Open-access Tendências de acesso e utilização dos serviços de saúde na APS entre idosos no Brasil nos anos 2008, 2013 e 2019

Resumo

O artigo tem por objetivo contribuir na identificação das condições e tendências de acesso e utilização dos serviços da atenção primária em saúde (APS) pelos idosos brasileiros nos anos de 2008, 2013 e 2019. Um estudo transversal em painéis com análise descritiva dos percentuais e intervalos de confiança das variáveis elencadas, no qual foram resgatados os dados relativos à população idosa investigada no Suplemento Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do ano 2008 e da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013 e 2019. Inicialmente identificou-se que, apesar da APS ter sido o principal serviço procurado mediante a necessidade de assistência, houve uma tendência de redução para esta procura em todas as regiões brasileiras, principalmente entre as mulheres idosas, na faixa etária de 60-69 anos e na população de raça/cor branca. Verificou-se um aumento de 15,2% no quantitativo de domicílios cadastrados na Unidade de Saúde da Família; 4,5% na procura por lugar, serviço ou profissional de saúde; e de 31,4% na população atendida. Os principais fatores de não atendimento foram não conseguir vaga/senha e não ter médico atendendo. E, dentre os investigados, verificou-se uma tendência de crescimento entre os que tinham o diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e multimorbidades.

Palavras-chave: Idoso; Acesso aos serviços de saúde; Atenção primária à saúde

Abstract

This paper aims to identify the conditions and trends in access and use of primary health care (PHC) services by Brazilian older adults in 2008, 2013, and 2019. We performed a cross-sectional panel study with a descriptive analysis of the percentages and confidence intervals of the variables listed, in which data on the elderly population investigated in the Health Supplement of the 2008 National Household Sample Survey (PNAD) and the 2013 and 2019 National Health Surveys (PNS) were obtained. We initially identified that, while PHC was the primary service sought for care needs, this demand tended to decline in all Brazilian regions, among older women, the 60-69 years age group, and whites. The number of households registered with the USF increased 15.2%; the search for a place, service, or health professional by 4.5%; and the population served by 31.4%. The main factors of non-attendance were not being able to get a vacancy/service ticket and doctor unavailability. A growing trend was observed among those diagnosed with Systemic Arterial Hypertension, Diabetes Mellitus, and multimorbidities among those investigated.

Key words: Aged; Health services accessibility; Primary health care

Introdução

O crescimento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no perfil epidemiológico da população brasileira e mundial constitui um dos maiores problemas globais de saúde, especialmente entre as pessoas idosas. Doenças como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e problemas osteoarticulares que, em mais da metade dos indivíduos idosos, se apresentam em situação de multimorbidades (ocorrência simultânea de ≥ 2 ou ≥ 3 doenças crônicas), provocam limitações e incapacidade para atividades laborais e da vida diária, afetam a qualidade de vida por um longo período e podem levar a mortalidade prematura1-4.

Na atenção à pessoa idosa, um modelo assistencial fragmentado com multiplicação de consultas especializadas e sem coordenação do cuidado, informação não compartilhada, aumento da polifarmácia, repetições de exames e outros procedimentos sobrecarrega o sistema de saúde, provoca iatrogenias e não atende adequadamente às necessidades em saúde dos usuários. Assim, o atual perfil epidemiológico brasileiro demanda um modelo que priorize as instâncias leves de cuidado, a Atenção Primária à Saúde (APS), com ações de promoção, considerando a educação e participação ativa dos sujeitos, a prevenção e retardamento de doenças e fragilidades, bem como a manutenção da independência e da autonomia, contribuindo para que a maior longevidade conquistada pelas gerações atuais possa ser desfrutada com qualidade de vida5,6.

A necessidade de fortalecimento e priorização da APS resgata sua relevância no SUS, ao ser definida como porta de entrada preferencial e centro de comunicação com a rede de atenção em saúde, e reforça sua importância na garantia da igualdade no acesso e estímulo à utilização dos serviços de saúde7.

O acesso constitui a entrada do usuário no serviço de saúde mediante necessidade constatada pelo indivíduo. Esse deve ter caráter universal e promover impactos substanciais na atenção em saúde, tais como a redução de iniquidades, fortalecimento do SUS, identificação e redirecionamento de ações, mediante as particularidades dos grupos populacionais, como os idosos; além de favorecer a adequada utilização dos serviços, a qual consiste no contato direto ou indireto com os serviços de saúde, através de consultas, hospitalizações, ações preventivas e exames diagnósticos8-11.

A realidade vigente demonstra que os fatores sociodemográficos têm íntima relação com o acesso e utilização dos serviços em saúde e, portanto, exige uma análise fidedigna da atenção à pessoa idosa, como as possíveis diferenças de gênero, raça, faixa etária e região de residência12,13. Nesse contexto, os dados provenientes do Suplemento Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) permitem uma análise aprofundada da casuística, considerando as mais diversas perspectivas, desde usuários que não tentaram a entrada no serviço até os que foram adequadamente atendidos.

Dessa forma, espera-se que o presente estudo possa contribuir na identificação das condições e tendências de acesso e utilização dos serviços de saúde da APS no Brasil pelos idosos nos anos de 2008, 2013 e 2019, ao identificar as similaridades e disparidades conforme as variáveis estudadas nos períodos em questão.

Metodologia

Trata-se de um estudo transversal em painéis, no qual realizou-se uma análise da série histórica dos indicadores de acesso e utilização dos serviços de saúde da APS a partir de dados do Suplemento Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do ano 2008 e da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) dos anos 2013 e 2019. Estes inquéritos domiciliares nacionais foram conduzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Saúde, sendo a PNS uma continuação dos suplementos da PNAD, com maior detalhamento e especificidade da metodologia para o tema da saúde14.

A PNAD e a PNS são estudos de base populacional, representativos para o país, grandes regiões, Unidades da Federação, capitais e regiões metropolitanas15. Para o presente estudo foram considerados os dados relativos à população idosa, a partir de 60 anos.

Os indicadores foram calculados a partir das perguntas em comum nos diferentes inquéritos (Quadro 1), as quais foram utilizadas nos questionários de modo a garantir a manutenção da comparabilidade dos dados na série histórica. Para analisar o acesso e utilização dos serviços de saúde na APS foram consideradas as variáveis que se referiam ao seguimento do tratamento pelo serviço/profissional, serviço de saúde que costuma procurar quando precisa, procura recente por serviço de saúde, tipo de serviço de saúde procurado, dificuldade de acesso ao serviço de saúde e motivo por não atendimento em última consulta, explicitadas no Quadro 1.

Quadro 1
Perguntas apresentadas nos diferentes inquéritos.

Os indicadores de morbidade foram baseados nas variáveis prevalência de diabetes mellitus; Prevalência de hipertensão arterial sistêmica e prevalência de multimorbidades (com a presença de 2 ou mais das seguintes patologias: doenças crônicas de coluna, artrite reumatóide, câncer, diabetes mellitus, asma/bronquite, hipertensão arterial sistêmica, doenças do coração, insuficiência renal crônica, colesterol alto). Enquanto a cobertura da APS baseou-se na variável cadastro na Unidade de Saúde da Família, conforme Quadro 1.

As pessoas idosas investigadas nos três inquéritos foram caracterizadas quanto ao sexo, faixa etária e cor/raça. A série histórica dos indicadores de perfil/necessidade de saúde e de acesso e utilização foi analisada por frequências e intervalos de confiança no nível nacional e das grandes regiões a partir das estimativas das amostras complexas. Posteriormente, foi realizado o teste de Wald com correção de Rao-Scott para encontrar diferenças entre as proporções das variáveis categóricas nas PNAD 2008, PNS 2013 e PNS 2019, por considerar o peso amostral e o efeito do desenho nos cálculos.

Resultados

O número de idosos entrevistados na PNAD 2008 foi de 26.350, enquanto da PNS 2013 e 2019 foram de 23.815 e 43.554, respectivamente. A Figura 1 apresenta a distribuição dos idosos que costumam procurar pela Atenção Primária em Saúde, a qual, apesar de permanecer como o principal serviço procurado, teve uma diminuição de 53,2% em 2008 para 46,2% em 2019. Por outro lado, os resultados apresentam um aumento da busca pelos serviços de pronto atendimento público ou privado, variando de 4,6% na PNAD 2008, para 14,4% na PNS 2013 e 14,6% na PNS 2019, enquanto os demais tipos de serviços de saúde tiveram números similares ao longo do período.

Figura 1
Distribuição dos idosos que costumam procurar pela Atenção Primária em Saúde no Brasil, 2019.

A Tabela 1 avalia o percentual de idosos que procuram a APS, estratificada por sexo, faixa etária, raça e região Nessa avaliação há uma diminuição em ambos os sexos, porém, no sexo feminino há uma redução de quase 8 pontos percentuais da PNAD 2008 para a PNS 2019. A queda da procura pela APS também é observada em relação à faixa etária, sendo mais evidente na faixa etária de 60 a 69 anos, que passa de 55,7% para 47,80% no período de 2008 para 2019, respectivamente.

Tabela 1
Percentual de idosos que procuram a APS, estratificado por sexo, faixa etária, cor/raça e região no Brasil, 2019.

A tendência da procura pela APS varia entre as categorias de cor/raça no período avaliado. Os idosos de cor/raça preta passaram a buscar menos a APS no período da PNAD 2008 para a PNS 2013, mas houve um aumento para a PNS 2019. Outro destaque é a maior queda entre os idosos que se autodeclararam de raça/cor branca, passando de 46,1% para 38,8%, conforme apresentado na Tabela 1. A procura do idoso pela APS também varia em relação à região de moradia, com uma redução em todas as regiões no período de 2008 a 2013, tendência esta que permaneceu em 2019 no Sudeste, enquanto nas demais regiões houve um discreto aumento (Tabela 1).

Apesar da redução na procura pelos serviços de APS, verificou-se que o percentual de domicílios cadastrados na Unidade de Saúde da Família (USF) aumentou consideravelmente, aproximadamente 12 pontos percentuais, da PNAD 2008 para a PNS 2013. Ao passo que entre 2008 e 2019 houve um aumento de 4,5% na procura recente por lugar, serviço ou profissional de saúde; e de aproximadamente 31 pontos percentuais entre os usuários atendidos (Tabela 2).

Tabela 2
Descrição temporal das variáveis relativas a morbidades, acesso e utilização de serviços de saúde na população idosa brasileira, 2019.

Os principais motivos de não atendimento pelo serviço de APS permaneceram praticamente os mesmos, não conseguir vaga/senha e não ter médico atendendo, de forma que esta última casuística apresentou uma tendência de redução de 18 pontos percentuais entre 2008 e 2019, conforme Tabela 2 As regiões brasileiras compartilham desta tendência, com destaque para os idosos do Nordeste em 2013 (34%) e Centro-Oeste em 2019 (58,9%) terem referido como motivação do não atendimento o fato de que esperou muito e desistiu de conseguir o acesso e utilização do serviço. Nas regiões Norte em 2008 e 2019 e Sudeste, em 2019, há, respectivamente, um relevante quantitativo de 34,3%; 25,7%; e 20,6% de idosos que referiram não ter serviço ou profissional especializado como fator determinante para a não realização do seu atendimento (Tabela 3).

Tabela 3
Descrição temporal das variáveis relativas às morbidades, acesso e utilização de serviços de saúde na população idosa brasileira, por região geográfica, 2019.

No tocante às morbidades verifica-se uma tendência de aumento nos casos de idosos atendidos pela APS que tem o diagnóstico de hipertensão arterial, diabetes mellitus e multimorbidades, com destaque para o crescimento de aproximadamente 12 pontos percentuais neste último, conforme verificado na Tabela 2. No âmbito regional, verifica-se na Tabela 3 diferenças significativas apenas nas regiões Nordeste e Centro-oeste para o diagnóstico de hipertensão, com um aumento de cinco e sete pontos percentuais, respectivamente. O número de idosos com Diabetes e multimorbidades apresentou uma tendência de aumento em todas as regiões brasileiras, com destaque para as multimorbidades na região Sul e Sudeste que apresentaram um crescimento de 10,2% e de 13, 1%, respectivamente.

Discussão

Os resultados encontrados demonstram que ao longo dos anos analisados verificou-se o aumento no acesso e utilização dos serviços de saúde da APS pelos idosos do Brasil, o que pôde ser observado em todas as regiões brasileiras, em ambos os sexos, em todas as faixas etárias, com destaque para as mulheres, os idosos na faixa etária de 60 a 69 anos, os que apresentam morbidades e os residentes na região Centro-Oeste.

Dentre tais resultados foram verificadas maiores disparidades entre a PNAD e as duas edições da PNS, o que pode estar relacionado a questões metodológicas, como o favorecimento de um efeito de plano de amostragem maior na PNAD devido ao maior quantitativo de domicílios incluídos na amostra. Destaca-se, ainda, que a PNS permitiu a desvinculação das informações de saúde da PNAD Contínua e sua inclusão no SIPD, além de possuir um desenho específico e exclusivamente direcionado para coleta de dados de saúde15,16. Dessa forma, a realização de um inquérito específico para a saúde provavelmente favoreceu uma maior precisão das estimativas nas PNS. Porém, é imprescindível considerar que, apesar das referidas disparidades, esta pesquisa foi elaborada para permitir o monitoramento da maior parte dos indicadores elencados na PNAD 200815.

O aumento no número de pessoas idosas ao longo dos inquéritos reflete a tendência demográfica atual de envelhecimento populacional, sendo projetada uma variação de 10,1% a 13,8 % na representação dos indivíduos de 60 anos ou mais na população brasileira entre os anos de 2008 e 201917. Tal fenômeno faz parte do processo de transição demográfica, que se iniciou no Brasil na década de 1940 com a queda da mortalidade pelos avanços nas condições de vida, impulsionados pela Revolução Industrial e urbanização, resultando no aumento da expectativa de vida; e seguiu com a queda da fecundidade a partir da década de 1960. Assim, estes fatores provocaram mudanças na estrutura etária da população e maior proporção de pessoas idosas, de modo que a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o período corrente de 1975 a 2025 como a Era do Envelhecimento18,19.

A despeito do aumento do nível de cobertura da APS em todas as regiões ao longo do mesmo período analisado, variando no Brasil de 64,32% em 2008 para 70,58% em 2013 e 74,76% em 2019, segundo dados do Ministério da Saúde20, foi, contraditoriamente, verificado no presente estudo um decréscimo na procura pela APS pelos idosos brasileiros. Sincronicamente a esta tendência, cresceu a busca pelas unidades de Urgência e Emergência, o que pode ser explicado pela ênfase da implantação das Unidades de Pronto Atendimento (UPA) a partir de 2009. A utilização dos estabelecimentos de saúde depende, em parte, da percepção de necessidade pelos indivíduos e, considerando que as UPA representam unidades intermediárias entre a atenção primária e as emergências hospitalares, infere-se que muitos usuários passaram a procurar diretamente as UPA para assistência às necessidades de urgência, mesmo que muitas destas possam ser atendidas pela APS21,22. Dessa forma ocorre o estabelecimento de uma atenção em saúde desvinculada da longitudinalidade do cuidado, promoção da saúde e prevenção de doenças e, por conseguinte, fragilização e redução da resolutividade da APS; além de uma sobrecarga e desvio de finalidade das UPAS, prejudicando o seu potencial de atuação assistencial.

Destaca-se que a APS não deve estar excluída deste processo de assistência no âmbito das UPA, mas sim articulada, de modo a garantir a longitudinalidade e coordenação do cuidado. Ademais, a rede de saúde deve estar atenta para que não se incentive o modelo curativista e hospitalocêntrico em detrimento das ações de promoção e prevenção em saúde, promovidas especialmente pela APS e fundamentais para o enfrentamento da maior carga de DCNT na contemporaneidade, aqui comprovada pelo aumento nas prevalências das morbidades diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e da ocorrência de multimorbidades23.

Este perfil de saúde da população idosa atual, assim como ocorre nos dados da população total, tem se alterado em função das já citadas mudanças na estrutura etária, características da transição demográfica, associadas a fatores econômicos, sociais, culturais e ambientais, promovendo o que Omran24 conceitua como transição epidemiológica. Esta é definida como uma redução da morbimortalidade por doenças infecciosas e crescimento da importância das DCNT, sendo fundamental considerarmos a presença de várias morbidades simultaneamente (multimorbidades) na atenção a esta demanda25.

O aumento da prevalência das DCNT no estudo, além de representar uma tendência, pode estar relacionada à maior oportunidade de diagnóstico das mesmas, fazendo-se fundamental o fortalecimento da APS para atendimento eficaz de toda a demanda existente26.

Observando-se outros tipos de serviço de saúde, os de âmbito privado, dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que a taxa de cobertura por planos privados de Saúde apresentou um crescimento entre os anos de 2008 (21,87 %) e 2013 (25,4% ), enquanto em 2019 se observa uma leve redução (24,2% )27,28. Infere-se que este cenário tenha contribuído para a observada redução, ao longo dos inquéritos, da busca pela APS pelas camadas mais favorecidas socioeconomicamente: pessoas da raça/cor branca e na região Sudeste.

Na análise das regiões, sabe-se que as desigualdades regionais são características presentes na realidade brasileira e refletem iniquidades na atenção à saúde. As regiões Norte e Nordeste costumam apresentar resultados mais desfavoráveis de indicadores de saúde, como pior avaliação do estado de saúde, maior restrição de atividades, e menor uso de serviços de saúde26. Este cenário se observa no resultado de menor procura pela APS na região Norte. No entanto, o mesmo achado no Sudeste contradiz a tendência de melhores indicadores. Esta situação do Sudeste pode ser explicada pela menor cobertura da APS entre as regiões brasileiras, calculada em 68,84% no mês de outubro de 2020 pelo Ministério da Saúde20, e com a maior cobertura de planos privados entre as pessoas idosas, 33,1% em 2015, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar30, quando comparado às demais regiões brasileiras.

A raça/cor constitui um importante eixo de desigualdade, sendo os indivíduos pretos, pardos e indígenas aqueles com indicadores mais desfavoráveis de escolaridade, trabalho, acesso a bens e serviços, incluindo os de saúde31. Os achados do presente estudo mostraram um resultado diferente: menor procura à APS pelas pessoas de raça/cor branca; o que se deve à metodologia utilizada, com recorte para este tipo de estabelecimento especificamente.

A APS constitui um serviço predominantemente público, sendo identificado que 99,2% destes pertenciam ao SUS em 20178. Portanto, temos que a população de raça/cor preta ou parda é mais dependente do SUS, enquanto que uma relevante parcela das pessoas de raça/cor branca possuem um plano de saúde privado, a qual correspondeu a 53,1% das pessoas idosas brancas, de acordo com Silva et al.32 no Estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento realizado na cidade de São Paulo/SP. Tal dado reflete a realidade das iniquidades em saúde determinadas pela raça, a qual está incluída no conceito de determinantes sociais de saúde como um fator estrutural da hierarquização social, interferindo nos desfechos de saúde, doença e morte33.

O considerável aumento no número de domicílios cadastrados na USF, favorece os achados deste estudo ao identificar que a população idosa investigada, quando abordada sobre a busca recente por serviços de saúde, procurou mais por atendimento em saúde ao longo do período e teve um vultoso êxito em consegui-lo no ano de 2019. Esta variável apresentou uma evolução inversamente proporcional à ausência de médico como justificativa nos casos que não conseguiram atendimento, com o surgimento de números mais desfavoráveis de 2008 a 2013, porém com um relevante quadro positivo em 2019. Portanto, além da expansão da APS em si, infere-se que a maior disponibilidade de profissionais médicos contribui para o resultado dos usuários lograrem atendimento, podendo estas conquistas serem explicadas pela criação e implantação do Programa mais médicos, o qual tem por objetivo diminuir as desigualdades regionais decorrentes da carência desses profissionais e fortalecer a atenção primária como eixo coordenador da atenção à saúde34.

Ainda assim, a falta de médicos representa a maior barreira para o atendimento na população idosa, havendo insuficiência de profissionais para a atenção a toda demanda existente. Esta realidade agrava a dificuldade de acesso ao serviço, visto que foi constatado que a dificuldade em conseguir vaga ou senha, possivelmente devido ao reduzido quantitativo de profissionais aptos para suprir a demanda existente, foi o segundo motivo mais frequente de não atendimento nos anos de 2008, 2013 e 2019, com considerável aumento na região Nordeste, em detrimento do verificado nas demais regiões. Ressalta-se que o direcionamento de atendimentos pela distribuição de senhas pode gerar um impacto negativo na concretização do acesso e utilização de serviços de saúde, pois, conforme ressaltam Nunes et al.22, esse modelo estimula a cultura de formação de extensas filas, anteriormente ao início do horário de atendimento nas UBS, no intuito de garantir a assistência em saúde e concretização da utilização do serviço de saúde.

Considerando que se trata de um estudo transversal em painéis, elencamos como limitações: suscetibilidade ao viés de sobrevivência; além de, ambas as pesquisas, o Suplemento Saúde da PNAD 2008 e PNS desconsiderarem a população residente em instituições coletivas, em embaixadas, consulados e, também, as pessoas institucionalizadas residentes em domicílios coletivos de estabelecimentos institucionais, tais como: os militares em caserna ou dependências de instalações militares; os presos em penitenciárias; os internos em escolas, orfanatos, asilos, hospitais, os religiosos em conventos, mosteiros. Porém, este estudo caracteriza-se por ser de abrangência nacional, o que permite identificar as condições e tendências de acesso e utilização aos serviços de saúde na APS pela população idosa brasileira.

Considerações finais

A transição epidemiológica vigente no Brasil pôde ser ratificada com a identificação de uma tendência de crescimento nas prevalências das morbidades hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e da ocorrência de multimorbidade entre os dados da PNAD 2008 e PNS 2019, reafirmando a necessidade de acompanhamento e mobilização para o alcance das metas pactuadas no Plano de enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis 2011-2022.

A APS é considerada como um dos mecanismos essenciais para o enfrentamento da DCNT, de maneira que a constatação de ampliação no cadastro das USF, associada a maior procura e atendimento neste nível de atenção reforça a relevância da consolidação da APS para que seja possível qualificação na atenção à saúde aos idosos brasileiros, em prol de uma população idosa mais saudável.

Em consonância com esta considerável expansão da APS no presente estudo, ao identificar o aumento no acesso e utilização dos serviços de saúde da APS em todas as regiões brasileiras, é possível elencar o relevante papel das diversas políticas que fomentam o cuidado em saúde aos idosos, favorecendo impactos positivos na garantia ao acesso e utilização dos serviços de saúde, assim como no acompanhamento desses idosos em quaisquer regiões do país, conforme identificados nesta pesquisa.

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Editado por

  • Editores-chefes:
    Maria Cecília de Souza Minayo, Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Set 2021

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2021
  • Aceito
    07 Maio 2021
  • Publicado
    09 Maio 2021
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