Open-access Mackie B. Corra para ser feliz: como a corrida salvou minha vida. Rio de Janeiro: Harper Collins; 2019.

Mackie, B. . Corra para ser feliz: como a corrida salvou minha vida. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2019

Livros sobre as corridas de rua têm sido uma realidade no mercado editorial. Voltadas ao grande público, este mercado tem lançado histórias de pessoas que, famosas ou não, encontraram nesta prática regular de atividade física uma forma de encontrar saúde, bem-estar e qualidade de vida, tornando-se casos de sucesso capazes de servirem de exemplos a serem seguidos. A inclusão desta prática regular de atividade física serve também como fonte de narrativas, onde o gerenciamento de tempo do indivíduo se insere na trajetória de vida pessoal e profissional, que normalmente se mostra vencedora1. As conquistas no mundo das corridas podem ser consideradas retratos de um tempo, onde o feito é fazer mais rápido, mais distante, mesmo que poucos saibam disto1.

Livros com esta temática têm tratado da superação de indivíduos que encontraram na corrida de rua a resposta para males de nossa sociedade e de nossa recente e caótica urbanização, tais como o sedentarismo, o tabagismo e o consumo excessivo de álcool. Além, é claro, das questões voltadas para a saúde mental, e de doenças que estão relacionadas à ansiedade e ao estresse, tais como a depressão.

A obra da autora inglesa Bella Mackie teve sua edição brasileira lançada em 2019. Com o título inglês de Jog On: How running saved my life da edição de 2018, infere-se que há interesse comercial na tradução e editoração de temas referentes às corridas de rua no Brasil, sobretudo quando a corrida é o elemento motivacional para problemas de ordem pessoal e emocional. A capa, de cor azul e letras do livro em branco, é cercada por 6 desenhos de uma personagem feminina, que veste blusa rosa e calça de legging preta, fazendo, portanto, apelo majoritário ao público feminino2.

Dados sobre as 50 maiores corridas de rua indicam que, apenas em 2018, o número de concluintes destas provas alcançou a marca de 312.947 pessoas. Destas, 45% são do grupo feminino. Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte são as cidades com o maior número de corredores, alcançando média superior a 3.000 pessoas por prova, que vão desde os 5 km até chegar nas maratonas (42 km)2.

O livro aqui ora resenhado é uma oportunidade para que os pesquisadores das áreas do esporte e da saúde analisem como o mercado editorial tem tratado o estilo de vida saudável que as práticas regulares das atividades físicas podem vir a contribuir, sobretudo para pessoas que estão em dificuldades pessoais, familiares e profissionais e encontram-se em períodos críticos de crise emocional. A autora inclui a corrida de rua em sua vida como uma conquista de ordem pessoal, que de forma lenta vai sendo incluída em seu agitado cotidiano. A duração dos treinos começa com apenas dois minutos, mas são estes dois minutos que a fazem querer mais, e a impulsionam a treinar com afinco, para conseguir percorrer maiores distâncias. Livros como este levam à reflexão do papel do exercício físico e seu alcance para milhares de pessoas que estão com dificuldades emocionais, e encontram na formação de hábito da prática regular de corrida uma das formas de conquistar algum equilíbrio mental. Por sua abrangência e alcance, servem de motivação para um público que está pouco familiarizado com o universo das corridas, e no qual o livro é destinado.

A obra intercala as experiências de corrida da autora com os seus problemas enfrentados no cotidiano em uma das maiores metrópoles do mundo: Londres. Além disso, grande parte da obra utiliza-se de material acadêmico e jornalístico para dar suporte às situações que a autora quer descrever, tais como a incidência de doenças mentais, o sedentarismo da população, o “precário” sistema de saúde do Reino Unido e os benefícios da prática de atividade física em termos populacionais. Em termos de formato, a obra segue próximo ao livro de Drauzio Varella, em que as experiencias pessoais do médico se somam aos estudos acadêmicos, dando respaldo e legitimidade ao texto3.

A autora afirma que corrida de rua serviu de auxílio na melhoria de sua saúde mental e que encontrou nesta prática mais uma ajuda para as dificuldades em controlar suas crises psíquicas e dificuldades emocionais, sem, é claro, deixar de contar com o tratamento terapêutico e medicamentoso. O livro é uma boa oportunidade de estudar como a terapia e medicamentos se associam à atividade física, se tornando desta forma um triângulo regular de monitoramento e melhoria da saúde mental para indivíduos que expõem suas vidas pessoais, e as usam como exemplos bem-sucedidos na busca do equilíbrio e felicidade.

O nome do livro é sugestivo. Corra para ser feliz dá uma relevância do papel que a corrida de rua tem para a autora, e que se torna interessante de ser observado sobre o viés das narrativas que associam o esporte à saúde mental. O caminho percorrido por Mackie é em busca do autoconhecimento, na autoestima e na melhora dos seus relacionamentos interpessoais, reverberando para conquistas profissionais. A organização mental necessária para que os indivíduos mantenham regularidade nas corridas de rua e gerenciem melhor seu tempo se estendem para outras facetas de sua vida: consigo mesmo, na vida em família e nos ambientes profissionais, tais como outras obras disponíveis no mercado4.

As quase trezentas páginas do livro são divididas em 11 capítulos. Cada capítulo é precedido pela abreviação de quilômetro (km), fazendo crer, já desde o sumário, que a autora alcançará a marca de 11 quilômetros.

Os três primeiros capítulos são repletos de situações difíceis de serem enfrentadas. Separação conjugal, morte de entes queridos, colapsos nervosos. Pouco sobre corridas de rua e frequentes informações sobre doenças de ordem psicológica, havendo inclusive um pequeno verbete sobre as mais comuns, tendo como parâmetro a experiência da autora. Aos poucos, o texto vai incluindo as corridas de rua, que distância após distância e com tempos de duração crescentes, vão propiciando à Mackie a sensação de estar no controle de suas emoções. Correr foi o que a autora encontrou como primeiro passo para quebrar o ciclo de emoções e atitudes negativas que a faziam parecer estar no mesmo lugar. Não uma viagem, tão pouco uma ação voluntária. Correr. Nem que por apenas três minutos.

Os capítulos 4 e 5 são relacionados à formação do hábito de correr. Material esportivo, rotas, aplicativos tornam-se assuntos afetos a autora e ela credita a estes a sua melhora – lenta, gradual, com idas e vindas, típicas de quem está em tratamentos de longa duração como ela –, ao hábito de ir às ruas para correr. Há um salto qualitativo nas interpretações e a previsível demonstração de que a corrida, acabava por ser mais do que um hábito e, como lemos, correr se torna agora um “vício”.

No capítulo 6 há uma guinada significativa sobre as questões médicas e um engajamento da autora com o seu novo hábito: correr por locais de Londres desconhecidos e por outras cidades europeias também. Assm, este trecho traz relatos que se assemelham aos livros de corrida que aproximam os leitores do turismo esportivo, em que há um forte componente nos detalhes de ruas, praças, mares e áreas icônicas de grandes cidades5.

Em “Por que corremos?” e “Conheça seus limites”, respectivamente os capítulos 7 e 8, a autora vai elencando os motivos que a fazem continuar nesta atividade física. O relato pessoal nestes dois capítulos se soma a de outras pessoas que também justificam seus hábitos e razões para terem escolhido as corridas de rua.

Os três últimos capítulos contêm trechos sobre como a persistência em continuar praticando esta atividade física trouxeram ganhos emocionais. Assim, grande parte do final do livro tende a incorporar atividades de corrida com o estressante ambiente de trabalho escolhido como forma de viver de Mackie.

Finalizando, o livro ora resenhado pode ser estudado a partir do viés da saúde coletiva, notadamente na área de promoção da saúde, por criarem estratégias que associam a prática da atividade física ao bem-estar dos indivíduos que vivem em grandes concentrações urbanas e que mantêm uma rotina extenuante de trabalho. A prática regular da corrida de rua foi uma resposta que a autora encontrou para si em sua busca para suas inquietações e problemas psíquicos. Somado ao tratamento medicamentoso e à terapia, Bella Mackie mostra ao público como está superando suas dificuldades. Pesquisadores da área podem usar este livro para compreender como o mercado editorial relaciona atividade física e saúde mental quando se destina ao grande público. A questão do gerenciamento de tempo e das tomadas de decisão que afetam milhares de pessoas em busca de uma vida mais saudável – mas não sabem como podem começar –, tem em publicações como esta um bom exemplo. É necessário compreender qual tipo de mensagem livros como estes querem enviar, bem como o tipo de audiência que alcançam6.

Referências

  • 1 Paula AC. Alfredo Gomes: Vidas, vitórias e conquistas. São Paulo: Ixtlan; 2019.
  • 2 Blog do Recorrido. O raio X das 50 maiores corridas de rua no Brasil em 2018 [Internet]. Disponível em: https://infogram.com/raio-x-das-50-maiores-provas-do-brasil-em-2018-1gdx3pwk0wrrpgr
    » https://infogram.com/raio-x-das-50-maiores-provas-do-brasil-em-2018-1gdx3pwk0wrrpgr
  • 3 Varella D. Correr: o exercício, a cidade e o desafio da maratona. São Paulo: Companhia da Letras; 2015.
  • 4 Atalla M. Sua vida em movimento. São Paulo: Paralela; 2015.
  • 5 Xavier Filho S. Boston: a mais longa das maratonas. Porto Alegre: Arquipélago; 2018.
  • 6 Ribeiro C. Resenha de "Vidas corridas: o que grandes executivos viveram em suas maratonas do asfalto e da vida". Rev Inter Gest Desp 2017; 7(3):288-291.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Nov 2020
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