Open-access Nível de atividade física e fatores associados entre gestantes: estudo epidemiológico de base populacional

Resumo

Esta pesquisa teve como objetivo avaliar o nível de atividade física e identificar os fatores associados em gestantes assistidas na Atenção Primária à Saúde da cidade de Montes Claros - Minas Gerais (Brasil). Estudo epidemiológico, transversal, analítico, realizado com 1.279 gestantes. Utilizou-se questionário que contemplava variáveis socioeconômicas, ocupacionais, obstétricas, comportamentais, sociais, de saúde e emocionais. Também se aplicou o Questionário de Atividade Física para Gestantes. Realizou-se análise estatística descritiva e regressão logística multinominal com modelo hierarquizado. Verificou-se prevalência de inatividade física nas dimensões atividade física e lazer. O nível leve de atividade física foi associado aos fatores idade de 21 a 30 e até 20 anos, renda acima de dois salários-mínimos, trabalho assalariado e apego materno-fetal nível médio/alto. Renda de um a dois salários-mínimos e acima de dois salários, trabalho assalariado e por conta própria, sintomas de ansiedade e de estresse, apego materno-fetal médio/alto foram associados ao nível moderado/vigoroso. Aspectos multifatoriais devem ser considerados em estratégias de promoção da saúde direcionadas à prática de atividade física por gestantes.

Palavras-chave: Gestantes; Exercício físico; Atenção Primária à Saúde; Inquéritos epidemiológicos

Abstract

This research aimed to assess the level of physical activity and identify the associated factors in pregnant women assisted in primary health care in the city of Montes Claros, Minas Gerais (Brazil). This was an epidemiological, cross-sectional, analytical study, carried out with 1,279 pregnant women. Socioeconomic, occupational, obstetric, behavioral, social, health, and emotional variables were assessed using a questionnaire. The Physical Activity Questionnaire for Pregnant Women was also applied. Descriptive statistical analysis and multinominal logistic regression with a hierarchical model were performed. The prevalence of physical inactivity in the physical activity and leisure time dimensions was verified. A mild level of physical activity was associated with the variables such as age from 21 to 30 years and up to 20 years old, income above two minimum wages, salaried work, and maternal-fetal attachment at a medium/high level. Income from one to two minimum wages and above two wages, paid work and self-employment, anxiety and stress symptoms, and medium/high maternal-fetal attachment were associated with the moderate/vigorous level. Multifactorial aspects must be considered in health promotion strategies directed to the practice of physical activity by pregnant women.

Key words: Pregnant women; Exercise; Primary health care; Health surveys

Introdução

A gestação é um período que envolve cuidados com a saúde materno-fetal, como a adoção de um estilo de vida saudável. A prática de atividade física nessa fase resulta implica benefícios para a gestante e para o feto1,2. Para a gestante, a atividade física garante a melhoria da circulação, da qualidade respiratória e do sono, fortalecimento do sistema endócrino e nervoso, assim como da musculatura das costas e das pernas, auxilia no controle do peso e na prevenção ou controle de diversas doenças e na melhoria da qualidade de vida e da autoestima2-5. Também estimula o crescimento placentário, propicia melhores condições de nascimento do bebê e recuperação mais rápida durante o período do pós-parto. Para o feto, a prática regular da atividade física resulta em benefícios como maior tolerância ao trabalho de parto vaginal, melhor neurodesenvolvimento e menor percentual de gordura corporal2,3,6,7.

Conforme o Guia de Atividade Física para a População Brasileira8, tal prática ainda contribui para o desenvolvimento humano e o bem-estar da gestante, ajudando-a a desfrutar de uma vida plena com melhor qualidade; promove relaxamento, divertimento e disposição. Reduz o risco de depressão; ajuda na inclusão social, na criação e fortalecimento de laços sociais, vínculos e solidariedade; e diminui o risco de prematuridade8.

No entanto, durante um longo período, houve receios em relação aos riscos de complicações para a mãe e o feto da prática de atividade física pelas gestantes9,10. Existe consenso de que a atividade física leve ou moderada e de forma regular durante a gestação apresenta riscos mínimos e beneficia a maioria das mulheres, com melhora do nível de aptidão física da gestante, desde que ela não tenha contraindicação médica para essa prática8-13. Há que se considerar a necessidade da continuidade de pesquisas sobre a segurança da atividade física para o feto, uma vez que a possibilidade de chegar a uma consonância permanece distante13.

Estudos internacionais evidenciaram a prevalência da prática insuficiente de atividade física durante a gestação. Pesquisa realizada com grávidas da África do Sul demonstrou que 65,1% não praticavam atividade física antes da gravidez, e 69,6% nunca praticaram atividade física em nenhum dos trimestres14. Na Alemanha, investigação conduzida com gestantes que apresentavam algum tipo de restrição para a atividade física verificou que 80% fizeram menos ou nenhum exercício durante a gravidez15. Em Cingapura, observou-se redução significativa no padrão de atividade física e no gasto total de energia de antes para durante a gravidez16. No Brasil, investigações têm demonstrado que a prática regular de atividade física pelas mulheres grávidas ainda é baixa se comparada com as não grávidas. Os resultados de trabalhos nacionais demonstram um alto índice de gestantes insuficientemente ativas17,18.

Há a necessidade de desmistificar a incompatibilidade da prática de atividade física nessa etapa do ciclo de vida e estimular a sua realização regular considerando a realidade em que a gestante está inserida, a fim de contribuir para melhoria das suas condições de saúde, qualidade de vida, minimizar os desconfortos da gestação e beneficiar a saúde fetal17,19-21.

Para tanto, é importante estimar a prevalência e identificar os fatores relacionados aos níveis de atividade física durante a gestação. Todavia, investigações que abordem essa temática ainda são incipientes, especialmente na região do norte de Minas Gerais. Diante disso, esta pesquisa teve como objetivo avaliar o nível de atividade física e identificar os fatores associados em gestantes assistidas na Atenção Primária à Saúde (APS) da cidade de Montes Claros - Minas Gerais (Brasil).

Métodos

Trata-se de um estudo epidemiológico observacional de base populacional, transversal e analítico. Este trabalho é um recorte da pesquisa matriz intitulada “Estudo ALGE - Avaliação das condições de saúde das gestantes de Montes Claros - MG: estudo longitudinal”. Foram seguidas as recomendações do “STROBE - Strengthening the reporting of observational studies in epidemiology22.

A população desta pesquisa foi constituída pelas gestantes cadastradas nas equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) da zona urbana do município de Montes Claros em 2018. O tamanho da amostra foi estabelecido visando estimar parâmetros populacionais com prevalência de 50% (para maximizar o tamanho amostral e devido ao projeto contemplar diversos eventos), intervalo de 95% de confiança (IC95%), e nível de precisão de 2,0%. Fez-se correção para população finita (n = 1.661 gestantes) e se estabeleceu também um acréscimo de 20% para compensar as possíveis não respostas e perdas. Os cálculos evidenciaram a necessidade de participação de, no mínimo, 1.180 gestantes.

O Estudo ALGE visou analisar uma série de variáveis-desfechos com diversas variáveis independentes, não sendo possível calcular uma medida de associação anteriormente. A população foi de 1.661 mulheres e a amostra entrevistada incluiu 1.279 (superior à quantidade mínima indicada no cálculo amostral), logo foi analisada a maior parte do contingente populacional.

Para a seleção da amostra foram considerados todos os polos da ESF do município, que totalizavam 15 no período desta pesquisa e entre os quais estavam distribuídas 125 equipes de saúde da família. O número de gestantes amostradas em cada polo foi proporcional à sua representatividade em relação à população total de gestantes cadastradas. Todas as cadastradas nos polos foram convidadas a participar do projeto.

Quanto ao processo de coleta de dados, inicialmente fez-se contato com os gestores da coordenação da APS do município, para sensibilização e explicação sobre o propósito da pesquisa. Após a anuência, as equipes de saúde da família também foram visitadas pelos pesquisadores para esclarecimentos sobre o estudo. Os profissionais dessas equipes responsáveis pelo pré-natal forneceram uma lista das gestantes de sua área de abrangência, contendo os nomes, telefones e endereços delas. De posse dessas listas, uma equipe de entrevistadores fez o contato telefônico inicial com as mulheres, quando houve uma abordagem com o convite e a sensibilização a respeito o estudo, para que em seguida fosse agendada e efetuada a coleta de dados.

A coleta aconteceu entre outubro de 2018 e novembro de 2019, nas unidades de saúde da ESF ou nos domicílios das participantes, conforme a disponibilidade delas. Uma equipe multiprofissional formada por profissionais da área da saúde e por acadêmicos de iniciação científica foi responsável pelas entrevistas, que ocorreram face-a-face, com duração média de uma hora por entrevista.

Foram incluídas as gestantes que estavam cadastradas em uma equipe de saúde da família da APS, em qualquer idade gestacional. Foram excluídas as mulheres que estavam grávidas de gemelares e as que apresentavam comprometimento cognitivo, conforme informação do familiar e/ou da equipe da ESF.

Previamente à coleta de dados, foi realizada a capacitação dos entrevistadores, bem como um estudo piloto com gestantes cadastradas em uma unidade da ESF (que não foram incluídas nas análises do estudo), com o objetivo de padronizar os procedimentos da pesquisa.

Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário que contemplava as características socioeconômicas (escolaridade, renda familiar em salários mínimos - R$ 998,00 à época da pesquisa, idade materna, situação conjugal), ocupacionais (trabalho materno), obstétricas (número de filhos), comportamentais (tabagismo e consumo de álcool), sociais (apoio familiar e social), de saúde (estado nutricional pré-gravídico) e emocionais (apego materno-fetal, ansiedade, estresse, autoestima e imagem corporal). O Questionário de Atividade Física para Gestantes (QAFG) foi adotado para avaliar os níveis de atividade física nas categorias geral, tarefas domésticas, cuidar de pessoas, esporte e exercício, ocupação e lazer. Os dados antropométricos foram obtidos por meio da cópia dos registros da Caderneta da Gestante (Quadro 1).

Quadro 1
Níveis de atividade física e variáveis investigadas, segundo medidas, categorias e instrumentos adotados no estudo com amostra de gestantes assistidas na Atenção Primária à Saúde. Montes Claros, MG, Brasil, 2018/2019.

No intuito de observar a percepção da gestante sobre a função familiar, aplicou-se o instrumento nomeado APGAR Familiar, que sinaliza o cumprimento de parâmetros básicos definidos pelo acrônimo APGAR: A - adaptação (adaptation); P - participação (participation); G - crescimento (growth); A - afeição (affection); R - resolução (resolution). O questionário apresenta cinco perguntas com três possibilidades de respostas cada uma e pontuação que varia de zero a dois pontos - sempre (2), algumas vezes (1) e nunca (0)23-25. Desse modo, o somatório é de zero a dez pontos, quanto mais elevado, maior a satisfação do participante. Procedeu-se à categorização em “família funcional” (pontuação de 7-10) e “família disfuncional” (< 6)25.

Para mensurar a presença de apoio social, foi empregada a versão brasileira da Escala de Apoio Social, composta por 19 questões que compreendem cinco dimensões: material, afetiva, emocional, interação social positiva e informação. Para cada item, a participante indica com que frequência considera cada tipo de apoio, por meio de uma escala tipo likert: nunca (1), raramente (2), às vezes (3), quase sempre (4) e sempre (5). Quanto mais próximo de 100 for o escore final, melhor o apoio social percebido26. O escore geral da escala foi calculado pelo escore total dos 19 itens e se considerou como alto apoio social o resultado acima de 66, que corresponde ao segundo tercil27.

O QAFG é um questionário que avalia o gasto energético da gestante, em MET (equivalente metabólico), adaptado para a população brasileira em 2009, que se calcula tendo como base o tempo gasto nas 31 atividades habitualmente realizadas como tarefas domésticas (cinco atividades), cuidar de outras pessoas (seis atividades), ocupação (cinco atividades), esportes e exercício (nove atividades), locomoção (três atividades) e lazer (três atividades)34,35. O instrumento foi adaptado e validado para uso em gestantes no Brasil por Silva35, em que está disponível em seu formato completo.

A estimativa de intensidade do QAFG para as atividades de leve intensidade até vigorosa resultam da média de MET/hora por semana para o total da atividade. Cada atividade foi classificada pela sua intensidade: inativa fisicamente (< 1,5 METs), leve (1,5-< 3,0 METs), moderada (3,0-6,0 METs) ou vigorosa (> 6,0 METs). Essas questões são procedentes dos trabalhos de Chasan-Taber et al.36,37; baseiam-se no compendium de Roberts et al.38 para representar as atividades físicas, andar e tarefas domésticas; e em Ainsworth et al.39 para encontrar a intensidade das demais atividades (para a população geral) do questionário. O número de minutos gastos em cada atividade foi multiplicado pela sua intensidade, em MET, e somado para ser apresentado na forma de gasto energético semanal (MET-hrs/wk)35.

Os valores específicos em MET indicados em todas as perguntas, segue o padrão (questão: MET: valor) [3:2,5], [4:2,0], [5:3,0], [6:2,7], [7:4,0], [8:3,0] [9:4,0], [10:1,8], [11:1,0], [12:3,2], [13:2,5], [14:2,3], [15:3,0], [16:4,5], [17:2,5], [18:4,0] , [19:1,5] , [20:3,5], [21:5,0], [22:6,0], [23:7,0], [24:3,5], [25:6,0], [26:4,5], [27:Ver compendium38], [28: Ver compendium38], [29:1,8], [30:3,0], [ 31:2,0], [32:4,0], [33:3,3]34,35.

O cálculo foi realizado observando as orientações a seguir. Para as questões 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 17, 18 e 19 a contagem de duração seguiu correspondendo às categorias de duração 0 - 0,25 - 0,75 - 1,5 - 2,5 - 3,0, multiplicando o valor encontrado por sete dias na semana. Já nas questões 11, 29, 30, 31, 32 e 33, os tempos de duração correspondem a 0 - 0,25 - 1,25 - 3,0 - 5,0 - 6,0, multiplicando os valores por sete dias na semana. Quanto às questões 15, 16, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28, estas correspondem à duração nas faixas de tempo 0 - 0,25 - 0,75 - 1,5 - 2,5 - 3,0, sendo que esses valores já estão em forma semanal então não precisam ser multiplicados por sete dias34,35.

Os dados coletados foram organizados e analisados no software IBM SPSS Statistics versão 22.0 para Windows. Primeiramente, efetuou-se dupla verificação.

Foram processadas análises descritivas por meio da frequência absoluta e percentual e das medidas de tendência central. Em seguida foram realizadas as análises bivariadas entre a variável desfecho (nível de atividade física na gestação) e cada variável independente (fatores sociodemográficos, fatores ocupacionais, fatores obstétricos, fatores comportamentais, aspectos sociais, condições de saúde e condições emocionais) por meio do teste de qui-quadrado para verificar a associação entre elas. As variáveis que apresentaram nível descritivo (valor p) de até 20% foram selecionadas para análise múltipla. Utilizou-se o modelo de regressão logística multinomial hierarquizada, seguindo o esquema apresentado naFigura 1, composto por blocos de variáveis em níveis distal (escolaridade, renda familiar, idade materna, situação conjugal, trabalho materno e número de filhos), intermediário (tabagismo, consumo de álcool, APGAR familiar e apoio social) e proximal (estado nutricional pré-gravídico, apego materno-fetal, ansiedade, estresse, autoestima e imagem corporal).

Figura 1
Modelo teórico hierarquizado dos possíveis fatores associados ao nível de atividade física em gestantes assistidas na Atenção Primária à Saúde.

O bloco das características sociodemográficas, ocupacionais e obstétricas foram os primeiros a serem incluídos no modelo, permanecendo como fator de ajuste para os níveis intermediário e proximal. Posteriormente, foram incluídas as variáveis do nível intermediário (fatores comportamentais e aspectos sociais),permanecendo como fator de ajuste para as variáveis do nível proximal. Por último, foram incluídas as variáveis do nível proximal (condições de saúde e emocionais). Em todos os níveis permaneceram no modelo somente aquelas variáveis que apresentaram nível descritivo p ≤ 0,05 após ajuste para as variáveis dos níveis anteriores. Foram estimadas odds ratio (OR) ajustadas, com seus respectivos IC95%.

O projeto desta investigação foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, por meio do Parecer Consubstanciado nº 2.483.623/2018. As participantes deram sua aquiescência por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e no caso das menores de idade, aplicou-se o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE). Também houve a concordância formal da Coordenação da APS da Secretaria Municipal de Saúde, mediante Termo de Concordância da Instituição para Participação em Pesquisa e Ofício da instituição.

Resultados

Participaram do estudo 1.279 gestantes, sendo que a maior parte (48,7%) era da faixa etária de 21 a 30 anos. Em relação ao estado conjugal, 76,9% informaram ter um companheiro. Quanto à escolaridade, 64,9% haviam cursado o ensino médio. Observou-se que 44,9% da amostra tinha renda de menos de um salário-mínimo mensal. A maioria das participantes (56,4%) era dona de casa, “fazia bico” ou não exercia qualquer ocupação profissional. Quanto aos fatores obstétricos, 49,2% das mulheres tinham dois filhos ou mais. As demais características constam na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da amostra e análise bivariada para os níveis de atividade física em gestantes assistidas na Atenção Primária à Saúde. Montes Claros, MG, Brasil, 2018/2019 (n = 1.279).

As variáveis independentes que apresentaram, na análise bivariada, p-valor ≤ 0,20, idade (p = 0,002), escolaridade (p < 0,001), renda familiar (p < 0,001), trabalho materno (p < 0,001), número de filhos (p = 0,032), apego materno-fetal (p = 0,155), ansiedade (p < 0,001), estresse (p = 0,017) e autoestima (p = 0,133) foram incluídas no modelo múltiplo (Tabela 1).

A Tabela 2 apresenta a classificação dos níveis de atividade física das gestantes de forma geral e nas seguintes dimensões: tarefas domésticas, cuidar de pessoas, ocupação, esporte e exercício, locomoção e lazer. Observou-se que 23,2% foram classificadas como inativas fisicamente no domínio geral. No domínio tarefas domésticas, 64,9% das pesquisadas apresentaram padrão classificado como inativo fisicamente. Quanto à categoria atividade física relacionada com o cuidar, 89,0% das que fazem essa atividade foram classificadas como inativas fisicamente. No domínio ocupação, 36,5% das gestantes foram consideradas como inativas fisicamente. Nas categorias esporte e locomoção, respectivamente, 93,1% e 93,2% foram inativas fisicamente, enquanto 41,4% foram tidas como inativas no domínio lazer.

Tabela 2
Classificação dos níveis de atividade física das gestantes assistidas na Atenção Primária à Saúde por domínio. Montes Claros, MG, Brasil, 2018/2019 (n = 1.279).

Considerando o nível inativa fisicamente como referência para a variável dependente, os resultados da regressão logística multinomial indicaram evidência estatística de associação do nível leve com as variáveis idade de 21 a 30 anos (OR = 1,52; p = 0,047) e até 20 (OR = 1,82; p = 0,018), renda acima de dois salários (OR = 2,26; p = 0,020), trabalho assalariado (OR = 1,74; p = 0,027) e apego materno-fetal nível médio/alto (OR = 1,53; p = 0,018). As variáveis renda de um a dois salários-mínimos (OR = 2,53; p = 0,006), acima de dois salários (OR = 3,51; p = 0,002), trabalho assalariado (OR = 4,59; p < 0,001) e autônomo (OR = 2,44; p = 0,007), ansiedade alto nível (OR = 2,20; p < 0,001), presença de sintomas de estresse (OR = 1,89; p = 0,015) e apego materno-fetal médio/alto (OR = 1,52; p = 0,034) estiveram associadas ao nível moderado/vigoroso de atividade física (Tabela 3).

Tabela 3
Modelo ajustado de regressão logística mutinomial dos fatores associados aos níveis de atividade física em gestantes assistidas na Atenção Primária à Saúde. Montes Claros, MG, Brasil, 2018/2019 (n = 1.279).

Discussão

O presente inquérito epidemiológico propiciou uma análise da realização de atividade física e dos fatores associados entre as gestantes assistidas pelas equipes da ESF. De acordo com os achados, aproximadamente metade delas praticava atividade física leve e um terço teve como resultado moderado/vigoroso no domínio geral. Nesse mesmo domínio e nos demais, parcela expressiva das participantes foi considerada inativa fisicamente. Foram constatadas as seguintes evidências estatísticas de associação: o nível leve de atividade física foi associado aos fatores idade de 21 a 30 e até 20 anos, renda acima de dois salários-mínimos, trabalho assalariado e apego materno-fetal nível médio/alto. A renda de um a dois salários-mínimos e acima de dois salários, o trabalho assalariado e por conta própria, a presença de sintomas de ansiedade e de estresse, além do apego materno-fetal médio/alto, foram fatores associados ao nível moderado/vigoroso.

Tais resultados são relevantes, pois propiciam o reconhecimento dos fatores que dificultam a adoção de um estilo de vida mais ativo fisicamente40. A prática de atividade física está relacionada a desfechos positivos para a saúde da mulher e da criança que irá nascer, como o menor risco para o desenvolvimento de diabetes gestacional, hipertensão, excesso de ganho de peso gestacional, pré-eclâmpsia e sintomas de depressão. Não há evidência, até o momento, de efeitos negativos da atividade física de intensidade moderada em gestantes saudáveis41,42. É amplamente defendido que, na ausência de complicações obstétricas, deve ser incentivada a continuidade ou o início da atividade física segura. Tendo em vista que esse comportamento contribui para a prevenção de eventos negativos e a promoção da saúde, ele também é benéfico para o sistema de saúde41,43. A ESF é um cenário estratégico para ações de promoção de práticas corporais e da atividade física41. Torna-se necessária a atenção pré-natal multiprofissional, com a inclusão do profissional de educação física na APS para orientar a adoção de comportamentos relacionados à saúde40.

Os resultados deste trabalho indicaram a baixa prevalência de atividade física entre as participantes. Em unidades básicas de saúde de Fortaleza (Ceará, Brasil) também se identificou nível de gasto energético leve em uma parcela considerável (51,4%)35. Investigação em Rio Grande (RS, Brasil) também verificou que aproximadamente um terço (32,8%) da amostra investigada relatou praticar alguma atividade física44. Pesquisa com gestantes residentes em Vitória da Conquista (Bahia, Brasil) classificou como inativas fisicamente 52% das pesquisadas17. As comparações entre as prevalências devem ser vistas com ponderação, devido às diferenças populacionais, culturais e metodológicas nos diversos cenários de estudo.

Os desconfortos físicos desencadeados pelos ajustes orgânicos da gestação e as concepções da sociedade que cultua a redução da atividade física nessa fase como cuidado podem explicar a expressiva prevalência de inatividade física. A implantação e desenvolvimento de políticas públicas com enfoque na orientação e incentivo de tal atividade para esse grupo devem ser considerados para superar esses desafios representados pelas questões físicas e culturais20.

Quando agrupadas um conjunto de questões que buscam identificar o tempo diário em dispêndio energético nas diversas situações da vida diária em forma de atividade física, constatou-se na categoria lazer a maior representatividade de gasto energético, com cerca de um terço das pesquisadas na classificação moderada/vigorosa de atividade física. Esse resultado diverge do de pesquisa com gestantes de baixo risco assistidas na APS de Fortaleza, que referiu o maior gasto energético na categoria tarefas domésticas, com 54,4% no nível moderado/vigoroso35.

Na categoria esporte e exercício, 93,1% das entrevistadas foram classificadas como inativas fisicamente, resultados semelhantes aos encontrados em investigação realizada com mulheres entre a 20ª e 28ª semanas de gestação, acompanhadas na assistência pré-natal de unidades básicas de saúde no município de Manaus (AM, Brasil)45. A elevada prevalência de inatividade no referido domínio pode significar que a gestante não pratica atividade física sistematizada, com intensidade, frequência e duração recomendada4.

A prática de atividade física leve foi significativamente mais frequente nas gestantes com menor faixa etária, resultado semelhante aos encontrados em Pelotas (RS, Brasil)46, Bristol (Inglaterra)47 e Beirute (Líbano)48. A possível explicação para a relação entre menor idade e prática de atividade física durante a gestação pode ser devido ao fato de as mulheres mais jovens se preocuparem mais com a imagem corporal e em adotar um estilo de vida mais saudável, reconhecendo assim a contribuição da atividade física regular e orientada no período gestacional.

A prática de atividade física no nível leve e no nível moderado/vigoroso apresentou evidência estatística de associação com os seguintes fatores: renda familiar, trabalho materno, ansiedade e apego materno-fetal. Observou-se entre as pesquisadas que a maior renda esteve associada à prática de atividade física nos níveis leve e moderada/vigorosa. Resultados divergentes foram observados em investigação conduzida com uma amostra de 1.171 gestantes de Cingapura, em que aquelas com maior renda familiar foram mais propensas a reduzir a atividade física16. Mas foram similares aos de pesquisa com gestantes atendidas na APS de Vitória da Conquista (BA, Brasil), em que a renda maior que dois salários-mínimos se comportou como fator de proteção para maior nível de prática de exercícios físicos17.

A baixa renda familiar apresentou evidência estatística de associação com uma probabilidade três vezes mais alta de inatividade física em estudo transversal realizado com uma amostra de 400 gestantes em pré-natal de alto risco de Massachusetts (EUA)19. Investigação realizada com o objetivo de avaliar o status de atividade física em gestantes identificou que os índices variam segundo a renda familiar15. Também foi encontrada associação da prática de atividade física com idade e renda em estudo nos EUA com amostra de 1.280 gestantes49.

Pesquisa desenvolvida no município de Cruz das Almas (Bahia, Brasil) com a participação de mulheres em idade gestacional igual ou superior a 28 semanas encontrou a baixa renda como um dos determinantes da inatividade física na gravidez50. A explicação para a associação entre maior renda e atividade física pode ser devido ao conhecimento das gestantes sobre os exercícios apropriados para essa fase da vida, assim como maiores oportunidades de realização da mesma. A maior renda também proporciona às mulheres maior acesso ao conhecimento e compreensão sobre a importância da atividade física para a saúde e bem-estar das gestantes e de seus bebês51.

O trabalho materno assalariado foi associado à atividade física nos níveis leve e moderado/vigoroso, enquanto o trabalho autônomo esteve associado ao patamar moderado/vigoroso. Resultado que se contrapõe aos de estudo desenvolvido com gestantes de baixo risco assistidas na APS de Botucatu (SP, Brasil), que observou que o trabalho fora de casa reduziu a chance de atingir o nível de atividade recomendada18. Em estudo prospectivo em Recife (PE, Brasil), com gestantes obesas e com sobrepeso, ao se avaliar a variável trabalho/atividade ocupacional, observou-se um acréscimo médio em MET de 0,63 para as que trabalhavam, em relação às que não trabalhavam52.

O efeito positivo do trabalho materno sobre a prática de atividade física durante a gestação provavelmente decorre do fato de que as mulheres que exercem qualquer atividade profissional fora do lar podem valorizar mais sua saúde e reconhecer a importância do exercício físico para a saúde do bebê, assim como para manter e melhorar sua condição física e emocional durante a gravidez e na recuperação pós-parto. Acrescenta-se o fato de a atividade ocupacional proporcionar uma maior movimentação corporal e, consequentemente, gerar maior gasto energético52.

A presença de sintomas de ansiedade e estresse foi associada à realização de atividade física moderada/vigorosa. O alto nível de ansiedade também foi relacionado de forma limítrofe com a prática de atividades físicas leves. Esses resultados diferem do suposto a priori e destoam dos registrados em São Luís (MA, Brasil)53. Uma possível hipótese é que gestantes com tais sintomas tenham procurado se exercitar mais, após recomendações profissionais, como forma de cuidado da saúde mental. Há que se considerar a natureza transversal do atual inquérito, que não permite definir uma afirmação temporal e de causalidade para o resultado registrado. Desse modo, investigações de desenho longitudinal e de intervenção poderão melhor elucidar tal constatação.

Torna-se necessária uma ponderação a respeito da relação entre a prática de atividade física regular e a presença de sintomas de ansiedade e estresse. Isso porque a gestação é considerada um período na vida da mulher de maior vulnerabilidade no que diz respeito à saúde mental. Um estilo de vida ativo caracterizado por níveis mais altos de atividade física pode contribuir para a saúde psíquica das gestantes, diminuindo a ansiedade e o estresse. O bem-estar psicológico é desejável para a saúde materna e fetal, pode ter implicações positivas ao longo do desenvolvimento infantil e, posteriormente, na vida adulta42,54,55.

O maior apego materno-fetal também foi um fator que esteve associado à realização de atividade física nos níveis leve e moderado/vigoroso. Esse achado sugere que a atividade física é um comportamento de autocuidado, que pode proporcionar um sentimento geral de saúde e bem-estar físico. Constitui uma sensação que beneficia a adaptação à gravidez, a transição bem-sucedida para a maternidade e, por conseguinte, o vínculo afetivo com o feto54. O apego inclui comportamentos e sentimentos de cuidado, proteção e integração com o feto, expressa mediante afeto, emoções, percepções, preocupações e expectativas56. Apesar de esse construto ser um preditor de comportamentos da gestante, há lacunas de evidências acerca de sua influência na prática de atividade física.

Este trabalho apresenta algumas limitações. Uma delas foi o autorrelato, que pode ter sido afetado pela desejabilidade social e pelo viés de memória. Os resultados obtidos são válidos apenas para a população de gestantes assistidas nas unidades da ESF de Montes Claros, então extrapolações para outras populações não são possíveis. Sugere-se o desenvolvimento de outras pesquisas sobre a temática, com desenho longitudinal, para que expliquem relações de causa e efeito para as associações detectadas.

Apesar dessas limitações, vale salientar aspectos positivos deste inquérito. Para mensuração da atividade física e das variáveis relativas a construtos subjetivos, foram aplicados instrumentos validados no Brasil. A análise de regressão logística multinomial, com abordagem hierarquizada dos fatores averiguados, conferiu maior robustez e consistência à presente investigação. A amostra analisada foi expressiva e representativa da população, fortalecendo os resultados e as associações registradas. Os achados obtidos contribuem para agregar evidências epidemiológicas sobre a importância da avaliação da atividade física e de seus determinantes em gestantes.

Agradecimentos

Às gestantes participantes do Estudo ALGE. À equipe de entrevistadores que atuou na coleta e no banco de dados da pesquisa. À Coordenação da Atenção Primária à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Montes Claros - MG. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e à Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), por bolsas de Iniciação Científica concedidas aos acadêmicos envolvidos no projeto.

Referências

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  • Financiamento
    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), bolsa de Doutorado (código 001).

Editado por

  • Editores-chefes:
    Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2021
  • Aceito
    06 Jul 2022
  • Publicado
    08 Jul 2022
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