Open-access Perspectivas para adolescentes e jovens em um mundo em convulsão

O planeta vive um momento crítico com guerras, profunda desigualdade social e econômica, ascensão da extrema direita mundial, questionamentos sobre os regimes democráticos, recuperando-se de uma pandemia que contribuiu para propagar graves ataques à ciência. Vemos o desenrolar de uma modernidade com esgarçamento das relações sociais, institucionais, de laços comunitários, precariedade do mercado de trabalho e desenvolvimento veloz de um novo mundo digital1. Nesse contexto, constata-se a existência de 8.045 bilhões de pessoas, das quais, 24% adolescentes e jovens entre 10-24 anos. No Brasil, há 22% da população nessa faixa etária e nos países com menor desenvolvimento econômico, 31%2.

Adolescentes e jovens têm, em sua essência, o potencial de se criar e se transformar a cada instante do desenvolvimento, semeando com energia e esperança o meio em que vivem. Todavia há várias adolescências e juventudes, assim como diferentes experiências, sonhos, dificuldades, limitações e possibilidades dependendo do nível de escolaridade, do lugar social e econômico e do pertencimento a grupos hegemônicos ou minoritários, estigmatizados por gênero, cor/raça, dentre outras características em que as fragilidades são interseccionais. Para um grupo significativo de adolescentes e jovens brasileiros há privação de muitos direitos, de educação de qualidade, de trabalho, de mobilidade, de cultura, lazer e segurança pública.

A elevada variabilidade de questões que atingem a adolescência e juventude tem preocupado a comunidade científica e está refletida nos artigos deste número temático, que inclui imagem corporal e sua influência na saúde física e mental, cuidados com a saúde, abuso digital, violência de gênero, bullying, baixa qualidade de vida na escola, alta prevalência de policonsumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas e invisibilidade dessa faixa etária no processo de formulação da política de saúde mental. Também se destaca, com agudeza, a iniquidade social brasileira que repercute na saúde, como por exemplo na desigualdade no crescimento - altura, peso e índice de massa corporal - em relação a padrões mundiais, entre as regiões brasileiras incluindo os povos indígenas; os desiguais clusters espaço-temporais de alto risco da mortalidade infantojuvenil em Mato Grosso (MT); e a desigual distribuição da mortalidade por COVID, atingindo especialmente crianças e adolescentes no Norte e Nordeste do país e em áreas distantes das capitais.

Temas inovadores abrem caminhos para novos tempos na prevenção e atenção de doenças e agravos à saúde, como a investigação de biomarcadores que possam orientar tratamentos específicos para doenças como câncer, para atributos individuais como resiliência ou para atenção aos traumas e violências. Um exemplo dos malefícios da segregação é apontado num estudo sobre manifestações de racismo estrutural nos Estados Unidos em escolares de 9 aos 15 anos; os negros que frequentavam escolas primárias segregadas e altamente desfavorecidas experimentaram aumentos na velocidade do envelhecimento epigenético; nos negros em escolas integradas e moderadamente desfavorecidas observou-se retardo no envelhecimento epigenético; os contextos escolares não foram associados a mudanças na aceleração epigenética da idade de jovens brancos, que frequentavam escolas integradas/desiguais ou predominantemente brancas/favorecidas3.

A constatação de que há diversas adolescências e juventudes precisa orientar o desenvolvimento de ações preventivas, do cuidado, da atenção e do tratamento e das pesquisas. É necessário cobrir novos e velhos temas, especialmente frente ao recrudescimento do conservadorismo e da autocracia de muitos governos atuais que afastam os ventos de liberdade que circularam nos últimos anos do século XX.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Maio 2024
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