Open-access Relação da Testosterona com a Obesidade e a Hipertensão Arterial

Palavras-chave Testosterona; Hipertensão; Obesidade

A testosterona é o principal hormônio masculino e é responsável pelo desenvolvimento dos órgãos sexuais, tendo importância na libido e na função sexual de forma geral. Apesar de controverso, acredita-se que com a idade ocorra diminuição gradativa deste hormônio, e alguns trabalhos apontam a obesidade como principal fator da redução hormonal.1,2

As diferenças hormonais no homem e na mulher podem explicar algumas peculiaridades no comportamento de determinadas doenças, principalmente as cardiovasculares (CV). A testosterona, atinge um pico aos 30 anos de idade, com declínio de 1-2% anualmente.3 Em idosos, o risco de apresentar deficiência de testosterona (DT) aumenta sensivelmente, podendo levar a diversos sintomas. Entretanto o efeito desta redução hormonal no risco CV ainda não está bem definido, pois em fases mais avançadas da vida surgem diversas comorbidades, principalmente a obesidade. Nesta mescla de fatores de risco fica um pouco difícil tipificar a importância da DT de forma objetiva. Alguns estudos como o de Laughlin et al.4 evidenciaram que a DT aumentava o risco CV. Outros como o "The Longitudinal Cardiovascular Health Study"5 e o de Collet et al.6 não encontraram nenhuma relação.

Apesar de não haver uma conclusão objetiva entre a DT e o risco CV, a terapia de reposição da testosterona (TRT) é amplamente utilizada, especialmente em idosos com baixos níveis deste hormônio e com alguma expressividade sintomática. Entretanto a TRT apresenta resultados discrepantes em relação aos eventos CV, podendo aumentar a mortalidade, apesar da significante melhora dos sintomas da deficiência androgênica.7

Esta discrepância, prejudicando uma conclusão dos estudos, ocorre devido a existência, nesta faixa etária mais avançada, de diversas comorbidades principalmente a obesidade, o diabetes mellitus, pré-existência de doenças cardiovasculares e principalmente a hipertensão arterial (HA). Em relação a HA alguns estudos associam a DT a aumentos dos níveis pressóricos, porém ainda não temos estudos robustos que confirmem esta afirmação.8

Este estudo transversal de Negreto et al.9 avaliou a prevalência da DT em uma população hipertensa tendo o grande mérito de ser uma avaliação inédita na população brasileira.9 A avaliação da DT em uma determinada doença é complexa em vista de diversos fatores de confusão. Em relação a HA, a obesidade é o fator de confusão mais presente visto que está relacionado tanto com a HA quanto com a DT. De todas as comorbidades analisadas neste estudo foi a obesidade a que teve a relação com a DT, com estatística significante. Encontraram nesta população hipertensa 24,5% de DT, entretanto não sabemos qual a real prevalência na população brasileira. Os estudos em outras populações apresentam números muito variáveis. Mulligan et al estudando o hipogonadismo em 2.165 indivíduos com idade acima de 45 anos (média de 60,5 anos), encontraram prevalência de 38,7%.10 Evidentemente que a composição das populações estudadas e a relação multidirecional entre a hipertensão, DT e aumento de peso corpóreo, impactam de forma expressiva em uma análise correta de qualquer uma destas variáveis. Entretanto, apesar dos possíveis vieses envolvendo estas doenças e comorbidades, a DT teve associação positiva como o índice de massa corpórea. Quanto mais obeso menor o nível de testosterona. Nesta população brasileira hipertensa, o nível de testosterona caiu um pouco mais de 8ng/dL para o aumento de 1Kg/m2 e reduziu 3,7 ng/dL para cada ano a mais de idade. Estes números são importantes na escassez de dados nacionais.

A participação dos hormônios no contexto cardiovascular é bastante ampla e ainda complexa, principalmente esta relação da testosterona com a HA, que é uma doença multifatorial, onde a obesidade participa de forma expressiva. A maioria dos fatores que elevam a pressão arterial estão relacionados com a obesidade e vice-versa, e neste cenário a DT se agrega a esta complexa dupla de fator de risco CV.

Ainda necessitamos mais estudos com a população brasileira para uma ideia da verdadeira prevalência da DT e para que possamos decifrar com precisão qual o papel do hormônio e da obesidade no mecanismo da HA.

  • Minieditorial referente ao artigo: Deficiência de Testosterona em Homens Hipertensos: Prevalência e Fatores Associados

Referências

  • 1 Traish AM. Testosterone and Weight Loss: The Evidence. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2014;21(5):313-22. doi: 10.1097/MED.0000000000000086.
    » https://doi.org/10.1097/MED.0000000000000086
  • 2 Kelly DM, Jones TH. Testosterone and Obesity. Obes Rev. 2015;16(7):581-606. doi: 10.1111/obr.12282.
    » https://doi.org/10.1111/obr.12282
  • 3 Gray A, Feldman HA, McKinlay JB, Longcope C. Age, Disease, and Changing Sex Hormone Levels in Middle-aged Men: Results of the Massachusetts Male Aging Study. J Clin Endocrinol Metab. 1991;73(5):1016-25. doi: 10.1210/jcem-73-5-1016.
    » https://doi.org/10.1210/jcem-73-5-1016
  • 4 Laughlin GA, Barrett-Connor E, Bergstrom J. Low Serum Testosterone and Mortality in Older Men. J Clin Endocrinol Metab. 2008;93(1):68-75. doi: 10.1210/jc.2007-1792.
    » https://doi.org/10.1210/jc.2007-1792
  • 5 Shores MM, Biggs ML, Arnold AM, Smith NL, Longstreth WT Jr, Kizer JR, et al. Testosterone, Dihydrotestosterone, and Incident Cardiovascular Disease and Mortality in the Cardiovascular Health Study. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(6):2061-8. doi: 10.1210/jc.2013-3576.
    » https://doi.org/10.1210/jc.2013-3576
  • 6 Collet TH, Ewing SK, Ensrud KE, Laughlin GA, Hoffman AR, Varosy PD, et al. Endogenous Testosterone Levels and the Risk of Incident Cardiovascular Events in Elderly Men: The MrOS Prospective Study. J Endocr Soc. 2020;4(5):bvaa038. doi: 10.1210/jendso/bvaa038.
    » https://doi.org/10.1210/jendso/bvaa038
  • 7 Finkle WD, Greenland S, Ridgeway GK, Adams JL, Frasco MA, Cook MB, et al. Increased Risk of Non-fatal Myocardial Infarction Following Testosterone Therapy Prescription in Men. PLoS One. 2014 9(1):e85805. doi: 10.1371/journal.pone.0085805.
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0085805
  • 8 Svartberg J, von Mühlen D, Schirmer H, Barrett-Connor E, Sundfjord J, Jorde R. Association of Endogenous Testosterone with Blood Pressure and Left Ventricular Mass in Men. The Tromsø Study. Eur J Endocrinol. 2004;150(1):65-71. doi: 10.1530/eje.0.1500065.
    » https://doi.org/10.1530/eje.0.1500065
  • 9 Negretto LAF, Rassi N, Soares LR, Saraiva ABC, Teixeira MEF, Santo LR, et al. Deficiência de Testosterona em Homens Hipertensos: Prevalência e Fatores Associados. Arq Bras Cardiol. 2024; 121(3):e20230138. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20230138
    » https://doi.org/10.36660/abc.20230138
  • 10 Mulligan T, Frick MF, Zuraw QC, Stemhagen A, McWhirter C. Prevalence of Hypogonadism in Males Aged at Least 45 Years: The HIM Study. Int J Clin Pract. 2006;60(7):762-9. doi: 10.1111/j.1742-1241.2006.00992.x.
    » https://doi.org/10.1111/j.1742-1241.2006.00992.x

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2024
  • Revisado
    20 Mar 2024
  • Aceito
    20 Mar 2024
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