Open-access DESGASTE E PERDAS DENTÁRIAS EM PACIENTES OBESOS MÓRBIDOS E SUBMETIDOS À CIRUGIA BARIÁTRICA

RESUMO

Racional:   Obesidade e seu tratamento cirúrgico têm sido relacionados às alterações bucais.

Objetivo:   Avaliar e comparar a ocorrência de desgaste dentário e perda dentária em pacientes eutróficos, obesos mórbidos e submetidos ao bypass gástrico em Y-de-Roux.

Métodos:   Estudo tipo observacional e analítico com pareamento de gênero e idade. A amostra foi composta por 240 pacientes, distribuídos em quatro grupos: eutróficos (GC=60), obesos mórbidos (GO=60), operados com até 24 meses (G24=60) e operados com mais de 36 meses (G36=60). Foram analisados raça, escolaridade, classe econômica, hipertensão, diabete melito, triglicerídeos, colesterol, IMC, % de perda de peso, relação cintura-quadril, tabagismo, etilismo, perda dentária e desgaste dentário.

Resultados:   GO apresentou menor classe econômica (p=0,012), maior proporção de hipertensão (p<0,001), diabete (p<0,001), colesterol (p=0,001), IMC (p<0,001), relação cintura-quadril (p<0,001) e % de perda de peso (p<0,001) que os grupos G24 e G36. O desgaste dentário foi maior entre os sextantes II e V.

Conclusão:   Os indivíduos submetidos ao bypass gástrico em Y-de-Roux, independente do período da operação, apresentaram mais desgaste dentário nas superfícies incisais/oclusais, sendo que os dentes anteriores foram os mais afetados. O desgaste dentário esteve associado à idade e ao número de dentes perdidos.

DESCRITORES: Obesidade; Perda de dente; Cirurgia bariátrica; Desgaste dos dentes

ABSTRACT

Background:   Obesity and its surgical treatment have been related with oral diseases. Aim: To evaluate and compare dental wear and dental loss in eutrophic and morbidly obese patients submitted to Roux-en-Y gastric bypass.

Method:   Observational and analytical study with gender and age matching. The sample consisted of 240 patients, divided into four groups: eutrophic (GC=60), morbidly obese (GO=60), operated with up to 24 months (G24=60) and operated on for more than 36 months (G36=60). The following variables were analyzed: race, schooling, economic class, hypertension, diabetes, triglycerides, cholesterol, BMI, weight loss, waist-hip ratio, smoking, alcoholism, tooth loss and tooth wear.

Results:   GO presented lower economic class (p=0.012), hypertension (p<0.001), diabetes (p<0.001), cholesterol (p=0.001), BMI (p<0.001), waist-hip ratio (p<0.001) and percentage of weight loss percent (p<0.001) than groups G24 and G36. Dental wear was higher among the II and V sextants.

Conclusion:   Individuals submitted to Roux-en-Y gastric bypass, regardless of the surgery period, presented more dental wear on the incisal/occlusal surfaces, and the anterior teeth were the most affected. Dental wear was associated with age and number of missing teeth.

HEADINGS: Obesity; Tooth loss; Bariatricsurgery; Tooth wear

INTRODUÇÃO

A obesidade é entendida como processo de acúmulo de gordura excessiva no corpo que resulta em degradação da homeostase e causa disfunções bioquímicas e fisiológicas dos tecidos. O tratamento cirúrgico é a maneira mais efetiva de perda de peso em longo prazo3. Diferentes técnicas cirúrgicas têm sido realizadas para tratá-la. Entretanto, o bypass gástrico em Y-de-Roux (BGYR) vem sendo considerado padrão-ouro. Com a redução do tamanho do estômago para uma pequena bolsa conectada ao intestino delgado, excluindo o duodeno e porção do jejuno, induz efeitos restritivos e desabsortivos que levam à perda de peso19. Os resultados em longo prazo do BGYR estão bem documentados, tanto em termos de perda de peso, melhoria ou resolução de comorbidades relacionadas à obesidade, como fatores de risco e a melhoria da qualidade de vida6.

Existe interesse crescente pela relação entre o IMC e a condição bucal, tendo em vista que ambos são importantes preocupações da Saúde Pública21. A cirurgia bariátrica tem sido relacionada às melhoras nas condições sistêmicas e agravamento nas condições bucais, especificamente no aumento da gengivite24 e periodontite23, do desgaste dentário15 e de lesões de cárie dentária17.

O aumento na expectativa de vida da população aliada ao declínio na prevalência da cárie dentária contribuiu para a manutenção de maior número de elementos dentais presentes em adultos e idosos. Mais superfícies dentárias ficam expostas, podendo sofrer desgaste10.

Desgaste dentário é a perda gradual de substância do elemento dental, sem o envolvimento do processo carioso, sem interferência da ação de microrganismos e nem de traumas. Alterações no estilo de vida, dieta e comportamento, têm papel fundamental no desgaste dentário. Ele é a perda de tecido dentário duro devido aos processos de erosão, atrição, abrasão e abfração17. A superfície dentária pode sofrer desgaste como resultado do processo natural ou desencadeado por alterações, as quais os dentes estão expostos. Este processo é multifatorial, envolvendo fatores químicos e mecânicos, de forma contínua e gradativa22.

A presença de dentes vem sendo usada como indicador de saúde bucal, sendo que manter 20 dentes permanentes em função resguarda as condições funcional, estética e fonética, ao longo da vida27. Indivíduos que não apresentam essa condição podem sofrer problemas mastigatórios, restrição de alimentos e ingestão de nutrientes inadequados5. Já o edentulismo é a perda completa dos dentes podendo ocorrer em uma ou nas duas arcadas dentárias, parcial ou total, respectivamente. A perda dentária é um dos principais problemas bucais e devido à sua alta prevalência, aos danos estéticos, funcionais, psicológicos e sociais que acarreta ao indivíduo26.

As condições bucais dos indivíduos obesos mórbidos, no pré e no pós-cirúrgico, não estão claramente evidenciadas na literatura científica, uma vez que esses indivíduos podem ter alterações relacionadas ao metabolismo, fatores psicossociais e ambientais. Poucos estudos relacionaram o desgaste dentário e perda dentária comparando o indivíduo na fase obesa e após a operação da obesidade.

Dessa forma, o presente estudo teve por objetivo avaliar a ocorrência do desgaste dentário e perda dentária em indivíduos eutróficos, obesos pré e após a cirurgia bariátrica.

MÉTODOS

O presente estudo foi do tipo observacional transversal e analítico, desenvolvido no período de abril/2015 a abril/2017, período este onde foram recrutados pacientes eutróficos, obesos mórbidos pré e pós-cirúrgicos até 24 meses e mais de 36 meses do BGYR, atendidos pelo SUS no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital de Clínicas da Instituição (Número do comitê de ética: 73245517.0.0000.5404).

Foi calculado o tamanho amostral com base no poder do teste de 80% e o coeficiente de confiança de 95%. A amostra foi composta por 240 pacientes (eutróficos=60, obesos=60, <24 meses operado=60, >36 meses operado=60), respeitada a regra de que o número de casos, do menor grupo da regressão logística binária, dividido pelo número de variáveis independentes resultasse em quantidade não inferior a 207.

A amostra foi constituída por de 60 pacientes divididos em 4 grupos: GO - obesos mórbidos; G24 -obesos mórbidos com 24 meses de operados; G36 -com 36 meses de operados; GC - indivíduos eutróficos. Os grupos foram pareados de acordo com o gênero e a idade.

Os critérios de inclusão foram para GO o IMC maior ou igual a 40 kg/m2 e para GC o IMC entre 18,5-24,99 kg/m2. Os grupos G24 e G36 deveriam ter sido submetidos à cirurgia bariátrica pela técnica by-pass gástrico, além de terem passado somente por uma operação para tratar a obesidade.

Os critérios de exclusão foram gravidez, câncer, complicações cirúrgicas e/ou estivessem tomando drogas imunossupressoras.

O treinamento de calibração do examinador para o índice de desgaste dentário-IDD22 foi realizado antes de iniciar os exames clínicos. O treinamento de calibração foi conduzido por um examinador padrão, experiente em levantamentos epidemiológicos e as atividades foram divididas em teóricas e práticas, envolvendo exercícios de treinamento e calibração, compreendendo um total de seis períodos. Os primeiros períodos foram utilizados para explicação dos códigos, critérios e condutas adotados para o estudo. Após esse período foi iniciada a prática de exercícios, através da exposição visual de casos clínicos por parte do examinador padrão; em seguida foram realizadas as avaliações e possíveis discussões. Após esse exercício prático, foi realizada uma demonstração clínica sobre como deveriam ser feitos os exames e a calibração propriamente dita, com 10 voluntários selecionados na Faculdade de Odontologia de Bauru, SP, Brasil. Após as tomadas dos dados foi realizada discussão geral para certificar-se que o examinador se familiarizou com os procedimentos21. Para o cálculo do Kappa, 10% dos pacientes foram reavaliados em outro dia. Toda a amostra foi avaliada por um único examinador, sendo que o Kappa encontrado intra-examinador foi >0,96, demonstrando concordância excelente9.

A avaliação nutricional dos indivíduos foi realizada através da mensuração das medidas antropométricas peso e estatura, de acordo com as técnicas preconizadas pela OMS29, e a partir desses valores calculado o IMC. Para a classificação do estado nutricional foram utilizados os pontos de corte definidos pela OMS29, ou seja: de 18,5 a 24,9 kg/m² normal (eutrófico); 25 a 29,9 kg/m² sobrepeso; 30 a 34,9 kg/m² obesidade grau I; 35 a 39,9 kg/m² obesidade grau II e acima de 40 kg/m² obesidade grau III (obesidade mórbida).

As circunferências da cintura (CC) e quadril (CQ) foram obtidas usando uma fita em centímetros, aferidas com o indivíduo usando roupa fina, abdome relaxado, em posição ortostática, com os pés juntos e braços ao lado do corpo. Para aferir as medidas da circunferência do quadril, foi medido o nível do ponto de maior circunferência da região glútea e para a aferição da cintura, o ponto médio entre a crista ilíaca e o último arco costal. Para calcular a relação cintura e quadril (RCQ) dividiu-se a circunferência da cintura pela circunferência do quadril. Considerou-se alto risco à saúde no homem RCQ acima de 0,95; risco moderado entre 0,90 e 0,95; baixo, menor que 0,90. Nas mulheres o alto risco seriam valores maiores que 0,85; risco moderado entre 0,80 e 0,85; baixo, menor que 0,8029.

Todos os procedimentos cirúrgicos foram realizados pela mesma equipe médica e adotando-se a mesma técnica, que foi o BGYR. As características sociodemográficas, comorbidades e hábitos de vida, avaliação antropométrica foram coletadas e registradas em ficha específica.

Os pacientes foram submetidos ao exame clínico odontológico para a identificação do desgaste dentário e da perda dentária, com o auxílio de espelho intraoral e espátula de madeira, previamente esterilizados, exame visual sem a obtenção de imagens.

Para o desgaste dentário foi adotado o índice adaptado por Sales Peres22, o qual permite avaliar a prevalência e a severidade do desgaste. Todas as superfícies dentárias (vestibular, palatina/lingual, incisal/oclusal) de todos os dentes foram examinadas, utilizando-se os escores “0” para superfície que não apresenta nenhum desgaste; “1” desgaste com envolvimento apenas de esmalte; “2” desgaste com exposição de dentina; “3” dentina secundária ou exposição pulpar; “4” restauração dentária devido ao desgaste e escore “9” para a superfície que não pôde ser avaliada por apresentar cáries ou restaurações extensas ou grande perda da estrutura. O desgaste dentário foi mensurado de acordo com o sextante envolvido e sua totalidade por indivíduo. O exame para identificar desgaste dentário foi precedido por secagem das superfícies dentárias, o qual foi realizado com um aparelho transportável com duas seringas tríplices, facilitando o diagnóstico visual. Foi utilizada luz ambiente e complementada pelo auxilio de luz artificial.

Foi registrada presença ou ausência de dentes, para se identificar se regiões e arcos onde essas ausências se concentravam. Foram agrupados em total de dentes perdidos, por arcada e por grupo de dentes (incisivos, caninos, pré-molares e molares).

Análise estatística

Os testes estatísticos foram adotados de acordo com as variáveis, as quantitativas (IMC, idade, % de perda de peso, relação cintura/quadril e dentes perdidos) teste paramétricos e as qualitativas (gênero, raça, escolaridade, classe econômica, hipertensão, diabete tipo 2, triglicerídeos, colesterol, etilismo e tabagismo) não paramétricos. As variáveis de desfecho foram desgaste dentário e perda dentária. Já as variáveis de exposição foram gênero, raça, escolaridade, classe econômica, hipertensão, diabete tipo 2, triglicerídeos, colesterol, etilismo, tabagismo, IMC, idade, % de perda de peso e relação cintura/quadril. Foi aplicada a análise estatística descritiva para obter as frequências absolutas e relativas. Foi executada análise bivariada utilizando os testes Qui-Quadrado, Mann-Whitney, ANOVA, Tukey e Kruskal-Wallis. Para verificar a associação entre obesidade e os desfechos bucais (desgaste dentário e perda dentária) foi utilizado o modelo de regressão linear multivariada, calculando o Oddsratio e o intervalo de confiança de 95%. Idade, gênero, IMC, % da perda de peso, circunferência cervical e relação cintura/quadril foram incluídas como covariáveis independentes na análise de regressão linear múltipla, quando obtiverem p<0,20. As análises foram conduzidas utilizando-se o programa Statistica 25.0 para Windows, adotando-se para todos os testes um nível de significância de 5% (p<0,05).

RESULTADOS

Embora houvesse mais mulheres na amostra, não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos para etnia (p=0,135), escolaridade (p=0,108), triglicerídeos (p=0,078), utilização de fumo (p=0,568) e de álcool (p=0,712). Entretanto, GO apresentou menor classe econômica (p=0,012) do que os demais grupos. Além disso, este grupo também mostrou maior percentual de hipertensão (p<0,001), diabete (p<0,001) e colesterol (p=0,001, Tabela 1).

TABELA 1
Características sociodemográficas, comorbidades e hábitos de vida entre os indivíduos obesos (GO), operados até 24 meses (G24), operados após 36 meses (G36) e eutróficos (GC).

Houve diferenças significativas entre os grupos em relação ao IMC (p<0,001) e entre a % de perda de peso entre G24 e G36 (p<0,001). GO apresentou maiores valores na relação cintura/quadril que os demais grupos (p<0,001, Tabela 2).

TABELA 2
Comparação de idade, IMC, % perda de peso e relação cintura-quadril entre os indivíduos obesos (GO), operados até 24 meses (G24), operados após 36 meses (G36) e eutróficos (GC)

O número dentes perdidos de acordo com os grupos foram: GO=3,70±4,68, G24=2,78±4,14, G36=3,70±6,44 e GC=3,03±5,07. ANOVA seguida do teste de Tukey mostrou não haver diferenças significativas entre os grupos para dentes perdidos inferiores (p=0,4324) e superiores (p=0,3886).

O índice de desgaste dentário total mostrou que 2868 (65,58%) das faces não apresentaram desgaste, mais de um terço das faces totais avaliadas possuíam (34,42%), 1448 (33,11%) o tinham em faces oclusais/incisais e 57 (1,31%) desgaste nas faces vestibulares/linguais. Não houve diferenças significativas entre os grupos em relação ao desgaste dentário tanto por sextantes quanto total (p=0,448). Porém, houve desgaste maior entre os sextantes II e V que correspondem aos dentes anteriores superiores e inferiores (Tabela 3).

TABELA 3
Comparação do desgaste dentário total e por sextantes entre os indivíduos obesos (GO), operados até 24 meses (G24), operados após 36 meses (G36) e eutróficos (GC)

Houve diferenças estatisticamente significativas entre quase todos os sextantes (p<0,001) quando comparados nos desgastes totais. Apenas a relação entre os sextantes I e III (p=0,995), II e V (p=0,953) e IV e VI (p=0,979) não obtiveram diferenças estatisticamente significativas (Tabela 4).

TABELA 4
Comparação do desgaste dentário total dos grupos entre os sextantes.

Na análise de regressão linear múltipla do desgaste dentário houve diferenças estatisticamente significativas do desgaste para idade (p=0,000) e perda dentária (p=0,001, Tabela 5).

TABELA 5
Análise de regressão linear múltipla para desgaste dentário com as demais variáveis

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo evidenciaram que indivíduos submetidos à BGYR apresentam mais desgaste dentário nas superfícies incisais/oclusais. Na amostra estudada, independentemente do tempo da operação, estado de normalidade ou obesidade, pôde-se observar maior desgaste dentário em dentes anteriores, fato já identificado na literatura26. Já a perda dentária não variou entre os grupos estudados.

Neste estudo, houve maior participação de mulheres, raça branca, escolaridade média incompleta e classe econômica até dois salários mínimos, sem diferenças significativas entre os grupos. Estes achados reforçam o apresentado em outros estudos, nos quais cerca de 80% da população que se submete à cirurgia bariátrica é de mulheres16. A justificativa para este fato se pauta na maior cobrança da sociedade em relação aos padrões estéticos para as mulheres em associação com preocupação de melhorar a qualidade de vida. Entretanto, deve-se evidenciar que a prevalência de obesidade no Brasil é semelhante entre os gêneros2.

No presente estudo foram identificadas diferenças significativas para avaliação antropométrica entre os grupos GO e GC; entre os grupos G24 e G36 não houve. Vale ressaltar que os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica não apresentaram diferenças entre 24 meses ou mais de 36 meses de operados. Após, alguns comportamentos passaram a ser adotados, os quais interferiram diretamente na perda de peso e causaram impacto significativo nos pacientes operados. Ocorre tanto o desenvolvimento de mudanças positivas no comportamento, incluindo a cessação de comportamentos negativos ou o aumento de comportamentos positivos, o que afetam diretamente a quantidade da perda de peso. No entanto, pode alterar vários desses comportamentos, tais como iniciar a autoponderação e parar de comer quando está satisfeito ou comer continuamente durante o dia, como aditivo. Em relação à literatura foi demonstrado que, após cirurgia bariátrica, ocorre redução na ingestão de calorias8 e gordura13, melhor adesão dietética4, reduzindo a ingestão de lanches, diminuindo desejos de comida. Estes fatores parecem justificar os achados do presente estudo, nos grupos após a cirurgia bariátrica, uma vez que as demais condições e hábitos não apresentaram diferenças significativas entre os grupos estudados.

Dentre as condições bucais, as perdas dentárias estão longe de serem solucionadas na população brasileira. O levantamento epidemiológico brasileiro1 para a faixa etária de 35-44 anos evidenciou que entre 2003 e 2010 houve redução de dentes perdidos em adultos diminuiu de 13,5 para 7,4 evidenciando que 7,3% dos adultos apresentavam elementos dentários ausentes. Já a necessidade de prótese na população nessa faixa etária foi de 68,8%1. Neste estudo, observou-se que houve em média perda de 3,3 dentes em adultos, número este inferior ao encontrado no último levantamento epidemiológico brasileiro. Dentre os grupos estudados, o grupo eutrófico foi o que apresentou menor percentual de perda dentária e o obeso o menor status social30.

Uma das justificativas para a redução das perdas dentárias em adultos observada, possivelmente seja a combinação da melhoria das condições socioeconômicas, em especial da educação, e do sistema de saúde como a exposição à fluoretação de águas e massificação do uso de dentifrícios fluoretados. Indivíduos mais pobres e menos escolarizados residem em localidades com menores coberturas de fluoretação de águas e de serviços odontológicos, escovam menos frequentemente seus dentes19, consomem mais açúcar, alimentos de origem animal, gordura saturada, açúcar e têm menor tempo para atividade física11. Todos esses fatores contribuem para aumento da prevalência e progressão da cárie dentária e da doença periodontal e, consequentemente, das perdas dentárias delas resultantes. Dessa forma, as populações mais vulneráveis devem ter cuidados prioritários, ao lado das medidas universais19.

A ausência de dentes pode desencadear algum grau de disfunção temporomandibular e que a reabilitação oral é capaz de atuar positivamente na diminuição da severidade desses distúrbios nesses pacientes21.

Vários fatores podem influenciar a ocorrência de desgaste dentário, como refluxo gastroesofágico, bruxismo, pH salivar e idade18. No presente estudo, houve maior prevalência de desgaste nos dentes anteriores e na face incisal/oclusal, o que indica a ocorrência de atrição. Este fenômeno pode ser causado pelas superfícies de contato envolvendo esmalte e dentina, sendo um resultado do processo adaptativo que pode ser explicado pela alta presença de hábitos parafuncionais, como o bruxismo, no qual forças verticais excessivas de longa duração e forças de fricção horizontais ocorrem14. O bruxismo tem sido reportado como uma manifestação física do estresse e da ansiedade28 e esta, por sua vez, está intimamente relacionada à obesidade. Existem dois fenótipos circadianos distintos para o bruxismo: bruxismo do sono e bruxismo acordado, que são considerados entidades separadas devido à suposta diferença em sua causa e variância fenotípica. As causas propostas recentemente de bruxismo parecem ser uma combinação de fatores genéticos e ambientais, com a epigenética fornecendo uma estrutura robusta para investigar essas interações.

Quanto à superfície de desgaste, neste estudo foi em esmalte mais prevalente no GC (eutrófico) e em dentina no G24 e G36 (24M e 36M após a operação). Estes resultados se assemelham aos de Yamashita30, no qual os autores encontraram maior desgaste em dentina no obeso e maior em esmalte no eutrófico.

O desgaste erosivo ocorre nas oclusais e em superfícies lisas, tendo em vista que esta lesão surge devido à desmineralização química com a participação de fatores físicos, como a fricção e muitas vezes o estresse. Recente revisão demonstrou que apenas em pacientes com doença do refluxo gastroesofágico e distúrbios alimentares associados ao vômito, pode ser encontrado um claro impacto na prevalência da erosão25. Aliado a este fato, pessoas que consomem alimentos e bebidas ácidas, possuem risco maior de apresentar erosão. Os com doença de refluxo estão mais expostos a desenvolverem erosão dentária e halitose12.

Deve-se ressaltar que o desgaste causado pela erosão pode promover desgaste generalizado e estar relacionado a outros tipos de desgastes. Muitos autores têm considerado a abrasão como um fenômeno natural, o qual poderia se tornar excessivo quando com estivesse associado com fricção e erosão14.

A regressão linear para o desgaste dentário mostrou que houve associação significativa entre idade e perda dentária, nos grupos estudados. Isso reforça a evidência científica que o desgaste se agrava com a idade e pode ser mais um fator para perda dentária. Por outro lado, a perda de alguns dentes pode sobrecarregar os dentes presentes, principalmente em casos de bruxismo, causando aumento de desgaste ou sua progressão. Estudos futuros deverão ser conduzidos para entender a via de ocorrência deste desfecho em pacientes obesos pré e pós-cirurgia bariátrica.

Algumas limitações no presente estudo merecem consideração. Inicialmente, por ser estudo de corte transversal, não permitindo que seja feita relação de causalidade. Outro ponto é o fato de se tratar de uma amostra de conveniência restrita ao local do estudo, dificultando a generalização dos achados. Como o desgaste se acumula durante um longo período, estudos longitudinais poderiam fornecer evidências mais conclusivas sobre o papel e a interação de diferentes fatores de risco para o desenvolvimento e/ou progressão do desgaste. Para compreensão completa da progressão do desgaste dentário, são necessários mais estudos clínicos em longo prazo e que sejam considerados os efeitos de dietas ácidas de longa duração ou o consumo excessivo de alimentos ácidos durante um determinado período de tempo. Pesquisas futuras de seguimento devem se concentrar suas investigações em hábitos comportamentais, de higiene e consumo de produtos ácidos.

Como pontos fortes, ressaltam-se as implicações clínicas para pacientes obesos e bariátricos, que se pautam no acompanhamento odontológico desde o pré-operatório, para proporcionar melhor recuperação e adaptação mastigatória durante todo o pós-operatório, contribuir no tratamento e na prevenção das lesões da cavidade bucal.

CONCLUSÃO

O desgaste dentário foi mais prevalente entre os pacientes submetidos ao BGYR, independente do período de pós-operatório, e as superfícies incisais dos dentes anteriores superiores e inferiores foram as mais acometidas. Já a perda dentária não mostrou diferenças significativas entre os grupos. O desgaste dentário esteve associado à idade e número de dentes perdidos.

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  • Fonte de financiamento: não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2019
  • Aceito
    16 Maio 2019
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