Open-access Homofobia internalizada e depressão em mulheres e homens homossexuais e bissexuais: Inquérito de saúde LGBT+, 2020

Resumo

Objetivou-se analisar a associação entre homofobia internalizada e seus domínios e a depressão em indivíduos homossexuais e bissexuais e quantificar o resultado da sua diminuição na depressão. Trata-se de um estudo transversal baseado em dados do inquérito de saúde LGBT+, realizado no Brasil entre agosto e novembro de 2020, de forma on-line e anônima, totalizado 926 participantes. A depressão foi avaliada por autorrelato. A homofobia internalizada foi medida pela Escala de Homofobia Internalizada para Gays e Lésbicas Brasileiros, adotando-se como escores elevados total e por domínio os percentis de 80%. A análise estatística baseou-se na regressão de Poisson com variância robusta. A prevalência de depressão foi de 23,7%. Os resultados mostraram que a homofobia internalizada associou-se positivamente à depressão apenas entre os homossexuais (Razão de Prevalência (RP) = 1,80; intervalo de confiança de 95% (IC95%) 1,12-2,90). Não houve associação com os domínios isolados de estigma e opressão. A fração atribuível populacional de depressão foi de 2,3% (IC95% 0,1-4,5) em relação à homofobia internalizada. Esses achados destacam a importância do combate à homofobia que é internalizada para a diminuição da depressão em indivíduos homossexuais.

Palavras-chave: Saúde Mental; Depressão; Minorias sexuais e de gênero; Sexismo; Homofobia

Abstract

This study aimed to analyze the association between internalized homophobia and its domains and depression in homosexual and bisexual individuals and to quantify its results in depression. This is a cross-sectional online and anonymous study based on the LGBT+ health study conducted in Brazil from August to November, 2020, summing 926 respondents. Depression was self-reported. Internalized Homophobia was measured by the Brazilian Internalized Homophobia Scale for Gays and Lesbians, using 80% percentile to classify elevated total and by domain scores. Statistical analysis was based on Poisson Regression models with robust variance. Depression prevalence was 23.7%. The results revealed that internalized homophobia was positively associated with depression only among homosexuals (Prevalence Ratio (RP) = 1.80; 95% confidence interval (95%CI) 1.12-2.90). We found no statistical association for stigma and oppression domains. Population attributable fraction of depression was 2.3% (95%CI 0.1-4.5) in relation to internalized homophobia. Our findings highlight the need of controlling internalized homophobia to decrease the prevalence of depression among homosexuals.

Key words: Mental health; Depression; Sexual and gender minorities; Sexism; Homophobia

Introdução

A saúde mental é um problema de saúde pública que vem ganhando destaque principalmente após a pandemia de COVID-19 iniciada em 2020, já que sua principal medida de prevenção, antes da implantação da vacinação, em 2021, foi o distanciamento social1. Apesar disso, em minorias sexuais e de gênero, que englobam pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Trans e com identidades relacionadas (LGBT+), a saúde mental já vêm sendo estudada bem antes da pandemia, com destaque para a depressão, com uma prevalência de 35% em mulheres cis bissexuais, comparada a uma prevalência de 16% mulheres cis heterossexuais2. Dentre os homens cis gays, a prevalência chega a 20% ao longo da vida, quase 2,4 vezes maior em comparação a homens cis heterossexuais2.

Na população de minorias sexuais e de gênero, uma das teorias que tentam explicar esse excesso de prevalência de depressão é a Teoria do Estresse de Minorias3. O conceito de “estresse de minorias”, proposto por Meyer3, pode ser aplicado aos grupos que são considerados minoritários, não por sua prevalência na população, mas por não deterem o poder hegemônico de controlar a narrativa sobre si: a população negra, mulheres, pessoas economicamente vulneráveis e a população de minorias sexuais e de gênero. Quando se utiliza o termo “estresse de minorias sexuais e de gênero”, faz-se referência a essa condição, que impacta na formação da subjetividade, na construção de autopercepção e autocuidado, bem como na construção de relações sociais por parte desses indivíduos, considerando os aspectos externos e internos de estresse a que estão submetidos3.

Segundo a teoria do estresse de minorias, situações constantes de estigma e preconceito podem levar a deterioração da saúde mental, que além do diagnóstico de depressão, pode ser caracterizada por estresse psicológico4,5, solidão, isolamento social e/ou baixo apoio emocional6-8. Dados apontam que 65% das minorias sexuais e de gênero já sofreram discriminação devido a sua orientação afetiva não heterossexual por familiares e vizinhos9, sendo que o domicílio é o principal lugar de ocorrência, de acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação de 2015-201710. Ainda, tais situações podem afetar a percepção desses indivíduos na sociedade, de modo que eles podem rejeitar sua própria identidade (estresse de minorias proximal), causando sentimentos negativos e angustiantes conhecidos como homofobia internalizada11.

Revisões sistemáticas consistentemente mostraram que pelo menos um componente da teoria do estresse de minorias é relacionado a desfechos biológicos12 e mentais13. Em relação à homofobia internalizada, um estudo conduzido no Chipre com 110 adultos (18 anos ou mais) mostrou uma associação positiva entre homofobia internalizada e depressão na análise univariada14. Dados de 543 casais de homens homossexuais dos Estados Unidos também comprovaram essa correlação positiva15. Resultados semelhantes foram encontrados em 2.178 adultos (19 anos ou mais) da Coreia do Sul16 e em 581 mulheres adultas de Taiwan (20 anos ou mais), após os ajustes pertinentes17.

Apesar das evidências internacionais citadas acima12-17, nem todos os estudos demostraram independência da associação entre a homofobia internalizada e a depressão14,15. No Brasil, nenhum estudo foi encontrado com essa temática, apesar do país apresentar uma sociedade marcada por altos índices de violência contra minorias sexuais e de gênero, chegando a quase uma notificação de violência contra essas pessoas por hora10. Deste modo, o objetivo deste estudo foi analisar a associação entre a homofobia internalizada, seus domínios e o diagnóstico de depressão em mulheres e homens homossexuais e bissexuais vivendo no Brasil e quantificar o resultado da sua diminuição na prevalência de depressão.

Métodos

Delineamento e amostragem

Trata-se de um estudo transversal baseado em dados do inquérito de saúde LGBT+, realizado no Brasil de agosto a novembro de 2020, através de um link autopreenchível de forma on-line e anônima, com perguntas individuais e questionários padronizados acerca de características sociodemográficas e relacionadas à saúde. Ainda que não representativo de toda a população, por se tratar de uma amostra não probabilística, o inquérito foi divulgado nacionalmente em redes sociais, como Facebook, Instagram e WhatsApp, por um link, através da disseminação tipo bola de neve. Maiores informações sobre o estudo e equipe de pesquisa podem ser consultadas em outra publicação18. Os critérios de inclusão foram: ter 18 anos e mais, morar em uma das cinco regiões brasileiras, autodeclarar-se como um indivíduo da população de minorias sexuais e de gênero, ter acesso à internet para preencher o questionário e concordar em participar da pesquisa. Para a presente análise, foram excluídos os indivíduos que relataram orientação afetiva diferente de homossexual ou bissexual (n=39), devido à característica da variável independente, totalizando 937 participantes.

O inquérito de saúde LGBT+ foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE 34123920.9.0000.5149) e seguiu todas as recomendações do Conselho Nacional de Saúde.

Variável dependente

A variável dependente deste estudo foi o autorrelato de diagnóstico médico de depressão (sim, não), avaliado através da pergunta “Algum médico ou profissional da saúde já disse que você tem depressão?”.

Variável independente

A variável independente foi a homofobia internalizada, medida através da escala validada de Homofobia Internalizada para Gays e Lésbicas Brasileiros19, composta por 19 itens com escore de até 57 pontos. Cada item varia de 0-3 pontos (de “concordo totalmente” a “discordo totalmente”), sendo que os maiores escores representam maiores níveis de homofobia internalizada. A escala é dividida em dois domínios, sendo 15 itens relacionados à percepção interna de estigma (escore máximo de 45 pontos), como os itens “a homossexualidade é moralmente aceitável” e “sinto-me confortável ao falar sobre homossexualidade/bissexualidade num local público” e 4 itens relacionados à percepção social de opressão (escore máximo de 12 pontos), como os itens “a maioria das pessoas tem reações negativas à homossexualidade/bissexualidade” e “a discriminação contra gays e lésbicas ainda é comum”. Utilizou-se como ponto de corte os percentis de 80% para classificar o escore total e os escores por domínio em elevado ou não elevado.

Potenciais variáveis de confusão

Potenciais variáveis de confusão do estudo foram divididas em blocos de variáveis, nomeados de acordo com a teoria de estresse de minorias, conforme a seguir: (1) Circunstâncias socioeconômicas e tipo de minoria: orientação afetiva (homossexual ou bissexual), identidade de gênero (mulher cisgênero, homem cisgênero ou outras minorias de gênero), faixa etária (18-29 anos, 30-49 anos, ≥50 anos), escolaridade (ensino médio ou inferior, graduação incompleta ou completa, pós-graduação incompleta ou completa), raça/cor (preta/parda/outras, branca); (2) Estressores gerais e de minorias: solidão, classificada de acordo com o escore obtido pela 3-item UCLA Loneliness Scale20, que varia de 3 a 9, sendo que quanto maior o escore, maior o nível solidão (nenhuma (escore 3/4), leve (escore 5/7), severa (escore 8/9)), discriminação relacionada à orientação afetiva por familiares próximos, avaliada pela frequência de percepção de atitudes discriminatórias (nunca/algumas vezes, frequente); (3) Estratégias de enfrentamento e apoio social de profissionais: consumo de álcool, avaliado através da frequência semanal de consumo e doses em cada ocasião (não consume, até 2x/semana em doses baixas, até 2x/semana em doses elevadas (acima de 3 doses em uma ocasião), 3x/semana ou mais), tabagismo, considerando-se o consumo atual de cigarros (sim, não), sentir-se à vontade para se abrir com profissionais de saúde (sim, não), perceber interesse dos profissionais da saúde na qualidade do cuidado (sim, não).

Análise estatística

Para a análise de dados, primeiramente, foi realizada uma análise descritiva da amostra, considerando-se o teste qui-quadrado de Pearson para avaliar diferenças entre as frequências em cada categoria de depressão. A regressão de Poisson com variância robusta foi usada para estimar Razões de Prevalência (RP) brutas e ajustadas e seus intervalos de confiança de 95% (IC95%) para investigar a associação entre o escore elevado de homofobia internalizada e seus domínios e a depressão em minorias sexuais e de gênero. Todas as variáveis do estudo foram mantidas nos modelos ajustados, independentemente de significância estatística, adotando-se como critério a adequação ao modelo teórico proposto.

Baseado nos modelos ajustados, foram estimadas a diminuição da prevalência de depressão em cenários com escores de homofobia internalizada abaixo de 80% e cada um de seus domínios, através da fração atribuível populacional, a qual considera além da força de associação entre as variáveis, a prevalência da variável independente na população estudada. Todas as análises incluíram o procedimento de pós-estratificação com pesos por região geográfica, de acordo com a estimativa populacional da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2019)21. Adicionalmente, analisou-se separadamente as categorias de orientação afetiva homossexual e bissexual, já que elas podem diferir em relação à homofobia. Todas as análises estatísticas foram realizadas através do software Stata 17.0 SE (Stata-Corp., College Station, Texas, EUA).

Resultados

Dos 937 participantes incluídos neste trabalho, 11 não tinham informação acerca da depressão, perfazendo uma amostra final de 926 participantes. Destes, 219 (23,7%; IC95% 19,0-29,1) relataram ter diagnóstico médico para depressão. Os participantes eram principalmente homossexuais (75%) e homens cisgênero (57,2%). Todas as características sociodemográficas dos respondentes podem ser consultadas na Tabela 1. As características sociodemográficas que variaram de acordo com o convívio com filhos foram a faixa etária, raça/cor e presença de companheiro, sendo mais frequentes na faixa etária de 30-49 anos, entre pretos, pardos ou outra raça cor diferente de branca e naqueles que apresentam companheiro(a).

Tabela 1
Características dos participantes de acordo com o diagnóstico de depressão. Inquérito de saúde LGBT+, Brasil, agosto-novembro, 2020.

A Tabela 2 mostra os resultados dos modelos brutos e ajustados da associação entre homofobia internalizada e seus domínios e o diagnóstico de depressão em minorias sexuais e de gênero brasileiras. Considerando-se os modelos finais, somente o escore de homofobia internalizada total elevado foi positivamente associado à depressão (RP=1,70; IC95% 1,09-2,65).

Tabela 2
Modelos brutos e ajustados da associação entre homofobia internalizada e seus domínios e o diagnóstico de depressão em mulheres e homens homossexuais e bissexuais. Inquérito de saúde LGBT+, Brasil, agosto-novembro, 2020.

Apesar de não ter sido apresentado na Tabela 2, houve uma diferença significativa entre a prevalência de depressão nos indivíduos homossexuais e bissexuais (RP=0,54; IC95% 0,33-0,90, dados não mostrados), a qual foi menor entre os indivíduos bissexuais em relação aos homossexuais. Considerando isso e que a homofobia internalizada pode impactar mais frequentemente os indivíduos homossexuais do que os bissexuais, realizou-se os mesmos modelos sequenciais separadamente para cada categoria de orientação afetiva (homossexuais e bissexuais). Conforme mostrado pelos modelos finais apresentados na Tabela 3, a homofobia internalizada total associou-se positivamente à depressão apenas entre os indivíduos homossexuais (RP=1,80; IC95% 1,12-2,90). Nenhum dos domínios da homofobia internalizada associou-se independentemente à depressão.

Tabela 3
Modelos brutos e ajustados da associação entre homofobia internalizada e seus domínios e o diagnóstico de depressão segundo a orientação afetiva homossexual e bissexual. Inquérito de saúde LGBT+, Brasil, agosto-novembro, 2020.

A fim de quantificar a modificação na prevalência de depressão devido a uma diminuição do escore da homofobia internalizada total e seus domínios, foi plotado na Figura 1 a diferença da prevalência de depressão considerando o cenário observado e cenários com escores de homofobia internalizada abaixo de 80%. Em um cenário com escores de homofobia internalizada abaixo de 80%, a prevalência de depressão nos homossexuais tem um potencial de diminuição de 2,30% (IC95% 0,14-4,46), passando de 23,37% para 21,07%. Prevalências menores de depressão não foram observadas em cenários com escores de cada um dos domínios de homofobia internalizada abaixo de 80%.

Figura 1
Diminuição da prevalência de depressão considerando-se o cenário observado e cenários ideais com níveis mais baixos de homofobia internalizada e cada um de seus domínios entre mulheres e homens homossexuais. Inquérito de saúde LGBT+, Brasil, agosto-novembro, 2020, N=686.

Discussão

Este estudo encontrou uma alta prevalência de diagnóstico de depressão na população estudada, independentemente do nível de homofobia internalizada, e semelhante à prevalência reportada nos Estados Unidos2. Ainda, aqueles indivíduos com homofobia internalizada elevada foram mais propensos a apresentarem depressão, mostrando que escores de homofobia internalizada acima de 80% associam-se a maior prevalência de depressão nos indivíduos homossexuais.

Os principais achados deste estudo corroboram estudos anteriores, que evidenciaram uma associação positiva entre a homofobia internalizada e a depressão14-17. A explicação biológica para esta associação é pautada no fato de que experiências de estigma e preconceito geram sentimentos negativos e angustiantes (estresse)3, que são moderados por respostas psicológicas e comportamentais adaptativas, reguladas pelo sistema nervoso22. A regulação do sistema nervoso fica comprometida quando há depressão, causando uma desregulação hormonal22, e gera um ciclo entre desregulação hormonal, estresse crônico e início e desenvolvimento da depressão23. Esse ciclo gera uma piora da saúde física12 e mental13, caso não haja controle do mecanismo de estresse ou controle dos danos causados pela depressão.

Baseada nessa explicação, a ciência médica, ainda muito influenciada pelo paradigma biomédico, por vezes oferece soluções para a depressão de forma não integralizada, utilizando medicamentos de diversas classes24 e/ou psicoterapia (psicanálise, cognitivo comportamental e várias outras linhas). Entretanto, a partir de avanços no entendimento do ser humano através do paradigma da complexidade biopsicosocioespiritual25, no qual os processos de adoecimento são entendidos como resultado de uma interação de fatores (biológicos, espirituais, socioculturais, psicológicos, existenciais e ambientais), entende-se que os mecanismos para reduzir a depressão devem ser múltiplos.

Neste sentido, considerando fatores socioculturais e ambientais, este estudo demostra que ações de saúde coletiva precisam ser focadas no combate à homofobia internalizada de modo geral. Essas ações não devem ser apenas a nível individual, tratando consequências biológicas da homofobia internalizada, e, sim, ampliar seu escopo a organismos sociais. Afinal, a homofobia é internalizada a partir das vivências homofóbicas vividas em família e sociedade.

É válido lembrar que a sociedade engloba os serviços de saúde. Deste modo, reforça-se o uso da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, implantada em 2011, cujos objetivos englobam a eliminação da discriminação e do preconceito institucional26. Além do nível nacional, ações mais regionalizadas que respondam às especificidades locais também são importantes, como a Política Estadual de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais de Minas Gerais27, que ampliou o financiamento de ações em saúde voltadas para esta população.

Contudo, as populações de minorias sexuais e de gênero nem sempre são semelhantes em todas as suas características. Explorando mais a homofobia internalizada entre homossexuais e bissexuais, verificou-se que a homofobia internalizada associou-se positivamente à depressão apenas em indivíduos homossexuais. Diferentemente desses achados, um estudo anterior não encontrou diferença entre mulheres homossexuais e mulheres bissexuais17, enquanto outro estudo não encontrou níveis diferentes de homofobia internalizada entre homens homossexuais e bissexuais28. Apesar disso, um estudo conduzido na Holanda que avaliou os níveis gerais de saúde mental de indivíduos heterossexuais, bissexuais e homossexuais encontrou que os níveis gerais de saúde mental dos indivíduos bissexuais eram similares aos heterossexuais, que, por sua vez, eram melhores que os níveis dos indivíduos homossexuais29.

Algumas características podem explicar as diferenças encontradas entre homossexuais e bissexuais em relação à depressão, apesar de nem sempre serem encontradas na literatura, e, por vezes, serem divergentes30. A principal delas é o tipo de relacionamento social. Por pertencerem a uma sociedade cisheteronormativa, indivíduos bissexuais podem apresentar relacionamentos afetivos heterossexuais mais regularmente e, casualmente relacionar-se homoafetivamente31. Deste modo, a orientação afetiva bissexual é parcialmente escondida, fazendo com que esses indivíduos sofram menos episódios de discriminação do que indivíduos homossexuais, explicando parcialmente a ausência de associação entre homofobia internalizada e depressão em indivíduos bissexuais no presente estudo.

Ainda, os achados apontam que ações preventivas relacionadas à homofobia internalizada tem o potencial de diminuir 2,3% a depressão nas mulheres e homens homossexuais. Um estudo realizado em países da Europa demostrou que a falta de aceitação da sexualidade a nível da sociedade é um dos fatores que diminui o bem-estar subjetivo de indivíduos em relacionamento homoafetivo32. Além disso, o estigma familiar está diretamente associado a maior homofobia internalizada33 e ambos aumentam a depressão em indivíduos homossexuais28 e podem culminar em ideação suicida34.

A partir desses achados, algumas intervenções a nível estrutural já foram propostas para reduzir efeitos do estresse de minorias. Destaca-se a criação de organizações que gerem “espaços seguros” para homossexuais, o aumento da visibilidade de minorias sexuais nas mídias e espaços físicos e o ensinamento sobre o “privilégio heterossexual” em escolas e universidades35. Por fim, considerando que no Brasil, o domicílio principal local de ocorrência de violência devido à orientação afetiva10, fazer valer o atributo da atenção primária à saúde da orientação familiar é fundamental para a prevenção da homofobia internalizada e criação de mecanismos mais efetivos para lidar com o estigma e opressão.

Pontos fortes e limitações

Como pontos fortes, destaca-se o ineditismo da pesquisa em avaliar implicações da homofobia internalizada em minorias sexuais e de gênero brasileiras, considerando-se uma pesquisa realizada com participantes das cinco regiões brasileiras e uso de pós-estratificação na análise estatística.

Entretanto, como as limitações deste estudo, destaca-se o uso de uma amostra proveniente de uma pesquisa on-line, que se limita a participação da população em menor vulnerabilidade social devido ao acesso à internet, apesar de ser um método recorrente para acessar populações de difícil acesso. Segundo, a depressão foi avaliada através de autorrelato e, por isso, não se pode descartar a possibilidade de viés de informação gerando classificação erronia nos grupos de depressão ausente ou presente, no sentido de diminuição da força de associação. Terceiro, não se pode eliminar a possibilidade de causalidade reversa devido ao desenho do estudo, apesar de o modelo explicativo pressupor uma desregulação hormonal em ciclo, permitindo inferir a bidirecionalidade da associação encontrada. E, por último, como as diferenças das proporções de depressão em cada um dos domínios de homofobia internalizada foram pequenas, a ausência de associações por domínio, no presente estudo, pode ter sido pelo poder do teste insuficiente para o tamanho da amostra (<0,80). Deste modo, recomenda-se que estudos futuros com amostras maiores de minorias sexuais e de gênero explorem a associação entre depressão e os domínios da homofobia internalizada.

Conclusões

Os achados do presente estudo reforçam o papel crucial da homofobia internalizada na prevalência da depressão entre os indivíduos homossexuais. Deste modo, políticas públicas devem conter mecanismos que promovam sociedades com níveis reduzidos de homofobia entre os indivíduos homossexuais para promover a melhora da saúde mental de desses indivíduos.

Agradecimentos

TS Batista e FMP Tavares são bolsistas de iniciação científica financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

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  • Editores-chefes:
    Maria Cecília de Souza Minayo, Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Set 2024

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2023
  • Aceito
    27 Nov 2023
  • Publicado
    29 Nov 2023
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