Open-access Resultados iniciais de mundo real do XEN® 45 Gel Stent na população brasileira

Real-world initial results of the XEN® 45 Gel Stent in the Brazilian population

RESUMO

Objetivo  Avaliar os resultados preliminares em médio prazo (até 6 meses) do uso isolado ou em combinação com a cirurgia de catarata do dispositivo XEN® Gel Stent na população brasileira.

Métodos  Realizou-se um estudo longitudinal retrospectivo de olhos portadores de glaucoma primário de ângulo aberto consecutivamente submetidos à cirurgia de implante de XEN® Gel Stent isolada (Grupo XEN®) ou em combinação com a cirurgia de catarata (Grupo Faco-XEN®) no mesmo centro entre abril e dezembro de 2023. Analisou-se a capacidade de redução da pressão intraocular e da quantidade de medicamentos hipotensores oculares, além das intercorrências intra e pós-operatórias. O critério de sucesso foi pressão intraocular < 18 mmHg e pelo menos 20% de redução da pressão intraocular pré-operatória (sucesso absoluto: sem medicação; sucesso relativo: com ou sem medicação). Avaliou-se ainda a duração do procedimento cirúrgico ao longo da curva de aprendizado.

Resultados  Foram incluídos 37 olhos no estudo (15 no Grupo Faco-XEN® e 22 no Grupo XEN®). A pressão intraocular média reduziu de 19,35 mmHg, no pré-operatório, para 13,05 mmHg, ao fim do acompanhamento (p < 0,001). Já a quantidade de medicamentos caiu de 2,95 para 0,22 por olho, no mesmo período (p < 0,001). A maioria dos pacientes (83%) chegou ao fim do acompanhamento livres de colírios. Não houve diferenças entre os dois grupos em relação à capacidade de redução pressórica e dos colírios. A taxa de sucesso absoluto foi de 81,2 e 86,7% nos Grupos XEN® e Faco-XEN®, respectivamente (p = 0,532). Seis olhos apresentaram falência da bolha e necessitaram de reintervenção cirúrgica. Houve uma redução significativa do tempo de cirurgia ao longo do acompanhamento.

Conclusão  O dispositivo XEN® Gel Stent foi efetivo, tanto em cirurgia isolada quando combinada, em reduzir a pressão intraocular e a quantidade de medicamentos, com elevado perfil de segurança na população brasileira.

Glaucoma de ângulo aberto; Medicamentos

ABSTRACT

Objective  To evaluate the preliminary medium-term results (up to 6 months) of the stand-alone use of XEN® Gel Stent implantation or in combination with cataract surgery in the Brazilian population.

Methods  A retrospective longitudinal study was carried out on eyes with primary open-angle glaucoma consecutively submitted to XEN® Gel Stent implantation surgery alone (XEN® Group) or in combination with cataract surgery (Phaco-XEN® Group) in the same center between April and December 2023. The ability to reduce intraocular pressure and the amount of ocular hypotensive medications were analyzed, in addition to intra- and postoperative complications. The success criterion was intraocular pressure < 18 mmHg and at least 20% reduction from the preoperative intraocular pressure (absolute success: without medication; relative success: with or without medication). The duration of the surgical procedure was also evaluated throughout the learning curve.

Results  Thirty-seven eyes were included in the study (15 in the Phaco-XEN® group and 22 in the XEN® group). The mean intraocular pressure was reduced from 19.35 mmHg preoperatively to 13.05 mmHg at the end of the follow-up (p < 0,001). The amount of medication decreased from 2.95 to 0.22 per eye in the same period (p < 0,001). Of the patients, 83% reached the end of follow-up without no need for eye drops. There were no differences between the two groups in terms of intraocular pressure reduction capacity and eye drops. The absolute success rate was 81.2 and 86.7% in the XEN® and Phaco-XEN® Groups, respectively (p = 0.532). Six eyes presented bleb failure and required surgical reintervention. There was a significant reduction in surgery time throughout follow-up.

Conclusion  The XEN® gel stent implantation was effective, both in stand-alone and in combined surgery, in reducing intraocular pressure and the medication burden, with a high safety profile in the Brazilian population.

Glaucoma, open-angle; Medications

INTRODUÇÃO

O tratamento do glaucoma de ângulo aberto (GAA) consiste na redução da pressão intraocular (PIO) por meio do uso de colírios, da aplicação de laser ou da realização de cirurgias. ( 1 - 3 ) Nos casos em que os colírios ou o laser são insuficientes para o controle da doença ou são pouco tolerados pelos pacientes, as cirurgias antiglaucomatosas são indicadas. ( 2 )

Recentemente, houve importante aumento da quantidade de opções de técnicas cirúrgicas para o GAA. ( 4 - 6 ) Entre as novas opções terapêuticas cirúrgicas, destacam-se as cirurgias microinvasivas do glaucoma (MIGS, do inglês microinvasive glaucoma surgery ). As MIGS correspondem a um grupo grande de técnicas, as quais possuem algumas características em comum: abordagem ab interno , mínimo trauma cirúrgico, rápida recuperação pós-operatória e elevada segurança, com mínimo de complicações. ( 5 , 6 )

As MIGS podem ser subdivididas em três grupos, de acordo com seu mecanismo de ação: aquelas que visam reabilitar a drenagem convencional do humor aquoso, como os implantes trabeculares e as técnicas de goniotomia; aquelas que drenam o humor aquoso para a via supracoroidiana; e as que drenam o humor aquoso para o espaço subconjuntival, como o XEN® 45 Gel Stent (Abbvie Inc. Chicago, Illinois, Estados Unidos). ( 7 ) As indicações variam para cada grupo de MIGS. Enquanto os dois primeiros grupos têm uma maior tendência para serem usados nos glaucomas mais iniciais, como terapia substitutiva dos colírios; o terceiro grupo é indicado para os casos em que os colírios já não são suficientes para o controle do glaucoma, sendo uma alternativa direta à técnica clássica de cirurgia antiglaucomatosa, a trabeculectomia. ( 7 )

O implante do XEN® 45 Gel Stent consiste em um dispositivo, o qual visa estabelecer uma comunicação direta entre a câmara anterior e o espaço subconjuntival. A técnica cirúrgica usa habitualmente uma abordagem ab interna , sem a necessidade de abertura conjuntival e nem de suturas. ( 8 , 9 ) Esse implante já é de uso corrente nos principais países da Europa, da Ásia e da América do Norte há aproximadamente uma década, contudo, só foi disponibilizado para o mercado brasileiro no começo de 2023.

A experiência clínica e a literatura científica global demonstram reduções significativas da PIO e da necessidade de colírios hipotensores oculares com uso do XEN® 45 Gel Stent, enquanto é elevado o perfil de segurança. ( 9 - 12 ) Não há publicações do uso do XEN® 45 Gel Stent na população brasileira.

O objetivo do presente estudo é avaliar os resultados preliminares em médio prazo (até 6 meses) do uso isolado ou em combinação com a cirurgia de catarata do dispositivo XEN® Gel Stent na população brasileira.

MÉTODOS

Trata-se de estudo longitudinal retrospectivo de mundo real de uma série de casos submetidos à cirurgia antiglaucomatosa com implante de XEN® 45 Gel Stent em associação ou não com a cirurgia de catarata.

Os critérios de inclusão foram: pacientes maiores de 18 anos; portadores de GAA sem controle clínico (progressão estrutural e/ou funcional da doença a despeito do tratamento clínico, associada ou não à PIO medicada acima da PIO-alvo estabelecida pelo médico assistente); portadores de catarata ou não; operados entre abril 2023 e dezembro 2023; com, no mínimo, 3 meses de acompanhamento pós-operatório e realizados pelo mesmo cirurgião.

Os pacientes elegíveis tiveram seus prontuários eletrônicos examinados de maneira sistematizada e sigilosa pelos pesquisadores, buscando-se as variáveis de interesse para o presente estudo. O nome dos pacientes foi omitido e substituído pelo número do prontuário. Além dos dados sociodemográficos (idade, sexo, raça, lateralidade [olho direito ou esquerdo]) da população de estudo, as variáveis clínicas coletadas foram as seguintes: tipo do glaucoma; estágio do glaucoma, de acordo com índice Medium Deviation (MD) da perimetria computadorizada (estágio leve: MD melhor ou igual a -6,00 dB; estágio moderado: MD entre -6,01 e -12,00 dB; estágio avançado: MD pior ou igual a -12,01 dB); quantidade, tipo e duração de uso prévio de medicamentos antiglaucomatosos (tópicos e sistêmicos); status cristaliniano (cristalino claro, catarata, pseudofacia); histórico de cirurgias oculares prévias; histórico de trabeculoplastia com laser (seletivo ou não); acuidade visual corrigida no pré-operatório e no fim do acompanhamento; PIO no pré-operatório e a cada visita pós-operatória; intercorrências intraoperatórias; intercorrências, reintervenções e complicações durante o período pós-operatório; técnica cirúrgica utilizada ( ab interno , ab externo , conjuntiva aberta, conjuntiva fechada, agulhamento intraoperatório, combinada ou não com a cirurgia de catarata, uso intraoperatório de mitomicina C); duração (em minutos e segundos) do procedimento cirúrgico.

A avaliação durante o acompanhamento pós-operatório seguiu tempos predeterminados, conforme a seguir: D1 (primeiro dia de pós-operatório); D15 (15 ± 2 dias de pós-operatório); D30 (30 ± 7 dias de pós-operatório); D90 (90 ± 15 dias de pós-operatório); D180 (180 ± 30 dias de pós-operatório).

Todos os procedimentos cirúrgicos realizados pela equipe cirúrgica são habitualmente gravados, fazendo parte integrante do prontuário médico eletrônico dos pacientes. Os pesquisadores, então, revisaram também todas as cirurgias de implante do XEN® 45 Gel Stent realizadas no período de estudo, buscando as informações sobre intercorrências e duração do procedimento cirúrgico.

Na intenção de avaliar indiretamente a curva de aprendizado do procedimento, com relação à duração da cirurgia, classificou-se o olho operado de acordo com a ordem cronológica de 1 até o último a ser operado e avaliou-se o tempo cirúrgico de acordo com a posição ocupada pelo olho, dividindo-se em três categorias (casos 1 ao 10; casos 11 ao 20; casos 20 em diante).

O critério de sucesso foi definido como PIO < 18 mmHg e redução de pelo menos 20% da PIO pré-operatória, sem a necessidade de medicação hipotensora (sucesso absoluto) ou PIO < 18 mmHg e redução de pelo menos 20% da PIO pré-operatória, com ou sem medicação hipotensora (sucesso relativo).

Realizou-se uma análise estatística de toda a população de estudo, além de uma avaliação comparativa dos olhos submetidos à cirurgia isolada de XEN® 45 Gel Stent versus a cirurgia combinada com a cirurgia de catarata (Grupo XEN® versus Grupo Faco-XEN®).

Os dados foram coletados e analisados usando-se o software IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21 (IBM Inc., Estados Unidos). Realizou-se uma avaliação descritiva das variáveis contínuas (medidas de tendência central e de dispersão) e categóricas (frequência absoluta e relativa). As comparações entre os Grupos XEN® I Faco-XEN® foram feitas pelo teste t de Student para variáveis contínuas com distribuição normal ou teste de Mann-Whitney para variáveis contínuas com distribuição não normal. As análises comparativas pré versus pós-operatórias foram realizadas usando-se o teste de Wilcoxon para amostras pareadas. Já as variáveis categóricas foram comparadas pelo teste do qui-quadrado. A significância estatística determinada foi de 95%.

Este projeto de pesquisa recebeu aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, aprovação CAAE numero 21327319.5.0000.5139.

RESULTADOS

Destes, 15 (40,5%) foram submetidos à cirurgia combinada com a cirurgia de catarata (Grupo Faco-XEN®) e 22 (59,5%) à cirurgia isolada (Grupo XEN®).

A população de estudo foi totalmente composta de portadores de glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA), a qual possuía idade média (± desvio-padrão [DP]) de 66,51 ± 11,01 anos. O índice MD médio ± DP foi de -11,10 ± 7,78 dB. A maioria dos olhos (67,5%) se encontrava em estágio moderado a avançado (27,0% e 40,5%, respectivamente). Os casos de glaucoma inicial eram 32,4% da população.

Já a PIO e a quantidade de medicamentos média ± DP por olho era 19,35 ± 5,79 mmHg e 2,95 ± 0,52, respectivamente. A maioria (62,2%) era da raça branca e os demais eram negros (5,4%), pardos ou mistos (32,4%). Entre os pacientes, 59,5% eram do sexo masculino. A distribuição dos olhos, segundo a lateralidade, foi de aproximadamente 60% (22/37) de olhos esquerdos e de 40% (15/37) de olhos direitos. Nenhum olho havia sido submetido à trabeculoplastia prévia.

Com relação à técnica cirúrgica, todos os olhos foram abordados pela via ab interno com conjuntiva fechada e uso de agulhamento primário intraoperatório, associado à aplicação intraoperatória subconjuntival de solução de 0,1 mL de lidocaína 2% com vasoconstritor e 0,1 mL de mitomicina C (0,4 mg/mL).

Dos 22 olhos submetidos à cirurgia isolada, 14 (63,6%) tinham sido submetidos à cirurgia de catarata prévia e eram pseudofácicos. Os oito olhos restantes possuíam cristalino claro. A tabela 1 mostra os dados clínicos e demográficos e sua comparação de acordo com cada grupo de estudo (Grupo XEN® versus Faco-XEN®).

Tabela 1
Características clínicas e demográficas da população de estudo

Todo o grupo apresentou redução significativa da PIO. A PIO média ± DP foi reduzida em 32,56% entre o pré-operatório (19,35 ± 5,79 mmHg) e o fim do acompanhamento (13,05 ± 1,99 mmHg) (p<0,001). A evolução da PIO para todo a população de estudo, bem como para cada grupo separadamente, está demonstrada nas figuras 1 e 2. A análise comparativa da evolução da PIO ao longo do acompanhamento pós-operatório em cada grupo estudado é apresentada na tabela 2 .

Figura 1
Evolução da pressão intraocular (mmHg) ao longo do acompanhamento.

PIO: pressão intraocular; EP: erro-padrão.


Figura 2
Evolução da pressão intraocular (mmHg) nos grupos XEN® e Faco-XEN® ao longo do acompanhamento.

EP: erro-padrão.


Tabela 2
Evolução comparativa da pressão intraocular ao longo do acompanhamento no Grupo Faco-XEN® versus o Grupo XEN®

Considerando toda a população de estudo, a quantidade média ± DP de medicamentos hipotensores oculares por olho caiu de 2,95 ± 0,52 no pré-operatório para 0,22 ± 0,53 na última avaliação (p < 0,001). A figura 3 mostra a comparação da média de medicamentos antes da cirurgia e no fim do acompanhamento de acordo com o grupo de estudo. No pré-operatório, a quantidade de medicamentos por olho foi de 2 medicamentos por olho em 16,2%; 3 em 73,0% e 4 em 10,8% dos casos. Já no fim do acompanhamento, 83,8% encontravam-se sem necessidade de medicamentos hipotensores, enquanto 10,8% e 5,4% necessitaram, respectivamente, de um ou dois medicamentos.

Figura 3
Número médio de medicamentos por olho no pré-operatório e no fim do acompanhamento, de acordo com o Grupo XEN® versus Faco-XEN®.

A taxa de sucesso absoluto foi de 83,8% para toda a população, 86,7% para o Grupo Faco-XEN® e 81,8% para o Grupo XEN® (p = 0,532). Todos os olhos atingiram a taxa de sucesso relativo, tendo alcançado esse resultado com uma quantidade menor de medicamentos em relação ao pré-operatório.

As variáveis raça, tempo de uso de colírios previamente à cirurgia, cirurgia combinada ou isolada, estágio do glaucoma, lateralidade ou intercorrências intraoperatórias não tiveram influência na taxa de sucesso absoluto (todos os cruzamentos com p > 0,1).

A maioria dos olhos não apresentou quaisquer intercorrências intraoperatórias (35/37). Houve um caso em que foi realizado o resgate do implante na câmara anterior e, posterior, foi feito reimplante no mesmo tempo cirúrgico. Nesse caso, durante a liberação do implante, um movimento inadvertido do injetor provocou a liberação do implante dentro da câmara anterior. O cirurgião o resgatou utilizando uma pinça de microincisão, através de visualização gonioscópica, reposicionou-o no injetor e prosseguiu com o implante, conforme planejado. A segunda intercorrência intraoperatória presente foi a necessidade de abertura conjuntival, devido à perfuração da conjuntiva pelo próprio implante. O cirurgião, ao detectar a perfuração, prosseguiu com a dissecção conjuntivo-tenoniana e o recobrimento do implante, o qual estava corretamente posicionado, além de posterior sutura no limbo com fio absorvível 8.0.

A única complicação observada no período pós-operatório foi a falência da bolha de filtração, presente em 16,2% (6/37) dos casos. Essa complicação gerou reintervenções. O agulhamento pós-operatório foi realizado em cinco dos seis casos de falência, sem resultado para controlar o processo de fibrose episcleral. Todos os seis casos de falência foram reabordados cirurgicamente por meio de uma revisão aberta da cirurgia. Nessa técnica, o cirurgião realizou a dissecção do retalho conjuntivo-tenoniano, liberando toda a fibrose ao redor da extremidade externa do dispositivo e aplicando posteriormente mitomicina C na dose de 0,4 mg/mL. Verificada a patência do implante, foi realizada a sutura do retalho no limbo.

Os olhos em que foi necessária a revisão aberta da cirurgia obtiveram uma taxa de sucesso semelhante (83,3%) à daqueles que não necessitaram dessa revisão (83,9%) (p = 0,683).

A duração do procedimento cirúrgico para implante do XEN® variou de acordo com a experiência do cirurgião ( Figura 4 ). O tempo médio nos primeiros dez casos da curva de aprendizado foi de 17 minutos e 6 segundos. Já para os próximos dez casos (do 11 ao 20), o tempo médio foi de 11 minutos e 28 segundos. A média de duração para o grupo de casos final (do 21 ao 37) foi de 11 minutos e 35 segundos. Houve diferença estatística entre os dez primeiros casos e os outros dois grupos (p < 0,005 para ambas as comparações).

Figura 4
Duração média (minutos) do procedimento de implante do XEN® Gel Stent.

DISCUSSÃO

Nesta análise preliminar dos primeiros casos submetidos à cirurgia microinvasiva do glaucoma com implante do dispositivo XEN® 45 Gel Stent no Brasil, houve redução significativa, tanto clinicamente, quanto estatisticamente, da PIO e da necessidade de medicação hipotensora, com elevado perfil de segurança.

Com relação à PIO, houve redução média de mais de 30% a partir da PIO medicada no período pré-operatório. A redução em números absolutos entre o pré-operatório e o período de 6 meses após a cirurgia foi de 6,3 mmHg. Apesar do número reduzido de olhos e, também, pelo fato de esta série ter sido constituída pelos primeiros olhos submetidos ao procedimento pelo cirurgião, o resultado encontrado é bastante similar ao encontrado por análise conjunta de um grupo de estudos, realizado por Panarelli et al., em metanálise recente. ( 9 ) Eles encontraram uma redução média absoluta da PIO de 6,6 mmHg para o mesmo tempo de acompanhamento pós-operatório. ( 9 ) Isso demonstra que, mesmo no início da curva de aprendizado, é possível alcançar resultados semelhantes ao encontrados na literatura.

Durante todo o período de acompanhamento, a redução da PIO foi altamente significativa (p < 0,01), tanto no Grupo XEN® quando no Faco-XEN®. Quando se compara o resultado entre os procedimentos isolados ou em combinação com a cirurgia de catarata, não houve diferença significativa da capacidade de redução da PIO. A literatura sobre este assunto apresenta resultados conflitantes, com alguns autores mostrando resultados superiores na cirurgia isolada, enquanto outros não encontraram diferenças entre os grupos. ( 9 ) Na análise agregada de casos, realizada por Panarelli et al., não houve diferenças significativas entre os grupos, em sintonia com os nossos resultados. ( 9 )

A capacidade de redução pressórica foi responsável pelas altas taxas de sucesso observadas na presente análise. Observou-se que a maioria dos olhos (mais de 80% em ambos os grupos) chegou ao fim do acompanhamento (6 meses) com PIO abaixo de 18 mmHg, sem a necessidade de medicação hipotensora (sucesso absoluto). Todos os olhos presentes nessa série de casos alcançaram PIO < 18 mmHg com a permissão do uso de colírios hipotensores (sucesso relativo).

A literatura mostra taxas elevadas de sucesso absoluto aos 12 meses para uma PIO < 18 mmHg com pelo menos 20% de redução da PIO pré-operatória, porém inferiores à observada neste estudo. Em um ensaio clínico randomizado comparando com a trabeculectomia, encontrou-se taxa de 83% no primeiro mês, chegando a aproximadamente 70% dos 3 aos 12 meses de acompanhamento. ( 13 ) Diversos outros estudos mostraram taxas de sucesso absoluto em torno dos 70% aos 12 meses de acompanhamento. ( 14 - 19 )

Alguns fatores podem ter contribuído pelas elevadas taxas de sucesso presentes no nosso estudo, mesmo no início da curva de aprendizado do cirurgião: horizonte limitado do acompanhamento (6 meses); baixo número de olhos (37); cirurgião experiente (mais de 20 anos de experiência) e com alto volume de cirurgia de glaucoma; uso de uma variante pessoal da técnica (uso de mitomicina C e agulhamento primário intraoperatório); perfil, seleção e preparo dos pacientes. Os olhos submetidos ao implante de XEN® 45 Gel Stent neste estudo eram livres de cirurgias conjuntivais prévias e foram todos submetidos a preparo conjuntival prévio à cirurgia com uso de colírio lubrificante (à base de hialuronato de sódio 0,15%) e de colírio de corticoesteroide, ambos quatro vezes por dia, por, no mínimo, 10 dias antes da cirurgia. Esses fatores são sabidamente efetivos em melhorar os resultados das cirurgias com filtração subconjuntival. ( 20 )

De maneira similar ao efeito pressórico, os achados deste estudo confirmaram a capacidade do XEN® 45 Gel Stent em reduzir a necessidade de medicações para glaucoma. De uma média de aproximadamente três medicamentos por olho no pré-operatório, chegou-se a uma média de 0,2 medicamento por olho aos 6 meses, com mais de 80% dos olhos livres da necessidade de colírios. Mesmo nos olhos que ainda terminaram o acompanhamento com o uso de algum colírio, essa quantidade foi menor, quando comparada com o pré-operatório. O benefício da redução do número de medicamentos vai além do econômico, o qual já é bastante significativo no glaucoma. Ao diminuir o uso de colírios, há uma melhora esperada na qualidade de vida e no controle da doença, ao diminuir ou eliminar o efeito da baixa aderência e da baixa persistência ao tratamento clínico. Diversos estudos na literatura mostraram achados semelhantes ao nosso na capacidade de redução de medicamentos. ( 9 , 11 , 21 , 22 )

O grande diferencial das novas modalidades de cirurgias microinvasivas do glaucoma é o elevado perfil de segurança, com baixo nível de complicações intra e pós-operatórias. O presente estudo confirma a alta segurança do procedimento. Somente dois olhos tiveram intercorrências intraoperatórias, as quais foram solucionadas de maneira adequada e não interferiram no resultado.

A complicação pós-operatória mais frequente e esperada de qualquer procedimento dependente de uma bolsa filtrante é a falência dessa bolsa por fibrose episcleral. De maneira similar, o implante do XEN® apresenta esse risco. A despeito do uso de mitomicina C no intraoperatório e do preparo pré-operatório dos olhos, conforme descrito, essa complicação esteve presente em 6 dos 37 olhos. Em cinco dos olhos, tentou-se um novo agulhamento com nova aplicação de mitomicina C, porém nenhum dos olhos evoluiu com bom controle, diferentemente de alguns estudos na literatura. ( 23 ) Talvez a falta de experiência do cirurgião no agulhamento pós-XEN® 45 Gel Stent possa ter sido um fator limitante do sucesso. Em todos os 6 olhos, decidiu-se por realizar uma revisão aberta do procedimento, a qual reativou a drenagem do dispositivo. Todos os olhos submetidos a essa revisão não voltaram a apresentar falência e alcançaram o controle pressórico (PIO < 18 mmHg) ao fim do acompanhamento. Quando se compara a taxa de sucesso final entre os olhos sem falência com aqueles que tiveram a revisão aberta da cirurgia, não se observa diferença, demonstrando que a revisão aberta é uma opção viável, segura e efetiva na recuperação do funcionamento do XEN® 45 Gel Stent.

A curva de aprendizado é um fator limitante para adoção de novas técnicas cirúrgicas por parte dos cirurgiões. Neste sentido, realizou-se uma análise dos casos, separando-os em grupos na ordem cronológica em foram realizados. Não houve diferença nas taxas de sucesso entre os grupos e nem nas capacidades de redução da PIO ou da quantidade de medicamentos. No entanto, houve diferença significativa na duração do procedimento. Os dez primeiros casos tiveram média maior de duração em relação aos demais. Quando se comparam os casos 11 ao 20 e os casos 21 ao 37, não há diferenças entre os tempos. Isso demonstra que, após os primeiros dez casos, um cirurgião experiente já alcança maior familiaridade com o procedimento, realizando-o em um menor tempo. Um procedimento mais rápido tem o potencial de melhorar a qualidade de vida dos pacientes e da equipe cirúrgica, além de aumentar a produtividade do centro cirúrgico e do cirurgião.

Este estudo apresenta limitações. O reduzido número de olhos e o acompanhamento curto, limitado a 6 meses, podem influenciar os resultados. Sabe-se que o glaucoma é uma doença crônica e resultados a longo prazo são necessários e importantes para confirmar a real utilidade do dispositivo. A população deste estudo era composta de portadores de GPAA, devendo-se ter cautela na extrapolação para outros tipos de glaucoma. Apesar disso, os resultados apresentados estão em linha com outros estudos de até 5 anos de acompanhamento na literatura e têm a importância de ser a primeira avaliação de uma série de casos de mundo real do implante de XEN® 45 Gel Stent na população brasileira. ( 9 - 11 , 17 , 21 )

Estes achados devem ser confirmados em estudos prospectivos de longo prazo, além de serem comparados com outras opções cirúrgicas existentes para o tratamento do glaucoma.

CONCLUSÃO

Neste estudo preliminar de mundo real na população brasileira, o implante de XEN® 45 Gel Stent foi efetivo, tanto em cirurgia isolada quando combinada com a cirurgia da catarata, em alcançar uma redução significativa e importante da pressão intraocular e da quantidade de medicamentos hipotensores oculares, com elevado perfil de segurança, aliando baixa taxa de intercorrências intraoperatórias e reduzida taxa de complicações pós-operatórias.

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  • Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2024
  • Aceito
    10 Mar 2024
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