Open-access Avaliação do Programa de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável na Atenção Primária: pesquisa de métodos mistos

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar a implantação do Programa de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável na Atenção Primária à Saúde em municípios de Minas Gerais. Pesquisa de Métodos Mistos com Estratégia Incorporada Concomitante de dados. Na abordagem quantitativa utilizou-se pesquisa avaliativa na perspectiva da análise de implantação. Na abordagem qualitativa realizou-se estudo exploratório-descritivo utilizando a análise de conteúdo. Os dados qualitativos e quantitativos foram incorporados para análise a partir de sua imbricação. O Grau de Implantação do programa foi 92,5% representando uma implantação adequada. Na imbricação dos dados, a metodologia das ações propostas no programa e a realização da atividade de Educação Permanente foram pontos fortes convergentes que emergiram. Recursos Humanos insuficientes para planejamento e execução do programa e falta de cozinha para oficina culinária foram apontados como desafios. A implantação do programa foi adequada e poderá ser estendida para outros municípios brasileiros, de forma a apoiar os profissionais a estruturar intervenções de promoção da alimentação adequada e saudável na rotina de trabalho na Atenção Primária.

Palavras-chave: Avaliação de Programas e Instrumentos de Pesquisa; Programas e Políticas de Alimentação e Nutrição; Promoção da Saúde; Alimentação Saudável; Atenção Primária à Saúde

Abstract

This article aims to analyze the implementation of an Adequate and Healthy Food Promotion Program in Primary Health Care in the municipalities of Minas Gerais. Mixed Methods Research with Data Concomitant Embedded Strategy. Evaluative research from the perspective of the implementation analysis was employed in the quantitative approach. An exploratory-descriptive study was conducted using content analysis in the qualitative approach. Qualitative and quantitative data were incorporated for analysis from their imbrication. The Program Implementation Level (IL) was 92.5%, representing an adequate implementation. The methodology of the actions proposed in the program and the implementation of Continuing Education were convergent strengths that emerged from data imbrication. The need for more human resources for planning and implementing the program and the lack of a kitchen for cooking workshops were identified as challenges. The Program’s implementation was adequate and can be extended to other Brazilian municipalities to help professionals structure interventions to promote adequate and healthy food in the Primary Care work routine.

Key words: Evaluation of Research Programs and Tools; Nutrition Programs and Policies; Health Promotion; Diet Healthy; Primary Health Care

Introdução

A alimentação inadequada é um dos principais fatores de risco para morbidade, anos perdidos por incapacidade e mortalidade em diversos países do mundo1, com destaque para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como Obesidade, Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus. A melhoria da alimentação poderia prevenir uma em cada cinco mortes no mundo2.

Nesse contexto, a alimentação saudável vem ganhando espaço na agenda internacional e nas políticas públicas e programas nacionais3. A Promoção da Alimentação Adequada e Saudável (PAAS) é uma das diretrizes da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN)4 e inclui ações de Educação Alimentar e Nutricional (EAN), regulação de alimentos e incentivo à criação de ambientes promotores da alimentação saudável, com a articulação intersetorial induzida pelo setor saúde, transcendendo os limites da Atenção Primária à Saúde (APS)5. Nesse sentido, o Guia Alimentar para População Brasileira6, revisado em 2014, inovou propondo uma classificação dos alimentos baseada no seu grau de processamento, além de trazer abordagens sobre sistemas alimentares, comensalidade e superação de obstáculos relacionados à alimentação para aumentar a autonomia dos indivíduos5,7. Em 2016, foi publicado o primeiro desdobramento do Guia Alimentar denominado Instrutivo Metodologia de Trabalho em grupo para Ações de Alimentação e Nutrição na Atenção Básica7, visando contribuir para a ampliação das ações de PAAS na APS.

A partir desse Instrutivo foi desenvolvido o Programa de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável (PPAAS), com suporte teórico e prático para o desenvolvimento de ações de PAAS na APS7-9. O PPAAS propõe estratégias e materiais educativos, que objetivam promover encontros dinâmicos, participativos e compreensíveis para usuários com diferentes graus de instrução. Ressalta-se que, a adoção de metodologias pautadas em modelos de ensino-aprendizagem integradores e participativos, como as metodologias ativas, são cruciais para a promoção da saúde da população9,10.

As atividades coletivas com temáticas relacionadas à alimentação e a nutrição na APS, como as propostas pelo PPAAS, podem promover o empoderamento, autonomia e a corresponsabilização dos usuários para escolhas alimentares mais saudáveis mediante o apoio dos profissionais de saúde11. Ademais, o uso de metodologias que auxiliam na organização do processo de trabalho pode favorecer a integração entre os profissionais e o fortalecimento da equipe na execução de atividades educativas8. As ações de alimentação e nutrição, com abordagem interdisciplinar, são indispensáveis na busca pela melhoria da qualidade de vida da população, a partir do princípio da integralidade12. Com isso, o PPAAS parece ser uma experiência inovadora na otimização do processo de trabalho, no planejamento e execução das ações educativas que buscam melhorar a qualidade e o acesso às ações sobre alimentação adequada e saudável na APS, bem como para motivação de mudança de hábitos alimentares e manutenção do peso saudável. No entanto, faz-se necessário acompanhar a sua implantação para avaliar a reorganização das ações coletivas de promoção da alimentação adequada e saudável que esse programa pode ou não alcançar9.

Dessa forma, é imprescindível avaliar a implantação do PPAAS, que foi iniciada em Minas Gerais em 2017, visando a otimização dos processos de trabalho no planejamento e execução das ações educativas e de seus resultados. Para isso, a pesquisa avaliativa tem ganhado destaque, pois o conhecimento suscitado nesse tipo de investigação tem a propriedade de contribuir para a identificação de problemas relacionados à organização e funcionamento de programas e sustentar decisões direcionadas para o seu aprimoramento e consolidação13. Considerando esse contexto e a importância da PAAS para a promoção da saúde e a prevenção das DCNT, esse estudo teve por objetivo avaliar a implantação do PPAAS em municípios do estado de Minas Gerais.

Métodos

Realizou-se pesquisa de Métodos Mistos com Estratégia Incorporada Concomitante de dados14. Essa estratégia possibilita a triangulação de métodos (pesquisa avaliativa na perspectiva da análise de implantação tipo 1b13 e estudo qualitativo exploratório-descritivo utilizando a análise de conteúdo14) e de técnicas (questionário multidimensional e entrevista semiestruturada). A análise de implantação tipo 1b busca priorizar a reflexão sobre implantação de programas, compreendendo a variação encontrada em seu grau ou no nível de integralidade de sua implantação13. Os aspectos metodológicos utilizados nessa pesquisa estão sumarizados no Quadro 1.

Quadro 1
Aspectos metodológicos utilizados na análise da implantação do Programa de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável (PPAAS) na Atenção Primária à Saúde (APS).

A incorporação dos dados qualitativos teve o papel de apoiar as informações quantitativas, que nesse estudo teve maior peso, bem como aprofundar os achados sobre o contexto de implantação do PPAAS, dando maior evidência aos resultados. Os dados quantitativos e qualitativos foram analisados separadamente e integrados no nível de interpretação para identificar convergências, diferenças ou combinações14.

Esse estudo limitou seu escopo de investigação às dimensões de estrutura (recursos empregados e sua organização) e de processo (serviços ou bens produzidos). A estrutura consiste no arcabouço dos serviços de saúde que dá sustentação à implantação do programa e envolvem os recursos físicos, humanos, materiais, assim como a normatização necessária. Já o processo abrange todas as atividades desenvolvidas no serviço de saúde e de que forma são realizadas. Para isso, são incluídas as ações que envolvem os profissionais de saúde e usuários, cuja análise pode ser sob o ponto de vista técnico e/ou administrativo com base em padrões aceitos16.

Para uma melhor compreensão da intervenção (PPAAS), o Quadro 2 apresenta, com detalhes, a descrição dos itens que constituem o arcabouço do programa, tais como o cenário, além do tempo de desenvolvimento e atividades desenvolvidas.

Quadro 2
Descrição da proposta da intervenção - Programa de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável.

Participaram da pesquisa os coordenadores da APS e os profissionais da ESF e NASF-AP que implantaram o PPPAS nas UAPS dos municípios envolvidos nessa pesquisa. A escolha desses participantes justifica-se pela possibilidade de se obter informações mais detalhadas sobre a estrutura e o processo do programa, pois, estiveram diretamente envolvidos em sua implantação. Os dados foram coletados em 2017 no município de médio porte, e em 2019 no município de pequeno porte.

Para a coleta de dados quantitativos utilizou-se questionário estruturado multidimensional com questões avaliativas sobre a estrutura e o processo, com conteúdo validado pela técnica Delphi9. O questionário foi enviado por meio do Google Forms® para as profissionais de saúde que implantaram o PPAAS nas UAPS e que já haviam assinado o TCLE no início da implantação.

A análise descritiva dos dados foi realizada para caracterizar o perfil das participantes. Utilizou-se a mediana como medida de posição e o intervalo interquartil como medida de dispersão para as variáveis idade e tempo de trabalho em saúde pública. A análise dos critérios das dimensões estrutura (recursos físicos, humanos, materiais, normatização) e de processo (educação permanente e tutoria, planejamento das atividades, execução das atividades e preenchimento dos instrumentos) foi realizada por meio da adequação da mediana encontrada em relação à pontuação máxima atribuída a cada um dos critérios.

Para a classificação do grau de implantação (GI) do PPAAS, foram utilizadas as matrizes de análise e julgamento9. Para cada uma das 42 questões avaliativas da matriz de análise, foi definido o critério, o método de cálculo, o parâmetro, o valor atribuído e o ponto de corte para analisar se os valores observados estavam ou não em conformidade com os padrões estabelecidos. Dessas, 11 questões avaliativas referiam-se a recursos materiais específicos para cada atividade (Ações no Ambiente e Oficinas), com valor atribuído de 5 pontos. Nesse artigo essas questões são tomadas como um único critério com valor máximo de 55 pontos, perfazendo assim um total 32 critérios que serão apresentados em resultados.

O sistema de escores do GI do PPAAS foi definido pelos pesquisadores e expertises, utilizando a técnica de consenso. Esse sistema possui valores diferenciados para cada um dos critérios selecionados, segundo o nível de importância de cada um definido na matriz de análise. A princípio determinaram-se os valores observados (Σ de pontos dos critérios) e foi calculado o GI (Σ de pontos dos critérios observados/Σ de pontos máximos esperados X 100) para cada componente, posteriormente, somaram-se os componentes para calcular o GI total. A partir da somatória dos pontos de critérios de cada dimensão, os escores obtidos foram transformados em percentuais, tomando como referência (100%) a pontuação máxima esperada possível. De acordo com esses percentuais, definiram-se as quatro categorias para GI do PPAAS: Implantação adequada (IA: 80,0 a 100%); Implantação parcialmente adequada (IPA: 60,0 a 79,9%); Implantação não adequada (INA: 40,0 a 59,9%); Implantação crítica (IC: <40,0%). Foi utilizado o software Excel para processamento e análise dos dados.

Para analisar, aprofundar e expandir os achados sobre o contexto de implantação do PPAAS utilizou-se a análise do conteúdo que compreende um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens15.

Para tanto, foi realizada entrevista semiestruturada com as participantes que implantaram o PPAAS nos municípios. O roteiro continha questões sobre os fatores facilitadores, dificultadores e adaptações necessárias para a implantação do PPAAS. Foram entrevistados 18 profissionais de saúde e 2 coordenadoras da APS. Os entrevistados foram informados sobre os objetivos e métodos adotados da pesquisa e após esclarecimento de dúvidas, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As entrevistas foram individuais, gravadas e realizadas em local privado, e, posteriormente, transcritas para análise. Esta se constituiu por 3 etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados e interpretação15,17.

As entrevistadas foram identificadas por códigos de acordo com o cargo seguidos de número: Agentes Comunitárias de Saúde (ACS); Assistentes Sociais (AS); Coordenadoras da APS (CA); Enfermeiras (ENF); Fonoaudiólogas (FON); Nutricionistas (NUT); Psicólogas (PSI); Terapeutas Ocupacionais (TO).

Ao final da análise dos dados quantitativos e qualitativos foi realizada a incorporação dos dados para apresentar a análise dos dados qualitativos e quantitativos combinados14.

Esse trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sob o nº CAAE 56698716.2.0000.5149.

Resultados

Entre os participantes do estudo (n=20), 100% eram mulheres, com mediana de 37 anos (IQ: 29,5-41,5) e mediana de tempo de trabalho em saúde pública de 5,5 anos (IQ: 1,0-11,5). Quanto ao cargo, 25% das participantes eram Agentes Comunitárias de Saúde, 20% nutricionistas, 15% enfermeiras, 10% coordenadoras da APS, 10% terapeutas ocupacionais, 10% psicólogos, 5% fonoaudiólogas e 5% assistentes sociais. De acordo com o grau de escolaridade, 33,3% das participantes concluíram o ensino médio, 33,3% graduação, 16,7% especialização e 16,7% mestrado.

O GI do PPAAS foi de 92,5% (implantação adequada), sendo a dimensão processo a mais bem avaliada, quando comparada à dimensão estrutura, apresentando GI de 93,1% e 91,9%, respectivamente.

Na dimensão estrutura, todos os componentes foram adequados, exceto Recursos Humanos (RH) que foi avaliado como parcialmente adequado. Os componentes que foram classificados como parcialmente adequados incluíram a existência de cozinha para realização de oficina culinária e a disponibilização de materiais pela Secretaria Municipal de Saúde (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição do Grau de Implantação na avaliação dos critérios da dimensão Estrutura segundo componentes do Programa de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável (PPAAS).

Já na dimensão de processo, o componente Realização de Educação Permanente (EP) e Tutoria e Preenchimento dos Instrumentos foram os mais bem avaliados seguidos por Execução das Atividades e Planejamento das Atividades, componentes esses considerados como adequados. No componente Planejamento das atividades, os critérios Leitura dos materiais antecipadamente pela equipe e pelo coordenador obtiveram avaliação não adequada. Já no componente Execução das atividades, o critério Atividades desenvolvidas foi avaliado como parcialmente adequado (Figura 1).

Figura 1
Distribuição do Grau de Implantação na avaliação dos critérios da dimensão Processo, segundo componentes do Programa de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável - PPAAS.

Na Figura 2 está apresentada a imbricação dos resultados obtidos nas abordagens quantitativa e qualitativa utilizadas na avaliação para identificar aspectos convergentes, divergentes e as especificidades da implantação do PPAAS.

Figura 2
Imbricação dos resultados das abordagens Quantitativa e Qualitativa da Avaliação da Implantação do PPAAS.

Quanto a análise qualitativa, alguns pontos facilitadores do PPAAS foram destacados, convergindo com os resultados quantitativos da avaliação, como a realização da EP com os profissionais participantes da implantação do Programa, e a qualidade das informações contidas no Instrutivo7 que embasou o PPAAS. As entrevistadas destacaram que as oficinas propostas são detalhadas, com passo-a-passo de todas as etapas para sua preparação e realização, desde materiais necessários, tempo de duração e sugestão de profissionais.

As entrevistadas destacaram ainda a variedade de temas e metodologias das oficinas, o que faz com que os encontros não fiquem monótonos e sejam interessantes para os usuários, convergindo a abordagem quantitativa. Sobre o Instrutivo7 e sua metodologia, as participantes relataram:

Tive feedback positivo pelo tipo de metodologia. Destaco as metodologias ativas e envolvimento dos usuários ativamente no processo. Estratégia positiva. Tenho interesse em manter esta implantação. Acredito que este programa pode ajudar na realização de outros grupos (CA 2).

As entrevistadas ainda apontaram que as informações disponibilizadas no livro Desmistificando Dúvidas sobre Alimentação e Nutrição18 esclareceram equívocos relacionados à alimentação saudável a partir de evidências científicas. O livro Na Cozinha com as Frutas, Legumes e Verduras19 foi destacado por conter receitas culinárias com ingredientes acessíveis e saborosos, como pode ser percebido na fala da ACS:

Tive acesso a todo material. Linguagem fácil, receitas simples. Alimentação saudável com o que a gente tem em casa (ACS 1).

Sobre a EP, uma entrevistada destaca:

[...] Foi muito positivo ter participado, me abriu um leque de atividades que eu posso tá trabalhando em grupo que não seja só de palestra né, e que vai beneficiar mais o usuário a poder adquirir mais informações que a gente tanto quer que eles tenham (FON 1).

A participação e interação dos usuários nas ações do PPAAS também foi apontada como ponto positivo do Programa:

Os usuários eram pontuais, interessados. Tinham bom vínculo e interação. [...] Houve mudanças de hábitos de vida relatadas pelos usuários (ACS 2).

A interação dos usuários foi excelente. Usuários participativos. Não queriam que [o programa] acabasse, os usuários gostariam que tivesse continuidade. Houve retorno positivo dos usuários sobre melhoria dos hábitos alimentares e inclusive da qualidade do sono (ACS 4).

As entrevistadas também destacaram como pontos facilitadores da implantação do PPAAS, a integração da equipe da APS com os usuários e o envolvimento da equipe na montagem dos painéis, na divulgação e busca ativa dos usuários, com destaque para o envolvimento das ACS. Como demonstrado a seguir:

Houve trabalho em equipe com boa integração. A ACS planejou e organizou com antecedência. Aconteceu reunião para dividir as atribuições. Participação principalmente da psicóloga (ACS 5).

Apesar do envolvimento dos profissionais que participaram da EP, a deficiência de RH e o não envolvimento de outros profissionais da equipe foram apontados como dificultadores, convergindo com a avaliação do GI do PPAAS. Destaque para a falta de RH disponíveis para planejar e executar as atividades, pois a sobrecarga de trabalho levou a dificuldades de agendamento de reuniões presenciais para o planejamento das atividades. Em algumas unidades, o planejamento das atividades foi realizado pelo Whatsapp®:

Boa integração e comunicação da equipe por Whatsapp®. O nosso contato foi por Whatsapp® (PSI 2).

Falta de tempo para planejar, tem que preparar em casa. Falta de comunicação entre os profissionais devido à sobrecarga de trabalho (PSI 1).

A falta de envolvimento dos demais profissionais, que não participaram da EP também emergiu nas falas:

Houve pouca participação dos profissionais da ESF. Talvez devido à sobrecarga de trabalho. Acredito que a participação dos profissionais da ESF estreitaria o vínculo dos pacientes com a equipe (AS 1).

A dificuldade em relação à disponibilização de materiais pela Secretaria Municipal de Saúde foi apontada como um limitante:

Eu levava material de casa para realizar as oficinas (ENF 3).

Os materiais eram fáceis e baratos na maioria dos encontros, porém tem que pedir na secretaria com muita antecedência (PSI 1).

Há um fator dificultador administrativo para compra de gêneros perecíveis. Os trâmites são complexos (CA 2).

Uma estratégia para solucionar esta questão foi apresentada pelas entrevistadas:

Houve o compartilhamento de materiais entre os grupos de outras unidades: as vendas [para os olhos], por exemplo (ENF 2).

Uma entrevistada apontou outra dificuldade importante em relação a recursos físicos:

Alguns lugares não tinham estrutura para oficinas culinárias (CA 2).

A queda na adesão ao longo das oficinas foi apontada como um dificultador para implantação do PPAAS:

Acredito que pelo modelo assistencial mesmo voltado para a doença, quando a gente fala, pensa em promoção geralmente até a equipe do posto não conta muito essa ideia. Dificuldade de adesão. Muitas vezes os ACS que convidam e para eles convidarem para o grupo, eles têm que primeiro acreditar neste trabalho. A “crença” que o atendimento individual é mais eficaz que a participação em grupo (TOC2).

Como mencionado acima pela TO, também outras entrevistadas relacionaram a dificuldade de adesão dos usuários à cultura do modelo biomédico ainda presente nas unidades de saúde, com valorização das consultas em detrimentos das atividades coletivas.

Outra causa apontada para a redução na adesão foi relativa ao período de duração do PPAAS:

Programa muito longo. No início a adesão foi boa (PSI 2).

Uma entrevistada fez uma observação sobre uma questão pertinente à metodologia de grupos proposta pelo PPAAS:

Esta metodologia oportunizou que os usuários fossem mais participativos que em outros grupos, porém, demanda mais tempo para preparação (PSI 1).

Uma especificidade do PPAAS destacada pelas entrevistadas é que outros profissionais, e não apenas nutricionistas, podem conduzir as oficinas. Isso facilita sua implantação na APS, podendo ser conduzido por diversas categorias profissionais, inclusive por ACS:

Acredito que outros profissionais, que não o nutricionista, conseguiriam desenvolver o PPAAS com os materiais (ACS 4).

Outros profissionais podem conduzir, apesar dos participantes direcionarem questões para nutricionista em alguns casos (ENF 1).

Nota-se pelos relatos que algumas profissionais chamaram atenção para a importância da presença do nutricionista em algumas oficinas, que aborda questões especificamente relacionadas à alimentação.

Discussão

A implantação do PPAAS na APS dos municípios de Minas Gerais foi avaliada como adequada. A EP com os profissionais envolvidos na implantação, utilizando-se de um Instrutivo com metodologias ativas, possibilitou a integração da equipe com os usuários e consequentemente, a adesão dos usuários ao Programa.

Uma das finalidades da EP em saúde é a contribuição para que cada profissional e equipe possa adquirir a capacidade de ser seu próprio coautor, em meio a um processo de reinvenção das práticas profissionais. Essa estratégia visa transformar os processos de trabalho e é fundamental para proporcionar espaços de atuação crítica, reflexiva, propositiva, compromissada e tecnicamente competente12.

O Instrutivo Metodologia de Trabalho em grupo para Ações de Alimentação e Nutrição na Atenção Básica7, por sua vez, foi apontado como um ponto forte para a implantação do PPAAS, ao propor atividades coletivas baseadas em metodologias ativas, de forma didática e objetiva. Além disso, materiais de apoio, como o livro Na Cozinha com as Frutas, Verduras e Legumes19 sobre preparações culinárias e Desmistificando Dúvidas sobre Alimentação e Nutrição18, constituíram recursos facilitadores da aprendizagem sobre o trabalho educativo com grupos, fornecendo esclarecimentos importantes para apoiar o planejamento e desenvolvimento das atividades educativas coletivas propostas7,11.

As metodologias de grupo são boas estratégias para organização e condução do processo de trabalho, e favorecem a integração de diferentes categorias profissionais, resultando no fortalecimento da equipe no exercício da interdisciplinaridade e na criação de espaços coletivos de trocas, de cuidado e de empoderamento dos indivíduos assistidos e da equipe8. No entanto, dos 11 estudos sobre ações de EAN realizadas na APS, publicados de 2006 a 2016, apenas um apresentava abordagens educacionais ativas e problematizadoras para o desenvolvimento das oficinas, revelando a importância e a inovação do PPAAS20.

Outro ponto importante na implantação do PPAAS foi a integração da equipe com os usuários em torno de um mesmo tema. A promoção da saúde se faz entre pessoas, mas ainda é necessário aprimorar as relações estabelecidas entre os serviços de saúde com seus usuários21. A PAAS é um tema que cabe a todos os profissionais da APS trabalharem de forma interdisciplinar, partindo da perspectiva da alimentação como uma vivência inerente ao ser humano, seja usuário ou profissional de saúde11. Nesse sentido, as ações de EAN possuem papel fundamental, em especial, para as ESF, por permitirem aproximar o trabalho educativo com a comunidade, ampliando o campo de intervenções de promoção da saúde20.

Nesse contexto, destaca-se a importância do PPAAS, uma vez que foi criado a partir de evidências científicas, das características e necessidades dos usuários da APS, além de possuir caráter inovador ao utilizar abordagem teórico-prática problematizadora, tendo como principais referenciais o Marco de Referência de EAN para as Políticas Públicas22 e o Guia Alimentar para a População Brasileira6. A escolha por esses referenciais para a construção do Instrutivo, e consequentemente do PPAAS, intencionou valorizar não só a participação ativa dos sujeitos, seu empoderamento e autonomia, mas também o respeito à sua cultura alimentar11.

Apesar do adequado GI e de suas fortalezas, algumas fragilidades para a implantação PPAAS foram identificadas e devem ser discutidas visando a resolução e/ou adequação para favorecer ainda mais a implantação do Programa em outros municípios. A ausência de cozinha para realização das oficinas culinárias, a falta de materiais para as oficinas e RH insuficientes para o planejamento e a execução do PPAAS em contraposição com a sobrecarga de trabalho dos profissionais foram citados como entraves na sua implantação.

As dificuldades que se referem à dimensão da estrutura do Programa são enfrentadas pela APS em todo o país. Grande parte das UAPS localiza-se em casas adaptadas, não dispondo de condições ideais para a realização de atividades coletivas23. A histórica ausência de salas de reunião em grande parte das unidades pode dificultar a realização de atividades com a comunidade e a articulação de práticas de planejamento e de avaliação entre os profissionais24. Nesse estudo apesar de não haver sala de reuniões em muitas UAPS, as atividades foram realizadas ainda que em espaços adaptados nas unidades ou em espaços do território, como salões comunitários ou de igrejas, por exemplo. No entanto, isso pode comprometer a implantação da PPAAS no que se refere à ausência de cozinha para a realização das oficinas culinárias, como apontado nos resultados. Contudo, o Instrutivo propõe possibilidade de adaptação para simplificar a realização dessas oficinas, tais como levar os alimentos higienizados e pré-preparados e elaborar receitas mais simples, como sucos e saladas, disponíveis no livro de receitas19, dispensando a necessidade de utensílios e equipamentos complexos7.

Outra questão identificada foi a necessidade de que alguns materiais das oficinas fossem obtidos pelos próprios profissionais, uma vez que não foram disponibilizados pelas Secretarias Municipais de Saúde. A falta de recursos financeiros destinados à aquisição de materiais para atividades educativas de PAAS, onerando financeiramente os profissionais de saúde8, é uma questão que deve ser discutida junto aos gestores de saúde, uma vez que há financiamento federal para a realização de ações de alimentação e nutrição, cabendo às esferas estadual e municipal a captação e a execução do recurso. Esse incentivo financeiro, denominado Financiamento das Ações de Alimentação e Nutrição (FAN), visa apoiar a implementação da PNAN nos estados e municípios, sendo repassado para todos os estados e para os municípios com mais de 150.000 habitantes. Atualmente, o FAN também contempla municípios com população entre 30.000 e 149.999 habitantes mediante a disponibilidade orçamentária do Ministério da Saúde25.

Outro ponto dificultador importante que emergiu foi a escassez de RH na APS para o adequado planejamento e execução das ações do PPAAS. O desenvolvimento de atividades coletivas na APS ainda esbarra em barreiras relacionadas à organização das equipes frente às demandas do serviço. Os desafios no cotidiano dos serviços de saúde são muitos e envolvem, inclusive, a capacidade de agregar os profissionais em torno de um objetivo comum: planejar as atividades educativas em grupos de forma que fomentem a participação, o aprendizado, o empoderamento, a autonomia e o protagonismo dos usuários para promoção de sua saúde11. É inegável os avanços no Brasil para disponibilizar e qualificar profissionais suficientes, bem preparados e melhor distribuídos, porém não há dúvida sobre as dificuldades em responder às crescentes demandas de saúde decorrentes, sobretudo, das DCNT26. No entanto, para garantir que os profissionais de saúde sejam capazes de adaptarem às diferentes características e valores culturais da população atendida, são necessárias competências e habilidades, como a capacidade de atuar em equipes multidisciplinares, de forma interprofissional, sensível e empática27.

De forma semelhante a outros estudos28,29, uma fragilidade identificada na implantação do PPAAS foi a redução da adesão dos usuários ao Programa com o tempo, apesar da busca ativa. A adesão ao PPAAS foi 61,9%, ou seja, 38,1% dos usuários que iniciaram o Programa, não chegaram ao final. Apesar disso, os usuários relataram mudanças positivas nos hábitos alimentares, com aumento da frequência de consumo de alimentos in natura ou minimamente processados e redução do consumo de ultraprocessados30.

A reduzida adesão às ações coletivas de promoção da saúde na APS é um desafio, já identificado em estudo anterior. A maior dificuldade na realização de grupos é a baixa adesão da população31. Uma hipótese é a influência da cultura preventivista no cuidado à saúde tanto por parte dos usuários, quanto dos profissionais e gestores, limitando o escopo dessas ações nos serviços de saúde32. Ressalta-se que ações coletivas de promoção da saúde devem superar o caráter de “consultas coletivas” e serem momentos dinâmicos, de reflexão, nos quais os usuários desenvolvem a sua criatividade, comunicação e democracia, de forma a possibilitar uma efetiva problematização de suas vivências e experiências10.

Um ponto específico e positivo apontado em relação ao PPAAS foi que outros profissionais, e não apenas nutricionistas, podem conduzir suas atividades. Isso é possível devido a metodologia proposta pelo Instrutivo7, que inclui o detalhamento de cada atividade educativa, atuando como um guia para o seu desenvolvimento. Essa abordagem permite que cada categoria profissional contribua com o seu conhecimento, agregando mais experiências e saberes à temática da alimentação8. No entanto, essa tarefa ainda não é fácil devido aos desafios de se desenvolver a prática interdisciplinar e definir as atribuições de cada profissional de saúde nas abordagens coletivas quando se trata de temas intersetoriais, mas ainda considerados como pertencentes a determinada categoria profissional. Nesse sentido, a metodologia do PPAAS possibilita o fortalecimento do trabalho em equipe interdisciplinar e a integração entre os profissionais do NASF-AP e da ESF11.

Apesar dos resultados convergentes, alguns pontos apresentaram divergências entre as abordagens da pesquisa avaliativa, sendo bem avaliados na pesquisa quantitativa, mas, apontados como dificultadores na pesquisa qualitativa. Um desses pontos foi o interesse e a participação de outros profissionais da equipe nas atividades do PPAAS, que obteve avaliação adequada no GI, porém foi apontado como fragilidade pelas entrevistadas. Há falta de envolvimento de outros profissionais de saúde, além do nutricionista, nas ações de EAN na APS31. A efetividade de grupos de EAN sofre influência direta da organização do serviço de saúde, da liderança e dos profissionais envolvidos, e do diálogo da equipe mediante o reconhecimento das necessidades afetivas, sociais e de saúde dos usuários31,33. Nesse sentido, aponta-se que nesse trabalho as equipes que tiveram maior envolvimento dos profissionais com o Programa foram aquelas nas quais as lideranças, reconhecidas na APS como os enfermeiros, atuaram ativamente na implantação do PPAAS.

Outra questão divergente que emergiu na abordagem qualitativa foi a longa duração do PPAAS. Algumas entrevistadas apontaram o alto número de atividades propostas e o longo tempo de duração (5 meses) como possíveis motivações a queda na adesão. No entanto, estudo realizado sobre as estratégias de EAN da APS, apontou que uma das principais fragilidades das ações era a curta duração, sendo que grande parte dos estudos realizados até então possuía duração menor ou igual a 5 meses, sem continuidade20. A PAAS é um processo que demanda tempo e exige manutenção e continuidade, constituindo um desafio para os profissionais de saúde11.

Como limitação desse estudo aponta-se a avaliação do Programa ter sido realizada em apenas dois municípios de Minas Gerais. No entanto, para realizar uma pesquisa avaliativa é necessário rigor científico. Ademais, por tratar de uma pesquisa de métodos mistos, que envolve maior complexidade, optou-se pela realização do estudo em municípios nos quais todas as etapas previstas no PPAAS haviam sido implementadas.

Por outro lado, um ponto forte desse estudo foi avaliar um Programa que trabalha a alimentação adequada e saudável a partir de uma perspectiva sistêmica, pautada na integração das múltiplas dimensões que envolve as práticas alimentares, incluindo seus significados social, afetivo, cultural, e relativos à sustentabilidade, uma vez que os alimentos são mais do que nutrientes34. Tal aspecto corrobora a perspectiva de que os contextos socioculturais, econômicos e políticos precisam ser considerados na formulação de programas de PAAS35. Outra importante fortaleza dessa pesquisa é a avaliação da implantação do Programa por meio da pesquisa de Métodos Mistos, o que possibilita um maior aprofundamento ao contemplar abordagens quantitativa e qualitativa. Por fim, ressalta-se que, a avaliação em saúde vem ganhando cada vez mais importância na APS, articulando-se inclusive com o financiamento, denotando a necessidade de mais pesquisas nesse campo.

Conclusão

Essa pesquisa avaliativa demonstrou que a implantação do PPAAS em municípios de Minas Gerais foi adequada, podendo ser estendida para os demais municípios brasileiros, conforme o interesse dos gestores e profissionais de saúde. Ademais, apontou questões, sobretudo relacionadas à estrutura, que podem ser aprimoradas de forma a contribuir para uma melhor implantação ainda do Programa. Dessa forma, espera-se que essa pesquisa contribua para o desenvolvimento e a disseminação de atividades coletivas de alimentação e nutrição mais efetivas e para a qualificação dos profissionais da APS brasileira, questões estas consideradas emergentes na atualidade.

Agradecimentos

À Universidade Federal de São João Del Rei, à Universidade Federal de Ouro Preto e à Universidade Federal de Minas Gerais.

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  • Financiamento
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (bolsa de produtividade em pesquisa de ACSL); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG (projeto) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (código 001).
  • Editores-chefes:
    Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Ago 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2022
  • Aceito
    17 Abr 2023
  • Publicado
    03 Maio 2023
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