Open-access FÍSTULA DA ANASTOMOSE ESOFAGOGÁSTRICA CERVICAL APÓS ESOFAGECTOMIA: UM PROBLEMA SEM SOLUÇÃO?

DESCRITORES: Esofagectomia; Anastomose Cirúrgica; Fistula

O tratamento cirúrgico do câncer de esôfago evoluiu muito nos últimos anos. Há 40 anos, a técnica de esofagectomia com linfadenectomia em três campos de dissecção (cervical, torácica e abdominal) proposta por Hiroshi Akiyama em 19811, demonstrou aumento de sobrevida dos pacientes com neoplasia de esôfago associado à extensa linfadenectomia, representando atualmente o principal tipo de esofagectomia realizada no Oriente. Entretanto, a taxa de morbidade relacionada ao procedimento cirúrgico era ao redor de 60%, com mortalidade ao redor de 7%1. Com o advento da cirurgia minimamente invasiva, no final da década de 90, houve diminuição das taxas de complicação pós-operatórias, principalmente as de complicações respiratórias6. Com a publicação de estudo prospectivo comparando a técnica de esofagectomia minimamente invasiva híbrida com técnica a convencional (toracotomia e laparotomia) houve comprovação de que a técnica minimamente invasiva poderia ter menor complicações pós-operatórias, seminterferir na sobrevida global4.

Em 1977, o Professor Henrique WalterPinotti propôs no nosso meio a esofagectomia transhiatal, também chamada de transdiafragmática5. Com esse procedimento sem toracotomia, houve diminuição das taxas de complicações relacionadas à operação ao redor de 40%5. Mais recentemente, realizando o mesmo procedimento com a técnica minimamente invasiva, também houve diminuição ao redor de 20%7.

Assim, observamos nos últimos anos melhoria dos resultados cirúrgicos com taxas de complicações aceitáveis10. Entretanto, quando avaliamos os resultados cirúrgicos, a esofagectomia transtorácica apresenta linfadenectomia mais extensa relacionada a maior número de linfonodos ressecados. Tal fato no passado representava um incremento direto na sobrevida dos pacientes, mas nos dias de hoje, com o advento das terapias neoadjuvantes, essa necessidade de extensa linfadenectomia passou a ser muito discutível na literatura. O acesso transtorácico1 permite a ressecção de linfonodos com mediana ao redor 30, ao passo que o acesso transhiatal7 convencional alcança 20 linfonodos e a transhiatal laparoscópica 25 linfonodos3.

Entretanto, apesar da implementação de técnicas minimamente invasivas, as taxas de ocorrências de fistula de anastomose esofagogástricas permanecem ao redor de 10-15%6, independentemente da técnica empregada (manual, grampeamento circular, grampeamento linear) e algumas manobras cirúrgicas (epiploplastia, reconstrução de pleura e utilização de cola cirúrgica)2.

Recentemente, propusemos padronização cirúrgica após esofagectomia de revascularização do tubo gástrico transposto pelo mediastino posterior utilizando-se vasos do pescoço (veia jugular externa e artéria cervical transversa), observando-se melhoria comprovada da perfusão tecidual local, fato que reduziu a ocorrência de 10,4% de fistulas (grupo controle) para nenhuma fistula (grupo com microanastomose)8. Cabe aqui ressaltar a dificuldade técnica da avaliação da perfusão tecidual9. Afinal, a metodologia empregada deveria ser tecnicamente fácil de aplicar, mais sensível possível e reprodutível, representando ainda um desafio. Provavelmente a ocorrência das fistulas esofagogástricas não estejam somente relacionadas à perfusão tecidual, mas também aos fatores locais como, por exemplo, hiperpressão causada por tosse persistente no pós-operatório e fatores imunogênicos.

Finalmente, a microanastomose vascular cervical (SuperchargedAnastomosis For Esophagectomy - SAFE procedure) representa uma nova perspectiva da diminuição da ocorrência de fistulas esofagogástricas após esofagectomia. O próximo passo será identificar quem realmente se beneficiaria do SAFE, comprovado em ensaios clínicos randomizados.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2021
  • Aceito
    02 Set 2021
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