Open-access Teste da regra de equivalência energética para formigas de serapilheira: efeitos de diferentes métodos de estimativa de abundância em floresta ombrófila

Testing the energetic equivalence rule for litter ants: effects of different methods for abundance estimates in tropical rainforest

Resumos

A regra de equivalência energética (REE) propõe que o uso de energia independe do tamanho corporal da espécie. O tamanho e a abundância de formigas da serapilheira, coletadas em floresta ombrófila usando armadilhas pitfall e extrator de Winkler, foram usados no teste da REE. Os dados de abundância obtidos da extração de Winkler confirmaram a REE, enquanto os dados provenientes das armadilhas pitfall rejeitaram. A combinação das abundâncias estimadas pelas duas técnicas tanto aceitou quanto rejeitou a REE. Estudos posteriores deveriam focar a interação entre a técnica de coleta e o tipo de habitat no teste da REE para comunidades de formigas.

Macroecologia; tamanho corporal; pitfall; extrator de Winkler


The Energetic Equivalence Rule (EER) states that species tend to consume energy independent of their body size. Here, the EER was tested for litter ants using body size and abundance data. Rainforest ants were obtained using pitfall traps and Winkler extractor. The abundance data from the Winkler extractions confirmed the EER, while the pitfall traps rejected it. Combination of abundance from pitfall catches and Winkler extractions either confirmed or rejected the EER. Further studies should focus on the interaction between sampling techniques and habitat types in the test of EER for ant communities.

Macroecology; body size; pitfall; Winkler extractor


SCIENTIFIC NOTE

André B VargasI; Jarbas M QueirozII; Antônio J Mayhé-NunesIV; Guilherme O SouzaIII; Elaine F RamosIII

IPrograma de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Florestais

IIDepto. de Ciências Ambientais, Instituto de Florestas, Univ. Federal Rural do Rio de Janeiro, 23890-971, Seropédica, RJ; andrebvargas@yahoo.com.br; jarbas@ufrrj.br IIIPrograma de Pós-Graduação em Biologia Animal

IVDepto. de Biologia Animal, Instituto de Biologia, Univ. Federal Rural do Rio de Janeiro; amayhe@ufrrj.br; elafolly@yahoo.com.br; biogui@bol.com.br

RESUMO

A regra de equivalência energética (REE) propõe que o uso de energia independe do tamanho corporal da espécie. O tamanho e a abundância de formigas da serapilheira, coletadas em floresta ombrófila usando armadilhas pitfall e extrator de Winkler, foram usados no teste da REE. Os dados de abundância obtidos da extração de Winkler confirmaram a REE, enquanto os dados provenientes das armadilhas pitfall rejeitaram. A combinação das abundâncias estimadas pelas duas técnicas tanto aceitou quanto rejeitou a REE. Estudos posteriores deveriam focar a interação entre a técnica de coleta e o tipo de habitat no teste da REE para comunidades de formigas.

Palavras-chave: Macroecologia, tamanho corporal, pitfall, extrator de Winkler

ABSTRACT

The Energetic Equivalence Rule (EER) states that species tend to consume energy independent of their body size. Here, the EER was tested for litter ants using body size and abundance data. Rainforest ants were obtained using pitfall traps and Winkler extractor. The abundance data from the Winkler extractions confirmed the EER, while the pitfall traps rejected it. Combination of abundance from pitfall catches and Winkler extractions either confirmed or rejected the EER. Further studies should focus on the interaction between sampling techniques and habitat types in the test of EER for ant communities.

Key words: Macroecology, body size, pitfall, Winkler extractor

A regra de equivalência energética (REE) é uma generalização de estudos macroecológicos sugerindo que espécies animais de diferentes tamanhos utilizariam a mesma quantidade de energia (Bini et al 2001). Para mamíferos terrestres existe uma relação linear entre os logaritmos da densidade e do tamanho corporal, com coeficiente angular de -0,75 (Damuth 1981). No entanto, se houver superestimativa da abundância de espécies grandes ou pequenas, pode-se chegar a conclusões equivocadas sobre o uso de energia pela comunidade (Arneberg & Andersen 2003).

As armadilhas pitfall são muito usadas no estudo de formigas de serapilheira, sendo fáceis de operar e eficientes na amostragem em ambientes com menor abundância de serapilheira (Romero & Jaffe 1989, Parr & Chown 2001, Lopes & Vasconcelos 2008). Mas a técnica é pouco eficiente para espécies de comportamento críptico e que se movimentam pouco (Greenslade 1973, Majer, 1997). Outra técnica, o extrator de Winkler, permite amostrar mais espécies, incluindo algumas não capturadas nos pitfalls (Bestelmeyer et al 2000, Fisher et al 2000). As tendências dessas técnicas em estudos macroecológicos, que envolvam o teste da REE, ainda são desconhecidas. O objetivo deste trabalho foi o de comparar as duas técnicas no teste da REE para formigas em floresta ombrófila.

Em um transecto de 1.200 m de comprimento, foram tomadas 50 amostras de 1 m2 de serapilheira e 50 amostras com armadilhas pitfall em floresta ombrófila densa submontana, na Reserva Biológica do Tinguá (22°34'28''S 43°24'57''W). As amostras de serapilheira foram distribuídas com espaçamento de 50 m, 25 m para cada lado do transecto, e entre essas, em iguais distâncias, instalou-se as armadilhas pitfall. O peneirado de serapilheira foi individualizado e submetido aos extratores de Winkler por 48h. As armadilhas pitfall consistiram em copos plásticos de 300 ml, com 7 cm de diâmetro, preenchidos com 100 ml de formalina 3%, que permaneceram no campo por 48h. O material testemunha foi depositado na Coleção Entomológica Costa Lima (CECL, UFRRJ).

Para inferir sobre o tamanho corporal das espécies, utilizou-se a medida de largura de cabeça (Holldobler & Wilson 1990, Parr & Chow 2001). Foram medidos até seis exemplares por espécie e um valor médio foi calculado. Como medida de abundância foi usado o número de amostras em que cada espécie ocorreu.

A REE foi testada, com o teste t para uma amostra, verificando se o coeficiente angular da regressão entre os logaritmos naturais das larguras de cabeça e das abundâncias das espécies diferia estatisticamente do valor previsto de -0,75 (Cunha et al 2003). Além disso, a média do tamanho de corpo das espécies capturadas em cada técnica foi comparada estatisticamente pelo teste t para duas amostras e das subfamílias mais representativas foi submetida ao teste não-paramétrico de Mann-Whitney.

Foram coletadas 111 espécies, sendo 99 espécies nos extratores de Winkler e 54 nos pitfalls. Quarenta e duas espécies foram comuns às duas técnicas, enquanto 57 foram obtidas exclusivamente nos extratores de Winkler e 12 nos pitfalls. Duas espécies foram excluídas das análises por dados incompletos. Em média, as espécies obtidas nos extratores de Winkler apresentaram largura da cabeça (0,70 ± 0,04 mm) semelhante àquelas dos pitfalls (0,85 ± 0,08 mm) (teste t; t = 1,474; P = 0,143, gl = 147). Já para as subfamílias com maior número de espécies e que ocorreram em ambas as técnicas, a diferença foi significativa para Ponerinae (Tabela 1).

Não houve relação entre os dados de abundância das espécies nos pitfalls e o tamanho do corpo (Regressão linear, P > 0,05) para o total de espécies ou usando apenas as espécies que também foram registradas nos extratores de Winkler, rejeitando-se a REE. A REE foi aceita com os dados de abundância dos extratores de Winkler para os dois casos: total de espécies e apenas as espécies também capturadas nos pitfalls (teste t para uma amostra; P > 0,05). Quando as abundâncias das espécies nas duas técnicas foram somadas, a REE foi confirmada para o total de espécies (teste t para uma amostra; P > 0,05), mas não para as espécies compartilhadas pelas duas técnicas (Regressão linear, P = 0,104). Portanto dos seis testes da REE realizados, três a confirmaram e três a rejeitaram (Fig 1). Considerando que a regressão no último caso citado acima ficou próxima ao nível de significância e que o coeficiente angular obtido de -0,448 não foi estatisticamente diferente do valor previsto de -0,75 (teste t para uma amostra; P > 0,05), os dados sugerem que a REE é rejeitada quando se analisa apenas as abundâncias produzidas pelos pitfalls.


Espécies que se locomovem mais tendem a cair mais nas armadilhas pitfall e podem escapar dos extratores de Winkler durante a peneiragem da serapilheira no campo. A própria malha da peneira do extrator de Winkler poderia limitar a passagem de espécies maiores, acarretando diferenças nas estimativas de abundância e tamanho das espécies. Isto já foi demonstrado para comunidades na savana africana (Parr & Chown 2001) e floresta tropical úmida (Olson 1991). No entanto, os dados apresentados aqui apenas sugerem uma tendência de espécies maiores nos pitfalls, comprovada para espécies de Ponerinae.

Os extratores de Winkler são mais eficientes, em termos de riqueza de espécies, onde a serapilheira é mais abundante (Parr & Chown 2001, Lopes & Vasconcelos 2008). Em fisionomias vegetais mais abertas, como as do cerrado brasileiro, a riqueza de espécies nos pitfalls é superior (Lopes & Vasconcelos 2008). Entretanto, não foi a captura de menor número de espécies nos pitfalls que levou a rejeição da REE. Comparando-se apenas as espécies que ocorreram nas amostras das duas técnicas, houve rejeição da REE para os dados de pitfalls e aceitação para os de coleta nos extratores de Winkler. Portanto, similar ao relatado em estudo para carabídeos (Arneberg & Andersen 2003), foram as estimativas de abundância, e não a presença ou ausência de determinadas espécies, que influenciaram os resultados. Como há evidências de que o tipo de ambiente influencia a eficiência das técnicas de coleta, resta saber se os mesmos resultados do teste da REE serão obtidos em estudos com comunidades de formigas em fisionomias vegetais mais abertas e com menor quantidade de serapilheira.

Agradecimentos

Ao revisor anônimo e a Rafael Dias Loyola pelas sugestões em versão prévia do manuscrito. Ao CNPq por apoio financeiro através dos processos 476588/2006-5 e 200592/2007-6. ABV é bolsista da FAPERJ e AJMN é bolsista do CNPq.

Received 15/IX/08.

Accepted 10/IX/09.

Edited by Fernando L Cônsoli

Referências bibliográficas

  • Arneberg P, Andersen J (2003) The energetic equivalence rule rejected because of a potentially common sampling error: evidence from carabid beetles. Oikos 101: 367-375.
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  • Romero H, Jaffe K (1989) A comparison of methods for sampling ants (Hymenoptera: Formicidae) in savannas. Biotropica 21: 348-352.
  • Teste da regra de equivalência energética para formigas de serapilheira: efeitos de diferentes métodos de estimativa de abundância em floresta ombrófila
    Testing the energetic equivalence rule for litter ants: effects of different methods for abundance estimates in tropical rainforest
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      10 Set 2009
    • Recebido
      15 Set 2008
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