Open-access Conflito decisional de pacientes com lesão medular que realizam cateterismo uretral intermitente

Conflicto decisional de pacientes con lesión medular que realizan cateterismo uretral intermitente

Resumo

Objetivo  Identificar o conflito de decisão de pacientes com lesão medular frente ao cateterismo intermitente limpo.

Métodos  Estudo observacional, transversal, e quantitativo, que utilizou duas ferramentas de pesquisa, um questionário sociodemográfico e clínico e a versão brasileira da Decisional Conflict Scale. A investigação foi empreendida com uma amostra não probabilística em um hospital público especializado em reabilitação no Distrito Federal. Os dados coletados foram analisados por meio de estatística inferencial e descritiva de tendência central e de dispersão utilizando-se frequências absoluta e relativa, média e desvio padrão. O protocolo de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde do Distrito Federal e todos os participantes aderiram ao termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados  A pesquisa envolveu 30 pacientes, sendo a maioria homens, com idade média de 32,43 anos. Destes 16 realizavam o auto cateterismo e 14 eram submetidos ao cateterismo assistido. O conflito de decisão foi identificado em metade dos pacientes, predominantemente entre os com menor tempo de lesão medular e período de realização do cateterismo. A lacuna de informações e a falta de suporte para a realização do procedimento foram os fatores preponderantes para a ocorrência do conflito de decisão.

Conclusão  O tempo de lesão e de realização do cateterismo parecem influenciar na aquisição de habilidades e conhecimentos na realização do cateterismo, manifestando-se com acentuado conflito decisório logo após a lesão. Suporte decisional e autocuidado apoiado podem contribuir para melhor engajamento do paciente.

Preferência do paciente; Tomada de decisões; Traumatismos da medula espinhal; Cateterismo uretral intermitente; Bexiga urinaria neurogênica; Inquéritos e questionários

Resumen

Objetivo  Identificar los conflictos de decisión de pacientes con lesión medular respecto al cateterismo intermitente limpio.

Métodos  Estudio observacional, transversal y cuantitativo, en el que se utilizaron dos herramientas de investigación, un cuestionario sociodemográfico y clínico y la versión brasileña de la Decisional Conflict Scale. La investigación se llevó a cabo con una muestra no probabilística en un hospital público especializado en rehabilitación en el Distrito Federal. Los datos recopilados se analizaron mediante estadística inferencial y descriptiva de tendencia central y de dispersión, con el uso de frecuencia absoluta y relativa, promedio y desviación típica. El protocolo de investigación fue evaluado por el Comité de Ética en Investigación de la Secretaría de Salud del Distrito Federal y todos los participantes adhirieron al consentimiento informado.

Resultados  Participaron 30 pacientes en el estudio, la mayoría hombres, de 32,43 años de edad promedio. Del total, 16 realizaban el autocateterismo y 14 el cateterismo asistido. Se identificaron conflictos de decisión en la mitad de los pacientes, de forma predominante en aquellos con menor tiempo de lesión medular y período de realización del cateterismo. El vacío de información y la falta de apoyo para la realización del procedimiento fueron los factores preponderantes para los casos de conflicto de decisión.

Conclusión  El tiempo de lesión y de realización del cateterismo parecen influir en la adquisición de habilidades y conocimientos para la realización del cateterismo, y se manifiesta con un elevado conflicto decisorio poco después de la lesión. El apoyo en la decisión y el autocuidado con apoyo pueden contribuir para que el paciente se comprometa más.

Prioridad del paciente; Toma de ddecisiones; Traumatismos de la médula espinal; Cateterismo uretral intermitente; Vejiga urinaria neurogénica; Encuestas y cuestionarios

Abstract

Objective  To identify the decisional conflict of patients with spinal cord injury who perform clean intermittent catheterization.

Methods  An observational, cross-sectional, quantitative study was conducted using two research tools: a sociodemographic/clinical questionnaire and the Brazilian version of the Decisional Conflict Scale. The research was carried out with a non-probabilistic sample in a public hospital specializing in rehabilitation in the Federal District. The data collected was analyzed using inferential and descriptive statistics of central tendency and dispersion using absolute and relative frequencies, mean, and standard deviation. The research protocol was evaluated and approved by the Research Ethics Committee of the Federal District Health Secretariat and all participants signed an informed consent form.

Results  The study involved 30 patients, most of whom were men, with a mean age of 32.43 years. Of these, 16 performed self-catheterization and 14 underwent assisted catheterization. Conflict of decision was identified in half of the patients, predominantly among those with a shorter period of spinal cord injury and period of catheterization. The information gap and the lack of support for the procedure were the main factors in decisional conflicts.

Conclusion  The time since the injury and the period during which the catheterization was performed seem to influence the acquisition of skills and knowledge in performing the procedure, showing a marked decisional conflict soon after the injury. Decisional support and supported self-care can contribute to better patient engagement.

Patient preference; Decision make; Spinal cord injuries; Intermittent urethral catheterization; Urinary bladder, neurogenic; Surveys and questionnaires

Introdução

A inclusão do paciente no processo decisório sobre sua saúde tornou-se tema central de discussão em vários países e nos mais diversos níveis de cuidados à saúde. Para que a participação seja efetiva e de alta qualidade, a determinação das opções disponíveis para cada caso deve ser baseada nas melhores evidências científicas aplicáveis, esclarecendo benefícios e riscos de cada alternativa. Devem ser incluídos ainda os valores e as preferências do paciente no processo decisório sobre o curso de ação a tomar.(1) Esse modelo de relacionamento clínico baseia-se no referencial teórico do Cuidado Centrado no Paciente (CCP), que preconiza o cuidado em saúde respeitoso e responsivo aos desejos do paciente.(2)

Diante de múltiplas opções podem ocorrer, no entanto, dúvidas sobre qual a melhor para definir o que realmente se encaixa na vida do paciente. Esta insegurança é conhecida como conflito decisional, que é um estado de incerteza sobre o curso de ação a tomar, quando a decisão entre ações concorrentes envolve risco, perda, arrependimento ou desafios aos valores de vida pessoal.(1,3) O conflito na tomada de decisão foi reconhecido como um diagnóstico de enfermagem e incorporado pela North American Nursing Diagnosis Association (NANDA).(4)

As manifestações mais frequentes de conflito decisional são a verbalização da incerteza, questionamento de valores pessoais envolvidos, preocupação com a decisão, sofrimento para decidir, sinais físicos de estresse emocional, vacilação e atraso na decisão.(1) Mensurar o conflito de decisão e os fatores que impactam o paciente no processo de tomada de decisão pode ser útil para avaliar o impacto do suporte à decisão ofertado ao paciente, a exemplo de informações sobre saúde, esclarecimentos sobre as opções disponíveis, benefícios e riscos. Essa mensuração pode ser determinante para direcionar melhor a ação do profissional de saúde e considerar as necessidades e preferências do paciente durante o processo decisório.(5)

Pacientes com lesão medular (LM) podem necessitar de adaptações para responder a diferentes necessidades físicas e psicossociais por tempo prolongado e o acompanhamento inadequado dessas demandas tem sido relatado nos mais diversos níveis de atenção à saúde.(6)Dentre as principais dificuldades enfrentadas pelos pacientes com LM, a disfunção neurogênica do trato urinário inferior (DNTUI) e o manejo adequado dessa alteração são frequentemente citados.(6) Em pesquisa nacional, o problema foi referido por 68,8% dos participantes, enfatizando o desafio de resolver decisões simultâneas sobre tratamentos e procedimentos a partir do diagnóstico de LM.(7)

A DNTUI dificulta o esvaziamento adequado da urina retida na bexiga causando retenção e/ou incontinência urinária e, consequentemente, infecções urinárias. O cateterismo intermitente limpo (CIL) realizado pelo próprio paciente é considerado o padrão ouro para o manejo da DNTUI.(8,9) O CIL consiste na passagem de um cateter, em intervalos regulares, através da uretra até a bexiga para drenagem da urina, com posterior retirada do cateter.(8,9)

Por se tratar de algo novo, invasivo, que causará mudanças na vida diária do paciente, a adoção do CIL gera dúvidas, insegurança e até mesmo recusa em realizar o procedimento. Nesse contexto surgiu a seguinte questão de pesquisa: pacientes com lesão medular, que realizam cateterismo intermitente limpo, apresentam conflito de decisão?

Assim, o objetivo da presente pesquisa foi identificar o conflito de decisão frente à realização de CIL, como técnica de manejo da bexiga neurogênica (BN), bem como os fatores relacionados a esse conflito.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa observacional, transversal e quantitativa. Realizada em um hospital público especializado em reabilitação no Distrito Federal, com 30 pessoas, que realizavam CIL. A amostra não probabilística incluiu pacientes atendidos nas unidades de internação (PI) e no ambulatório (PA), durante 4 meses (setembro a janeiro de 2018), com lesão medular, traumática e não-traumática e indicação de CIL para manejo da DNTUI. Todos eram maiores de 16 anos e alfabetizados.

Utilizou-se dois instrumentos para a coleta de dados, um questionário sociodemográfico e clínico e a versão brasileira validada da Decisional Conflict Scale (DCS). A Escala de Conflito na Tomada de Decisão (ECTD) é a versão tradicional em português falado no Brasil da DCS.(10) Na tradução do instrumento para o português de Portugal foi recomendado a adaptação cultural, mesmo para outros países que utilizassem a língua.(11)

A DCS é uma escala multidimensional, utilizada para identificar a presença de conflito perante uma decisão em saúde, os fatores que contribuem com a incerteza e a qualidade da decisão tomada.(3) A escala foi traduzida e validada em mais de 20 países, 13 línguas, sendo utilizada em 253 investigações para mensurar o impacto de intervenções de suporte ao paciente nos últimos vinte anos.(11) É descrita como uma ferramenta de alta confiabilidade, com Alpha de Cronbach com valor de 0,88 (subescala 1) e 0,89 (subescala 2), que discrimina os que tomam ou que atrasam decisões e auxilia na avaliação entre diferentes intervenções de apoio à decisão.(5)

Os itens da ECTD são mensurados através de escala Likert com pontuação variando entre zero (concordo fortemente) a quatro (discordo fortemente). Os resultados das respostas foram somados e divididos por 16 e multiplicados por 25.(12) As pontuações foram padronizadas para variar de 0 (sem conflito de decisão) a 100 pontos (conflito de decisão extremo). Pontuações de 25 ou menos estão associadas a ausência de conflito, enquanto as pontuações superiores a 37,5 estão associadas a presença de conflito e ao atraso na tomada de decisões.(12)

A ECTD possui duas subescalas, a primeira está relacionada a Decisão, Incerteza do paciente e ao Suporte para a decisão (DIS), é composta pelos itens de 7 a 16. A segunda se refere a Informação repassada e aos Valores do paciente envolvidos na deliberação (INV). O cálculo em ambas é realizado pelo somatório das respostas, divisão pelo número de itens e multiplicado por 25.(10)

Os dados coletados foram organizados e tabulados no software Microsoft Excel®, e posteriormente analisados por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 24. A caracterização da amostra foi realizada por meio de análise descritiva de tendência central e de dispersão, utilizando-se frequências absoluta e relativa, média e desvio padrão. Foram testados pressupostos de normalidade através do teste Kolmogorov-Smirnov. Para verificar associação entre as variáveis foram utilizados os testes de Spearman (continuas) e Mann-Whitney (categóricas com continuas). Adotou-se nível de significância de p<0,05.

O protocolo de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde da Secretaria da Saúde do Distrito Federal sob o identificador CAAE: 67372017.6.0000.5553, protocolo no 2.080.560. Todos os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos e metodologias adotadas e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No caso de menor de idade, o TCLE foi assinado pelo responsável, enquanto o menor assinou o termo de assentimento.

Resultados

Perfil da amostra estudada

Participaram da pesquisa 30 pacientes com LM, DNTUI e CIL. A amostra foi composta por 24(80%) homens e 6(20%) mulheres, com idade média de 32,43(+11,46) anos. A maioria 22(73,3%) eram solteiros e não trabalhavam 24(80%). Na variável escolaridade observou-se predomínio do ensino médio incompleto 10(33,3%), seguido por fundamental incompleto 7(23,3%) e ensino médio completo 6(20%). As LM traumáticas foram as mais frequentes 25(83,3%) casos. Eventos por projétil de arma do fogo (PAF) surgiram em primeiro lugar com 13(43,3%) casos, seguidos por acidentes automobilísticos 7(23,3%) (Tabela 1).

Tabela 1
Perfil sociodemográfico e clínico dos pacientes, que realizam CIL, atendidos nas unidades de internação (PI) e no ambulatório (PA)

Houve predomínio de pacientes com paraplegia 17(56,70%) casos. Entre os PI, no entanto, houve maior prevalência de pacientes com tetraplegia. O tempo médio de lesão foi 761 dias, sendo 252 dias a média dos PI e 1269 dias a dos PA. O tempo médio de permanência dos PI foi de 156,14 dias. Em relação ao CIL, 15(50%) pacientes realizavam o auto cateterismo e 14 eram submetidas ao cateterismo assistido, ou seja, realizado por outra pessoa (familiar ou cuidador). Os pacientes realizavam CIL há 318,50(+958,64) dias, em média, sendo que nos PA o valor médio era de 1203,20(+1144,99) e nos PI era de 158,33(+88,10) dias. No que tange a frequência com que realizavam o CIL em 24 horas, os pacientes realizavam em média 5 procedimentos/dia. A maioria dos PI realizavam o procedimento a cada 4 horas durante o dia e 6 horas durante a noite. Nos PA, houve variação quanto ao intervalo, alguns faziam o procedimento a cada 8 horas, enquanto outros utilizavam intervalo de 4 horas. Os participantes também foram questionados sobre o profissional de saúde que os orientou sobre a DNTUI, BN e as opções de manejo, dentre elas o CIL. Em 18(60%) casos a orientação foi realizada pelo médico, em 10(33,33%) pelo enfermeiro e em 2(6,66%) não se recordavam da pessoa que fez as orientações. O enfermeiro foi referenciado como o profissional que mais vezes explicou a técnica de realização do CIL 26(86,66%) vezes, o médico apareceu com 3(10%). Quando questionados sobre perdas de urina no intervalo entre os CIL, 12(40%) pacientes afirmaram não apresentar este problema, 11(36,66%) relataram perdas diárias, e 5(16,66%) descreveram perdas semanais (ao menos 1 vez por semana) e 2(6,66%) referiram perdas raras, apenas 1 ou 2 vezes por mês. Sobre a busca por informações adicionais (internet, folders, outras pessoas) 5(16,66%) pacientes relataram ter procurado esses dados, sendo 4(13,33%) PI e 1(3,33%) PA.

Escores da escala de conflito na tomada de decisão

Dos 30 pacientes estudados, 15(50%) pacientes apresentaram conflito de decisão referente ao CIL. Na pontuação da ECTD (Tabela 2), observou-se diferença estatisticamente significativa na pontuação entre PA (22,80 pontos) e PI (41,30 pontos). Os PI apresentam scores significativamente maiores nas duas subescalas INV e DIS.

Tabela 2
Escores da Escala de Conflito de Tomada de Decisão (ECTD) e subescalas

Na Análise de correlação identificou-se que não há correlação significativa entre idade, sexo e presença de atividade laboral e o conflito de decisão em relação ao CIL (Tabela 3). Na pontuação total, pacientes com sequela neurológica de tetraplegia apresentaram pontuações maiores em relação ao conflito de decisão, quando comparados aos pacientes com paraplegia. Isso se refletiu também nas pontuações das subescalas DIS e INV. As variáveis tempo de lesão e tempo de realização de CIL (Tabela 3), apresentaram correlação indireta com o conflito, ou seja, quanto maior o tempo de lesão e de realização do CIL, menor o conflito na tomada de decisão.

Tabela 3
Correlação entre variáveis sociodemográficas e clínicas e os itens da Escala de Conflito de Tomada de Decisão e as subescalas

Discussão

Os homens foram maioria na amostra estudada. Esse dado corrobora estudos nacionais, que variam entre 74% e 85%,(13,14) e internacional 78% a 81%(15)sobre pessoas com LM. A predominância de adultos jovens, confirma levantamentos nacionais que encontraram idade média de 39,45.(7,14,16)Entre os problemas mais citados por esses pacientes, está a incontinência urinaria decorrente da DNTUI e as consequências para a participação social desses indivíduos.(7) Encontram-se portanto, em idade produtiva e a inabilidade/impossibilidade da sociedade em incluí-los gera insatisfação referente ao direito ao trabalho influenciando diretamente na qualidade de vida.(17,18)

A maioria dos pacientes apresentou ensino fundamental (até o 9º ano) e menos de um quarto concluíram o ensino médio, demonstrando predomínio de baixa escolaridade. Esse perfil é semelhante ao encontrado em análise nas Regiões Nordeste(14) e Sudeste,(15)além de estudo que envolveu uma amostra da população brasileira.(19)

Lesões traumáticas representaram a maioria das ocorrências relacionadas à LM. Dessas quase a metade foi causada por PAF. Esta etiologia de LM, foi igualmente observada como principal em estudos em diferentes centros de reabilitação.(15,19)

O longo tempo de internação encontrado na amostra estudada relaciona-se ao fato de a instituição receber pacientes com complicações agudas, que retardam a recuperação e o início do processo de reabilitação. Com perfil semelhante, outro estudo cita período médio de internação com 130 dias.(20)

Quanto ao manejo da DNTUI, a maioria dos pacientes com paraplegia realizava o CIL sozinhos, apenas dois necessitavam de auxílio para dispor o material utilizado no procedimento. Entre os pacientes com tetraplegia o procedimento era assistido, devido a alteração ou a perda de sensibilidade e/ou de motricidade nos membros superiores há a necessidade de que outras pessoas realizem o procedimento.

Nos PI os intervalos entre CIL foram regulares, conforme orientações recebidas na instituição. Nos PA o número e os intervalos de CIL sofreram variações. Estudos corroboram as possibilidades de mudanças em relação ao método escolhido para o esvaziamento da BN com o passar do tempo. Essas alterações resultam da junção entre o aconselhamento profissional e a preferência pessoal e estão relacionadas as necessidades individuais como: incontinência, obesidade e disrreflexia autonômica.(21)

As perdas urinárias ocorreram em 60% da amostra estudada. Esse fato interfere negativamente na qualidade de vida e configura motivo para a adequação nos horários.(22) Essa ocorrência também foi relatada em estudo que revelou que 46% dos indivíduos que realizavam CIL, o faziam em intervalos próprios.(23)

Para uma decisão esclarecida sobre o CIL o paciente deve receber informações sobre as alterações fisiopatológicas da LM, consequências sobre a bexiga e a micção, possibilidades de manejo da DNTUI, BN, e os riscos e benefícios das opções.(24) Em conjunto com a análise dos próprios valores e preferências, o paciente poderá decidir adequadamente. Na presente pesquisa, as orientações sobre CIL foram realizadas em mais da metade dos casos (60%) pelo médico, dado também referenciado por outro estudo similar.(25) Um acompanhamento longitudinal identificou que o aconselhamento médico inespecífico pode motivar mudanças no manejo da DNTUI e o não seguimento das orientações do profissional.(21)

Na amostra estudada, em 86,66% dos casos o enfermeiro realizou e treinamento da técnica, esse dado coincide com informações referenciadas sobre o papel do enfermeiro educador.(24,26) A orientação do paciente é uma das funções que demandam maior tempo desse profissional na área da reabilitação, e está entre as principais intervenções sugeridas para solucionar o diagnóstico de enfermagem (NANDA) relacionado ao conflito de decisão.(4,24)

A contribuição da avaliação do conflito de decisão, por meio da ECTD, reside na possibilidade de quantificar as incertezas e revelar os fatores que contribuem para a insegurança, durante o processo de deliberação e após a tomada de decisão.(3) A presença de 50% de conflito de decisão nos pacientes que realizam CIL sugere que, apesar de ser um procedimento considerado padrão ouro, recomendado pelas melhores evidências científicas, e realizado rotineiramente, ainda necessita ser melhor orientado ao paciente pelo profissional de enfermagem que exerce esse papel no contexto de reabilitação. Isso permitirá a compreensão adequada, reduzindo a insegurança na tomada de decisão. No contexto de manejo da DNTUI, BN, a inclusão do paciente durante todo o processo de deliberação é fortemente recomendada.(27)

A respeito dos valores médios de pontuação na ECTD, os PI apresentaram escores mais altos do que os PA. Essa informação permite pensar numa associação entre problemas para compreender e deliberar sobre CIL e o tempo de LM. O fator tempo é referenciado fortemente como influenciador na participação e na aderência do indivíduo ao CIL.(23)

A subescala DIS demonstrou menores escores nos PA em relação aos PI. Esse dado revela que os últimos apresentaram conflito na decisão efetiva e poderiam adiar a implementação do CIL. No que se refere a tomada de decisão e a adesão do paciente a um cuidado à saúde, no caso o CIL, é importante avaliar como o procedimento é percebido pelo paciente e o impacto que terá na vida e qualidade de vida.(25)

A subescala INV apresentou valores mais elevados nos dois subgrupos participantes. Indicando a presença de conflito de decisão relacionado ao esclarecimento de informações necessárias à tomada de decisão, também a clareza de valores perante decisão. Nos PI este valor atingiu escore acentuado, ratificando que itens relacionados ao conhecimento têm impacto no conflito desses pacientes. Alguns estudos ratificam que o incremento no repasse de informações sobre o procedimento, possíveis resultados, assim como a consideração de valores e necessidades do paciente durante o processo de tomada de decisão, reduzem a incerteza e aumentam a participação do paciente, gerando maior adesão.(3,27,28) Em específico, a informação adequada sobre o processo de CIL está relacionada a adesão ao procedimento a curto e longo prazo.(29)

A correlação positiva e inversa entre tempo de lesão e tempo de cateterismo, demonstrou que a confiança do paciente aumenta à medida que ele se apropria da técnica. Essa associação também foi encontrada por estudo que avaliou a desistência de pacientes em relação a técnica CIL.(30) Na presente pesquisa, fatores como idade e gênero não apresentaram correlação com os escores da ECTD. Esses fatores também não foram correlacionados a aderência ao CIL.(31)

Os maiores escores encontrados, com a aplicação da escala, a pacientes com tetraplegia revelam que esses indivíduos apresentavam conflitos de decisão mais intensos em relação aos com paraplegia. Esse dado pode estar relacionado a impossibilidade ou dificuldade no que se refere a destreza manual no grupo com lesão medular alta, impedindo ou prejudicando que as pessoas possam realizar o procedimento. Além disso, a dependência de terceiros para a realização do CIL também foi uma queixa encontrada na literatura.(32)

Os dados apresentados precisam ser analisados com precaução visto que se trata da primeira aplicação da Decisional Conflict Scale (DCS) no Brasil. Neste contexto, ainda é incipiente, a consciência do paciente sobre a importância da participação nas decisões sobre sua própria saúde. Acredita-se que novas aplicações, em diferentes contextos, possam fomentar a discussão sobre a inclusão do paciente no planejamento de seus cuidados.

Conclusão

Evidenciou-se a ocorrência de conflito de decisão entre pacientes que realizam o CIL para manejo da DNTUI, BN, sendo mais evidente naqueles com menor tempo de LM. Fatores relacionados a informação sobre o procedimento foram os que obtiveram maior influência sobre a indecisão do paciente. Nesse contexto, a educação empreendida por enfermeiros durante a reabilitação auxilia o paciente a compreender a estratégia proposta para o manejo da DNTUI, BN. Ao mesmo tempo que fundamenta a resolução de questões e o processo decisório, melhorando o engajamento ao tratamento e/ou ao cuidado proposto. O enfermeiro como educador deve incluir em seu plano de cuidados maior suporte de informações ao paciente de forma a qualificar o processo de tomada de decisão sobre a realização do CIL. Deve considerar ainda no planejamento dos cuidados os desejos, os valores e as preferências do paciente de forma que a proposta faça sentido e se adeque a vida cotidiana do paciente, possibilitando efetivar a reabilitação com foco no cuidado centrado no paciente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    1 Out 2023
  • Aceito
    19 Mar 2024
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