi: 10.1590/S0102-311X2006001000026
» https://doi.org/10.1590/S0102-311X2006001000026
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2016
Histórico
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Recebido
20 Maio 2015 -
Aceito
24 Maio 2016