DESCRITORES: Tumor desmoide; Intestino delgado
INTRODUÇÃO
Os tumores desmoides são entidades raras, histologicamente benigna (proliferação fibroblástica), mas com crescimento infiltrativo que lhes confere comportamento agressivo local1. Os esporádicos têm incidência anual de 2,4-4,6 por milhão de habitantes1, mas sua incidência aumenta em pacientes afetados por polipose adenomatosa familiar ou síndrome de Gardner. São mais frequentes em mulheres e podem ser extra ou intra-abdominais, sendo estas últimas as mais frequentes.
Afetam a parede abdominal em 50%, o retroperitônio em 9% e o mesentério em 40%2. A descrição dos tumores que se originam da parede intestinal é excepcional na literatura, baseada em uma pesquisa exaustiva no Pubmed e na Cochrane, com a palavra-chave “ tumor desmoide do intestino delgado” evidenciando casos esporádicos2.
RELATO DO CASO
Apresentamos o caso de um homem de 76 anos sem história patológica. Foi internado em emergência devido à febre evolutiva de cinco dias associada à distensão abdominal e massa palpável no hipogástrio. Apresentava instabilidade hemodinâmica com PA de 90/50 e taquicardia com boa resposta à ressuscitação inicial com 2000 ml de solução fisiológica e antibioticoterapia (metronidazol+ceftriaxona). A exploração clínica mostrou formação endurecida e móvel no hipogástrio, sem sinais de irritação peritoneal. A análise do sangue mostrou leucocitose com células imaturas e a PCR lactato normal.
TC abdominal apresentou grande massa pélvica supra-vesical de 12 cm com necrose central e nível hidroaéreo compatíveis com formação de abscesso no tumor, presença de gás intraportal em relação ao processo séptico do paciente (Figura 1).
Drenagem com pig-tail foi feita obtendo-se líquido purulento; foi admitido na unidade de terapia intensiva requerendo noradrenalina (0,15 μg/kg/min). A melhora do padrão séptico ocorreu nas primeiras 48 h com a retirada de drogas vasoativas e diminuição dos parâmetros inflamatórios. Culturas de sangue e do líquido abscedado foram positivas para Streptococcus anginosus associado à flora anaeróbica mista. A biópsia percutânea foi negativa para células malignas; componente inflamatório agudo foi associado à perfuração intestinal.
Após 72 h intubação orotraqueal foi necessária devido à insuficiência respiratória progressiva, sem qualquer aumento nos parâmetros inflamatórios. TC toracoabdominal demonstrou desconforto respiratório, líquido livre abdominopélvico e abscesso intratumoral completamente drenado.
Intervenção cirúrgica urgente mostrou um grande tumor de 15x15 cm afetando o jejuno (20 cm do ângulo duodenojejunal); a ressecção intestinal foi realizada com margens livres e anastomose mecânica laterolateral foi realizada. Durante o período pós-operatório, o paciente recuperou progressivamente e recebeu alta após 13 dias.
O exame anatomopatológico revelou proliferação mesenquimal na parede intestinal, sem infiltração da mucosa, constituída por proliferação de células alongadas, sem pleomorfismos dispostos em feixes formados.
A análise imunoistoquímica foi negativa para CD117, DOG1, ALK1, S100, CD34, desmina e actina e positiva para vimentina e beta-catenina, tumor desmóide dependente da parede jejunal, margens intestinais livres de neoplasias (Figura 2).
DISCUSSÃO
Os tumores desmoides intra-abdominais estão frequentemente associados à polipose adenomatosa familiar ou à síndrome de Gardner. Há menos de 100 casos desses tumores intra-abdominais esporádicos publicados5 como o nosso, mas a maioria localiza-se no mesentério; neste caso, a anatomia patológica, mostrou que o tumor era primário da parede intestinal. Esta apresentação torna-o incomum.
O diagnóstico destes tumores é feito por imunoistoquímica.
As células geralmente têm padrão pouco circunscrito com proliferação de células fusiformes formando longos feixes ou padrões espiralados; as células não mostram atipia nuclear ou hipercromasia e são fortemente positivas à coloração com vimentina e a imunorreatividade à beta-catenina é expressa em 67-80% dos casos1,7.
Exames de imagem são úteis no estabelecimento de tamanho, extensão e relação anatômica. Um dos diagnósticos diferenciais a serem levados em consideração são os tumores estromais gastrointestinais (GIST) que compartilham estroma de origem comum, mas são histologicamente, geneticamente e biologicamente diferentes, de modo que seu tratamento difere substancialmente6. Outros diagnósticos diferenciais incluem tumor fibroso solitário, mesenterite esclerosante, fibrose retroperitoneal, fibrossarcoma retroperitoneal, tumor carcinoide e linfoma1.
A decisão terapêutica requer a abordagem por equipe multidisciplinar. A cirurgia é considerada o tratamento de escolha sempre que possível6; outras alternativas incluem radioterapia, terapia hormonal, tratamento com AINEs e até observação.
Nosso caso apresentou complicação que necessitava de tratamento cirúrgico urgente. No entanto, qualquer que seja o tratamento de escolha, as taxas de recorrência são altas (30-40%)8. O acompanhamento deve ser feito com exame físico e teste de imagem a cada 3-6 meses durante os primeiros 2-3 anos e depois anualmente9.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
2018
Histórico
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Recebido
23 Mar 2017 -
Aceito
16 Mar 2018