Open-access Promoção de Dietas Saudáveis para o Enfrentamento de Doenças Cardiovasculares no Brasil: A Importância das Diretrizes Nutricionais e Políticas Públicas

Palavras-chave Doenças Cardiovasculares; Sistema Alimentar; Prevenção de Doenças; Saúde Pública

As doenças cardiovasculares (DCV) representam um problema de saúde pública de alta magnitude no Brasil, sendo a principal causa de mortalidade no país, com destaque para a doença arterial coronariana como a principal causa de óbitos.1Segundo os dados do Global Burden of Disease, 2021, o padrão alimentar foi responsável por 12% do risco atribuído ao total de mortes por doenças crônicas não transmissíveis na população geral brasileira.2 Tais condições ocasionam prejuízos sistêmicos, não apenas impactando na mortalidade populacional ou reduzindo a expectativa de vida, mas também a incapacidade, gerando dependência de um indivíduo para realizar suas atividades cotidianas.3

Diante deste cenário, a Organização Mundial de Saúde (OMS) defende políticas públicas focadas em estratégias de saúde e atualização regular das diretrizes nacionais de alimentação e nutrição, adaptando-se às mudanças nos hábitos alimentares, nos sistemas alimentares, e nas condições de saúde da população.4,5

No Brasil, há diversas diretrizes nutricionais e programas governamentais direcionados à promoção de dietas saudáveis. O Programa Alimentar Brasileiro Cardioprotetor (DICABR), tem como objetivo promover uma alimentação saudável e adequada para prevenir doenças cardíacas e categoriza os alimentos em grupos identificados pelas cores da bandeira do Brasil, explorando a cultura e a regionalidade alimentar do país. A cor verde representa os alimentos que devem ser consumidos em maior quantidade, como frutas, legumes, verduras, leites e iogurte. A cor amarela, alimentos que devem ser consumidos com moderação, como pães, cereais, tubérculos e alguns tipos de doces caseiros (cocada, goiabada, doce de abóbora). A cor azul representa alimentos que devem ser consumidos em menor quantidade, sendo estes carnes, queijos, ovos, manteiga, leite condensado e creme de leite. Apesar de seu potencial, a adesão e a divulgação entre a população beneficiária foram insuficientes para alcançar os resultados esperados na prevenção de DCV.6

Um estudo transversal realizado com indivíduos em centros de referência cardiovascular no Nordeste do Brasil evidenciou que a população estudada está longe de cumprir as recomendações do DICABR.7 A dieta desses indivíduos foi pobre em fibras e micronutrientes, com alta ingestão de gorduras saturadas e baixo consumo de ácidos graxos insaturados, evidenciando sua baixa qualidade nutricional.

Um outro estudo piloto randomizado e controlado avaliou 117 pacientes ambulatoriais brasileiros com mais de 45 anos de idade com doença cardiovascular aterotrombótica. Apesar da ausência de significância estatística, o estudo ressalta o potencial do consumo de uma dieta saudável e alimentos regionais na modulação de fatores de risco cardiovascular. Ele comparou as diferentes recomendações dietéticas oferecidas aos pacientes e foi possível observar menor pressão arterial e glicemia de jejum nos pacientes que receberam orientações do DICABR, quando comparado a grupos que receberam orientações de diretrizes brasileiras cardiovasculares de 2012.8

É fundamental reconhecer que o consumo alimentar é influenciado por diversos fatores, como acesso, preferências pessoais, disponibilidade de alimentos, renda e cultura. No Brasil, a produção de alimentos é significativa, com 7,8% das terras dedicadas à agricultura e 21,2% para pastagens.9 Isso ressalta a necessidade de examinar as condições que afetam do início ao final desse sistema alimentar, e questionar por que a população enfrenta barreiras para acessar esses alimentos uma vez que o problema não é a quantidade produzida.

Ao formular políticas públicas e diretrizes nutricionais, é essencial considerar as complexidades do sistema alimentar brasileiro e desenvolver estratégias abrangentes que abordem as múltiplas dimensões que influenciam em todas essas etapas. Isso inclui: 1) incentivar a agricultura sustentável e a distribuição eficiente, garantindo a disponibilidade contínua de alimentos saudáveis, 2) facilitar o acesso a alimentos saudáveis através de políticas como subsídios para frutas e vegetais podem tornar esses alimentos mais acessíveis, especialmente para populações em situação de insegurança alimentar,10 3) engajar profissionais de saúde devidamente capacitados para fornecer orientação nutricional individualizada aos pacientes,11 4) promover mudanças nos hábitos alimentares por meio de campanhas de conscientização, educação nutricional e promoção de restaurantes com opções saudáveis, que podem auxiliar na adoção de hábitos alimentares mais adequados.12

Desta forma, a promoção de dietas saudáveis através de diretrizes nutricionais e políticas públicas é fundamental para combater a alta prevalência de DCV no Brasil, sendo possível identificar onde podem ser implementadas ações voltadas para estas doenças. Considerar a implementação, expansão e divulgação de programas como o DICABR, aliadas à compreensão das complexidades do sistema alimentar e à adoção de estratégias abrangentes, pode contribuir significativamente para a redução da incidência de DCV e a melhoria da qualidade de vida da população brasileira.

Referências

  • 1 Oliveira GMM, Brant LCC, Polanczyk CA, Malta DC, Biolo A, Nascimento BR, et al. Cardiovascular Statistics - Brazil 2023. Arq Bras Cardiol. 2024;121(2):e20240079. doi: 10.36660/abc.20240079.
    » https://doi.org/10.36660/abc.20240079
  • 2 Global Burden of Disease. GBD Compare: Brasil [Internet]. Washington: Institute for Health Metrics and Evaluation; 2021 [cited 2024 May 22]. Available from: http://ihmeuw.org/6flc
    » http://ihmeuw.org/6flc
  • 3 Global Burden of Disease. Cardiovascular Burden Estimates 1990 and 2021. Washington: Institute for Health Metrics and Evaluation; 2022.
  • 4 World Health Organization. Good Urban Governance for Health and Well-being: A Systematic Review of Barriers, Facilitators and Indicators. Geneva: World Health Organization; 2023.
  • 5 World Health Organization. Achieving Well-being: A Global Framework for Integrating Well-being Into Public Health Utilizing a Health Promotion Approach. Geneva: World Health Organization; 2023.
  • 6 Brasil. Ministério da Saúde. Alimentação Cardioprotetora. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.
  • 7 Brito L, Sahade V, Marcadenti A, Torreglosa CR, Weber B, Bersch-Ferreira AC, Rodrigues IG, et al. Adequação Alimentar de Indivíduos com Doença Cardiovascular Conforme Diretrizes Clínicas no Programa Alimentar Brasileiro Cardioprotetor. Arq Bras Cardiol. 2024; 121(7):e20230705. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20230705
    » https://doi.org/10.36660/abc.20230705
  • 8 Weber B, Galante AP, Bersch-Ferreira AC, Torreglosa CR, Carvalho VO, Victor ES, et al. Effects of Brazilian Cardioprotective Diet Program on risk factors in patients with coronary heart disease: a Brazilian Cardioprotective Diet randomized pilot trial. Clinics (Sao Paulo). 2012;67(12):1407-14. doi: 10.6061/clinics/2012(12)10.
    » https://doi.org/10.6061/clinics/2012(12)10
  • 9 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário: Resultados Definitivos 2017. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2019.
  • 10 Castro MA, Fontanelli MM, Nogueira-de-Almeida CA, Fisberg M. Food Insecurity Reduces the Chance of Following a Nutrient-Dense Dietary Pattern by Brazilian Adults: Insights from a Nationwide Cross-Sectional Survey. Nutrients. 2022;14(10):2126. doi: 10.3390/nu14102126.
    » https://doi.org/10.3390/nu14102126
  • 11 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Estratégia de Saúde Cardiovascular na Atenção Primária à Saúde: Instrutivo para Profissionais e Gestores. Brasília: Ministério da Saúde; 2022.
  • 12 Kim Y, Rangel J, Colabianchi N. Food Environments and Cardiovascular Disease: Evidence From the Health and Retirement Study. Am J Prev Med. 2024:S0749-3797(24)00080-1. doi: 10.1016/j.amepre.2024.03.004.
    » https://doi.org/10.1016/j.amepre.2024.03.004
  • Minieditorial referente ao artigo: Adequação Alimentar de Indivíduos com Doença Cardiovascular Conforme Diretrizes Clínicas no Programa Alimentar Brasileiro Cardioprotetor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Jul 2024

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2024
  • Revisado
    26 Jun 2024
  • Aceito
    26 Jun 2024
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