Open-access Transição para maternidade e maternagem em mulheres cadeirantes: perspectiva da enfermagem

RESUMO

Objetivo:  Discutir o processo de transição para a maternidade e maternagem de mulheres cadeirantes na perspectiva de Afaf Ibrahim Meleis.

Método:  Estudo qualitativo, descritivo, exploratório, realizado com 6 mulheres cadeirantes residentes no estado do Rio de Janeiro. Utilizou-se o método Narrativa de Vida com análise temática à luz da Teoria da Transição.

Resultados:  Ocorreram as transições desenvolvimental e situacional, com influência de fatores pessoais, comunitários e sociais. Movidos principalmente por desconhecimento, preconceito da família e da rede social, esses fatores não foram impedimentos para o exercício da maternidade e da maternagem.

Considerações finais:  Os direitos reprodutivos da mulher cadeirante devem ser respeitados e, para isso, políticas transversais devem ser adotadas com práticas inclusivas às mulheres com deficiência.

Descritores: Pessoas com Deficiência; Mulheres; Gravidez; Relações Mãe-Filho; Cuidados de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:  To discuss the process of transition to motherhood and mothering of women who are wheelchair users, from the perspective of Afaf Ibrahim Meleis.

Method:  Qualitative, descriptive, exploratory study conducted with six women in the state of Rio de Janeiro. The Life Narrative method was used, with thematic analysis in the light of Transitions Theory.

Results:  Developmental and situational transitions occurred and were influenced by personal, community and social factor. Moved mainly by ignorance and prejudice of family members and of the social network, these factors were not barriers for motherhood and mothering.

Final Considerations:  The reproductive rights of women with disabilities must be respected and, for this, inclusive policies focused on women with disabilities should be adopted.

Descriptors: Disabled Persons; Women; Pregnancy; Mother-Child Relations; Nursing Care

RESUMEN

Objetivo:  Discutir el proceso de transición hacia la maternidad y el maternaje de mujeres usuarias de silla de ruedas según la perspectiva de Afaf Ibrahim Meleis.

Método:  Se trata de un estudio cualitativo, descriptivo, exploratorio, realizado entre 6 mujeres usuarias de silla de ruedas y residentes en el estado de Río de Janeiro. Se utilizó el método Narrativa de Vida con análisis temático a la luz de la Teoría de la Transición.

Resultados:  Se produjeron transiciones de desarrollo y de situación, influenciadas por factores personales, comunitarios y sociales. Movidos principalmente por el desconocimiento, el prejuicio de la familia y de la red social, estos factores no fueron un impedimento para el ejercicio de la maternidad y del maternaje.

Consideraciones finales:  Deben respetarse los derechos reproductivos de las mujeres con movilidad reducida y para lograr este cometido se hace necesario adoptar políticas transversales con prácticas inclusivas.

Descriptores: Personas con Movilidad Reducida; Mujeres; Embarazo; Relación Madre-Hijo; Cuidados de Enfermería

INTRODUÇÃO

A possibilidade de exercer a maternidade deixou de ser uma obrigatoriedade reprodutiva do casal e passou a ser um direito social, regulado e modulado por expectativas sociais de como deve ocorrer, quais as condições mais adequadas e, sem dúvida, quem pode idealmente ser mãe (1).

Ser mãe é um direito que transcende os processos biológicos. Por ser um evento que tem origem no corpo, a reprodução adquire significados diferentes em função da época e do contexto sociocultural nos quais acontece. Ocasiona nuances particulares de acordo com as condições de cada mulher (1).

A maternagem, diferentemente da maternidade, é obtida por meio da construção de vinculação afetiva da mãe com sua prole. Nela, existe um significado particular, influenciado por questões culturais, que confere expressividade na relação e no cuidado da díade mãe-filho, o que já não acontece com a maternidade, que é estabelecida por relações de sangue (2).

Da mesma forma, a relação mãe e filho assumiu novas configurações. Esse binômio maternidade-maternagem, enquanto construção sócio-histórica, pode justificar as conformidades maternas contemporâneas (3).

Fatores como idade, condição socioeconômica, saúde mental, características físicas e funcionais levam uma mulher a um processo de avaliação social que influencia a sua capacidade de se tornar apta ou não a desempenhar as responsabilidades de ser mãe. Tal cenário se potencializa em mulheres com deficiência (parte dos grupos tradicionalmente identificados como pouco aptos a exercerem a função materna), por não cumprirem as expectativas sociais de saúde e independência para exercer essa função (1).

A sociedade contemporânea pouco sabe sobre mulheres grávidas com dificuldades de locomoção (4) e, menos ainda, sobre mulheres cadeirantes que se tornaram mães. As escassas publicações direcionadas a essa população abordam aspectos biológicos e dificuldades inerentes às limitações impostas pela deficiência.

Pesquisa realizada na Turquia com 326 estudantes de obstetrícia (Midwifery) constatou que estes não se comunicavam ou tinham dificuldades para a comunicação com mulheres que apresentavam deficiência. Além disso, 96,9% desses alunos não possuíam formação acadêmica sobre problemas de saúde reprodutiva com essa clientela (5).

A enfermagem assume um importante papel, pois, além de oferecer o atendimento às necessidades integrais, preocupa-se também com as interferências das relações socioculturais no processo decisório e com a autonomia dessa mulher com deficiência, proporcionando, assim, uma rede de apoio (6).

Nessa perspectiva, utilizou-se como suporte teórico a teoria da transição, elaborada pela enfermeira Afaf Ibrahim Meleis, que define transição como a passagem de um período de estabilidade para outro período de estabilidade, intermediado por um período de instabilidade. Para fins de cuidado de enfermagem, esse período de instabilidade transicional é delimitado e analisado por várias etapas, sendo os principais a natureza, as condições facilitadoras e inibidoras de transição e os padrões de resposta (7-8).

Ressalta-se a relevância em realizar estudos com abordagem qualitativa que discutam aspectos relativos à maternidade e à maternagem não só de mulheres cadeirantes, mas de mulheres que apresentem qualquer tipo de deficiência.

OBJETIVO

Discutir o processo de transição da maternidade e maternagem de mulheres cadeirantes na perspectiva de Afaf Ibrahim Meleis.

MÉTODO

Aspectos Éticos

Este estudo é um recorte da dissertação de mestrado intitulada “Gestação sobre Rodas: assistência de saúde à mulher cadeirante durante o pré-natal, parto e nascimento”, que relacionou a questão da deficiência à maternidade, defendida na UFRJ/EEAN. O estudo mais amplo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EEAN/HESFA, em 29 de março de 2011. Todas as exigências éticas recomendadas pela Resolução 466/12 do CNS/MS foram asseguradas. Após a exposição dos objetivos e esclarecimentos sobre a pesquisa, as participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Referencial teórico-metodológico

Utilizou-se o método Narrativa de vida e adotou-se o referencial metodológico de Daniel Bertaux (9). O referencial teórico foi a Teoria da Transição, elaborada pela Enfermeira Afaf Ibrahim Meleis (8).

O fluxograma da Teoria da Transição compreende três fatores. Primeiramente, tem-se a natureza do tipo de transição sofrida pelo indivíduo, podendo ser desenvolvimental (relacionada ao ciclo da vida), situacional (mudança de papéis sociais e cuidado com a família), saúde-doença (processo de adoecimento) e organizacional (influências sociais, econômicas e organizacionais sobre o indivíduo). Depois, são observados os padrões, que ocorrem de forma única ou múltipla, sequencial e relacionada (7-8). Por último, há a propriedade da transição, que compreende a conscientização, o envolvimento com o precipitador da transição, a mudança e diferença, o espaço temporal e os eventos críticos (7).

Os facilitadores e inibidores incluem questões pessoais (significado, crenças, valores e condições socioeconômicas), comunitárias e sociais do indivíduo. Os padrões de resposta avaliam indicadores de progresso e indicadores de resultado dentro do processo de transição. Os primeiros analisam o sentimento de ligação com as redes sociais, a confiança e o enfrentamento, enquanto os últimos detêm-se sobre as habilidades e a identidade que o indivíduo assume ou não no processo de transição (7-8).

Tipo de Estudo

Trata-se de pesquisa descritiva, exploratória, de cunho qualitativo.

Participantes do estudo

Para seleção das participantes, adotou-se a técnica Bola de Neve (Snowball). Essa técnica é muito utilizada nas pesquisas sociais, na qual um indivíduo indica outro e assim sucessivamente, caracterizando um formato de uma bola de neve. É adotada para estabelecer ligações entre os membros de um determinado grupo e, assim, obter a partir da técnica uma amostra (10).

A amostra do estudo foi composta por 6 participantes. Os critérios de inclusão foram os seguintes: mulheres cadeirantes que engravidaram após a deficiência (independentemente da causa); residir no estado do Rio de Janeiro; e estar orientada auto e alopsiquicamente. Não foi estabelecida delimitação para paridade e nem idade dos filhos para inclusão na pesquisa. Os critérios de exclusão foram: ser menor de 18 anos e apresentar alguma doença mental.

Coleta e organização dos dados

Utilizou-se a entrevista aberta, com a seguinte pergunta norteadora: Fale a respeito de sua vida que tenha relação com a sua gestação e a assistência de saúde recebida durante o pré-natal, parto e nascimento. As entrevistas aconteceram no domicílio das depoentes, no período de maio a agosto de 2011, e foram realizadas até atingir o ponto de saturação (fenômeno através do qual o pesquisador tem a impressão de não apreender algo de novo referente ao objeto de estudo, a partir de certo número de entrevistas). A transcrição das entrevistas ocorreu de forma imediata para que pudesse ser identificado o ponto de saturação (9). Foi garantido o direito ao anonimato e à privacidade das participantes. Estas foram identificadas pela abreviação M (Mulheres) e dispostas em sequência, de acordo com a ordem de realização das entrevistas.

Análise das narrativas

A análise temática foi o processo analítico empregado (9). De posse do material empírico transcrito (narrativas), foram realizados a leitura flutuante inicial e o agrupamento por similaridade, permitindo que emergissem temas em comum. Após o agrupamento dos temas, foi feita nova leitura, com a realização da síntese que deu origem a uma categoria analítica e três subcategorias: Categoria 1 - Da mulher cadeirante para mãe cadeirante: assumindo novos papéis; Subcategoria 1 - Fatores facilitadores e inibidores encontrados pelas mulheres cadeirantes na transição para maternidade/maternagem; Subcategoria 2 - Padrões de respostas à transição para maternidade/maternagem pelas mulheres cadeirantes; Subcategoria 3 - A Terapêutica de Enfermagem às mulheres cadeirantes no processo transitório da maternidade/maternagem.

RESULTADOS

Todas as mulheres participantes da investigação tornaram-se cadeirantes após o nascimento: três por sequelas da poliomielite, duas por lesões traumáticas e uma por paralisia cerebral, levando-as para a condição de paraplegia e tetraplegia.

As narrativas evidenciaram que tanto a sociedade como alguns profissionais da comunidade científica desencorajam a mulher cadeirante à maternidade, como ocorreu com a primeira participante entrevistada. Ela foi esfaqueada aos nove anos e, por consequência, sofreu uma lesão medular.

Eu achava que nunca ia poder ter filho, até porque no meu último dia de hospital o médico ortopedista que cuidava de mim disse assim pra minha mãe: Mãe, a sua filha pode voltar a andar e parar de usar fralda, mas ela nunca vai poder ser mãe [...] . Eu já tinha aquilo gravado na minha mente desde os 15 anos. (M1)

Quatro mulheres definiram como primeiro fator de desincentivo à maternidade a orientação dos profissionais de saúde, justificado pela deficiência. A criação de estereótipo incapacitante da mulher cadeirante à maternidade interfere, inclusive, no seu julgamento e diagnóstico clínico, comprometendo a terapêutica.

Fizeram uma ultrassonografia transvaginal e viram o saco gestacional, mas falaram que era o balão da minha sonda. [...]Eles voltaram a fazer uma nova ultrassonografia. O mesmo médico que fez a outra disse que tinha errado, que era uma criança mesmo, que talvez ele tivesse usado a emoção dele no lugar da razão pelo fato dele não acreditar que uma tetraplégica pudesse estar grávida. (M2)

O senso comum da sociedade em relação às mulheres cadeirantes é um veículo castrador de papéis e conseguiu, por vezes, levar à crença de incapacidade das entrevistadas.

Quando eu engravidei [...] todo mundo achava que eu estava doente. Eu passava muito mal e emagreci demais[...]E todo mundo falava: Você vai morrer! Você está doente, você não está grávida! (M1)

Ainda que as narrativas das seis participantes apresentem uma sociedade normativa e castradora, houve felicitações da família para o exercício da maternidade dessa mulher cadeirante após o anúncio da gravidez. Sem embargo, as narrativas das mulheres revelaram, junto à manifestação de alegria da família, sentimentos como o medo e o receio devido à sua condição de cadeirante. Em alguns participantes, a baixa expectativa levou à reprovação da gravidez, culminando na dissolução matrimonial.

Já resolvi. Eu quero meu filho, foi eu que o escolhi, e se você não quiser ficar comigo você segue o seu destino. Foi a primeira vez que nos separamos [...]. (M5)

Diante de vários entraves percorridos pelas mulheres cadeirantes, observaram-se narrativas reconfortantes e acolhedoras pautadas na fé. O grande desejo de exercer a maternidade, a certeza de que iria engravidar e inclusive a escolha do nome do seu filho evidenciam a influência da religiosidade. A participante M5 não teve o apoio de seu marido, o qual justificou não estar preparado para ser pai. A fé foi um poderoso alicerce utilizado pelas mulheres cadeirantes, que encorajou e estimulou a efetivação da jornada maternal e a opção por ter seu filho sem a presença do pai, assumindo, assim, essa responsabilidade sozinha.

Eu engravidei e naquele dia eu sabia que ia engravidar, porque eu queria ser mãe. E naquele dia mesmo eu já sabia que ia ser um menino. E naquele dia mesmo eu já tinha escolhido o nome. E eu sou devota de São Jorge, porque eu sou espiritualista e naquele dia eu falei para mim mesma: Eu vou engravidar e o nome do meu filho vai ser Jorge. (M5)

No que tange ao processo de cuidar materno, a maioria das participantes sentiu-se desejosa pela maternidade e confiante sobre a perspectiva de cuidar de seus filhos. Apenas uma das participantes trouxe em sua narrativa o medo e a inquietação de não ser uma mãe suficientemente boa. Mesmo após engravidar, ainda permanecia com a ideia de não querer ter filhos, já que sua gestação não fora planejada. Engravidou de um amigo e escondeu a gravidez por um tempo com receio da reação da sua família e do rapaz. A deficiência não emergiu como justificativa para o desejo de não querer ter filhos.

Quando aconteceu de eu descobrir que estava grávida da minha primeira filha, eu não queria. [...] Até o meu oitavo mês, mais ou menos, aquilo me consumia de maneira diferente. Eu não me sentia mãe. (M6)

Três mulheres vivenciaram mais de uma vez a experiência de ter um filho. Uma ficou entusiasmada, diferentemente da primeira gravidez, que sentia medo de não ser uma mãe suficientemente boa. As outras duas se assustaram com a notícia, não pela deficiência, mas devido à pouca idade de suas primogênitas.

Subsequente ao processo gestacional, vem o desejo da gestante em possuir filhos saudáveis. Ainda que as pessoas do seu convívio tentassem dissuadir as entrevistadas do contrário, essas inquietações eram presentes e geravam expectativas negativas nos familiares e profissionais de saúde, inclusive sobre a possibilidade de não concluir a gestação ou de morte fetal.

As pessoas achavam que iam nascer todos “capenguinhas” [risos], todos andando de muletinhas [risos] . Eu acho que as pessoas acreditavam que os meus bebês já iam vir da maternidade de cadeira de rodas, de muleta. (M3)

As narrativas das entrevistadas remetem sentimento de maternagem, representado pelo vínculo mãe-bebê e pela força de superação dos obstáculos que lhes são impostos pelas limitações físicas, como cumprir as exigências maternas socialmente construídas. A negação da deficiência, como uma incapacidade no cuidado de seu filho, reforça o exercício da maternidade, exercido plenamente pelas entrevistadas.

Você é maluca. Como você vai cuidar de uma criança? Como você vai segurar ela para mamar? Mesmo eu, deficiente [...] eu posso fazer pela minha filha muito mais que muitas pessoas. Se ela quiser mamar de madrugada e eu estiver deitada, tenho que ter alguém para me ajudar. (M2)

Ainda que confiantes, as participantes relataram dificuldades ao regressarem ao domicílio com seu filho, principalmente em relação aos cuidados maternos. Em suas narrativas, evidencia-se que esse é um momento de adaptação mãe-filho, tal como ocorre com a mãe sem deficiência, que por vezes pode necessitar da ajuda de outra pessoa ou de um profissional para exercer a maternagem.

Precisa de alguém para estar te ajudando, pra cuidar do neném nas mamadas, para troca das fraldas. Porque não tem como, principalmente se for uma cesárea. Como é que uma pessoa cadeirante que faz uma força danada pra se levantar, pra sentar, vai fazer uma força enorme pra levantar com uma cirurgia? (M3)

DISCUSSÃO

Discutem-se, aqui, as vivências das mulheres cadeirantes que tiveram filhos, analisando-as sob a ótica da Teoria da Transição de Afaf Ibrahim Meleis, a partir dos seus quatro pilares: a natureza da transição, os fatores facilitadores e inibidores da transição, os padrões de resposta e a terapêutica de enfermagem.

Categoria 1- Da mulher cadeirante para mãe cadeirante: assumindo novos papéis

No diálogo textual com a teoria, foram aplicados os termos maternidade e maternagem como forma de distinguir a relação fisiológica e consanguínea entre a mãe e filho e a vinculação emocional desenvolvida através do processo de aproximação e acolhimento existente entre eles (3). As mulheres desde muito novas são socialmente convencidas de que a maternidade é algo necessário para que se sintam completas. Culturalmente, a maternidade torna-se naturalizada. Tanto como destino biológico quanto como valor social, a concepção faz parte do universo feminino (11). As narrativas evidenciaram que nessa realidade não se enquadra a mulher cadeirante.

Na Teoria da Transição, a natureza define o tipo de transição que foi precipitada no indivíduo, podendo ser desenvolvimental (relacionada ao ciclo da vida), situacional (mudança de papéis sociais e cuidado com a família), saúde–doença (processo de adoecimento) e organizacional (influências socioeconômica e organizacional sobre o indivíduo). Nessa etapa, ainda se incluem os padrões de transição que determinam se as transições são únicas ou múltiplas, sequenciais ou não e relacionadas ou não. A propriedade da transição é permeada por conscientização e envolvimento com o precipitador da transição, com a mudança e diferença, com o espaço temporal e com os eventos críticos (8).

A transição desenvolvimental descrita na teoria são as situações precipitadas e relacionadas com o ciclo da vida (8). Ela ocorreu em todas as mulheres participantes e se manifestou com a gestação, o parto, o nascimento de um filho e a passagem de mulher para mãe, assim como ocorre em mulheres não cadeirantes (2-8).

Todas as mulheres entrevistadas apresentaram algum tipo de deficiência física, favorecendo a uma condição especial, a uma situação adversa. Duas das entrevistadas (M5 e M6) tiveram que assumir o papel de mãe e pai, devido à ausência da figura paterna. M6 engravidou de um amigo e com o nascimento ocorreu o distanciamento entre eles. M5 se separou devido à não aceitação da gravidez por parte do pai. Essas situações caracterizam a transição situacional, tendo em vista as alterações de papéis a serem desempenhados, conforme apresentado na Figura 1(8).

Figura 1
Etapas da transição de mulheres cadeirantes com base no fluxograma da Teoria da Transição

Embora a condição de deficiência não esteja ligada diretamente nem fisiologicamente à condição de ser mãe e suas relações, a correlação entre maternidade e deficiência é incontestável, manifestando-se frequentemente nas narrativas das participantes. Dessa forma, consideram-se os padrões de transição como relacionados e múltiplos, pois há a ocorrência de mais de um tipo de transição. Além disso, pode-se considerá-los sequenciais, devido à vivência da transição situacional frente à transição desenvolvimental da gestação.

A consciência, primeira propriedade de transição, manifesta-se de forma consistente, tendo sido a maternidade desejada e até planejada por algumas das mulheres cadeirantes. No entanto, o envolvimento ocorreu de forma frágil a partir da gestação. Por conseguinte, a possibilidade da maternagem sofre questionamentos sobre a sua efetividade. Assim, sem a busca por informações, não há como debater sobre esses questionamentos.

O profissional de saúde deve traduzir os sentimentos que as mulheres apresentam, estando prontas ou não para maternar. As aproximações progressivas e o esclarecimento de suas dúvidas, frustrações e anseios irão facilitar o desenvolvimento da maternagem (12).

Estudos revelam que a maternidade das mulheres cadeirantes é a realização de um sonho e uma afirmação da sua feminilidade e autoestima. Entretanto, elas precisam empreender grandes esforços para responder às expectativas sociais para se tornarem mães suficientemente boas (13-14).

A mudança e a diferença referem-se, respectivamente, aos elementos perturbadores no processo de transição e às expectativas criadas a partir do processo de transição, supridas ou não (8). A mudança das mulheres cadeirantes ocorreu no momento da confirmação da gestação com as inquietações acerca do processo gravídico-puerperal. As propriedades de diferença reveladas foram positivas pela capacidade de gerar com deficiência e pelo cuidado com os seus filhos.

Ainda que a deficiência seja um demarcador de transição das participantes com foco no objeto estudado refletido no desejo maternal, o espaço temporal foi delimitado entre a descoberta da gestação e o retorno das atividades rotineiras no domicílio, associado ao contato com os filhos. Os eventos críticos que nortearam as transições das mulheres cadeirantes foram o processo gravídico-puerperal, a vinculação mãe-filho e o desejo ⁄ receio de cuidar dos seus filhos.

Em relação às propriedades de transição referentes ao desenvolvimento e às condições comunitárias, evidenciou-se a ausência de busca de saberes na tentativa de esclarecer acerca das demandas trazidas pelo processo gravídico, pela chegada de um filho e com o tornar-se mãe. Essa demanda não compreendida gera receio tanto na mulher cadeirante quanto na família.

Subcategoria 1.1 - Os fatores facilitadores e inibidores encontrados pelas mulheres cadeirantes na transição para maternidade/maternagem

As condições de transição são definidas por situações de ordem pessoal, comunitária e social que facilitam ou dificultam o processo de transição. Aos fatores pessoais, são atribuídos o significado, o preparo e o conhecimento para a transição e as condições socioeconômicas (8). O significado tanto da maternidade quanto da maternagem de todas as participantes foi facilitador, tendo em vista o desejo de ser mãe (exercendo seu papel de maternidade), bem como o desejo de maternar (caracterizado pela proteção, cuidado e vinculação com o bebê).

As crenças e valores são fatores que influenciam na construção cultural do indivíduo e no contexto social no qual está imerso (8). Neste estudo, tais fatores foram simultaneamente facilitadores e inibidores, porque, apesar das mulheres cadeirantes terem esperança e fé na normalidade do ciclo gravídico puerperal, elas também possuem medo quanto à saúde do filho e à possível incapacidade de cuidar dele.

Muitas mulheres com deficiência podem não se sentir preparadas para exercer a maternidade, que é considerada por elas um desafio. Podem negar a possibilidade de procriação ou, quando já são mães, acabam enfrentando sentimentos de culpa em relação à realização dos cuidados com seu filho (1).

Questões pouco discutidas sobre gestação e parto dessas mulheres exercem muita influência sobre a sociedade e até em profissionais de saúde, fazendo com que seja colocada em questão a possibilidade da mulher cadeirante gerar um filho. A ausência de preparação e de conhecimento foram condições inibidoras da transição. As condições inibidoras emergiram nas narrativas das mulheres pela ausência de informações dos profissionais de saúde em relação à sua gestação e ao parto, fato esse que as coloca em uma situação de vulnerabilidade e passividade.

A comunidade é compreendida como uma combinação social na qual se destaca uma determinada unidade social, não egóica e com componente emocional proeminente. A família e os demais grupos de convívio são uma rede de apoio que influencia o desejo de ser mãe e de exercer a maternidade (14). Para algumas mulheres, não houve apoio da família nem do cônjuge para o exercício da maternidade. Isso ocorre pela inadequação aos padrões estéticos impostos e pela descrença da sociedade de que elas possam assumir papéis como esposa, mãe e cuidadora. Esses fatores mostram uma visão preconceituosa para a vivência da maternidade por mulheres cadeirantes.

A sociedade é considerada algo complexo e polissêmico. Pode ser vista como estrutural, que define a moral e engessa padrões inteligíveis, e como solidariedade, que estimula a vinculação de pessoas (15).

A compreensão do conceito da sociedade dialoga com as questões sociais que interferem na maternidade das mulheres cadeirantes. De um lado, estão a família, o cônjuge e a maioria dos profissionais de saúde atuando como uma sociedade estrutural e inibidora do processo de transição, através da perpetuação do estereótipo incapacitante das mulheres cadeirantes e em consequentes atos discriminatórios.

Ainda que poucos, existiram alguns familiares e uma única profissional de saúde que proporcionaram uma rede de apoio facilitadora de transição e solidária. Em narrativas de mulheres espanholas com deficiência, apontam-se estereótipos enraizados na sociedade que geram pressões no meio familiar e até nos sistemas de saúde, sendo que o mesmo ocorre na sociedade brasileira (16).

Subcategoria 1.2 - Padrões de respostas à transição para maternidade/maternagem pelas mulheres cadeirantes

Padrões de resposta à transição para a maternidade/maternagem incluem indicadores de progresso e de resultados na Teoria da Transição. Os padrões de resposta avaliam indicadores de progresso no processo de transição (como o sentimento de ligação com as redes sociais, a confiança e o enfrentamento) e indicadores de resultado (como as habilidades e a identidade que o indivíduo assume ou não para realizar a transição) (5-6).

Os indicadores de progresso avaliam a transição através da ligação, interação e localização que essa mulher cadeirante está desenvolvendo dentro do processo de transição (6). Houve tentativa de conexão de redes de apoio, desde o processo gestacional, a efetivação da maternidade, até a vinculação dada à maternagem.

Os indicadores de resultados demonstram as competências e os comportamentos necessários para lidar com a nova realidade na qual o nível de maestria vai indicar a extensão do resultado saudável de transição, favorecendo uma redefinição de autoconceito (6). As mulheres cadeirantes revelaram-se extremamente vinculadas com desempenho de habilidades e adaptações para cuidarem de seus filhos, ainda que com auxílio da família ou cuidadores. Embora houvesse várias tentativas de imputamento social da maternidade, assumiram a identidade de mães.

No processo de transição das mulheres cadeirantes, evidenciou-se que a maternidade é ainda um fenômeno a ser desvelado e que não foi limitada pela deficiência.

Subcategoria 1.3 - A Terapêutica de Enfermagem às mulheres cadeirantes no processo transitório da maternidade/maternagem

A enfermagem tem um papel importante na maternidade e maternagem de mulheres cadeirantes. Na terapêutica de enfermagem, é traçada a suplementação de enfermagem, que corresponde ao nome atribuído ao cuidado de enfermagem e visa preencher as lacunas imprescindíveis ao processo transicional do indivíduo (8).

A enfermagem deve, ainda no pré-natal, identificar as demandas provenientes da maternidade da mulher cadeirante e orientar sobre o cuidado de seu filho e de sua família. Uma tarefa como carregar os filhos no colo pode não ser tão simples quando a mãe utiliza uma cadeira de rodas, pois o filho deve ficar preso ao tronco dessa mãe para evitar quedas (17).

Com o nascimento de uma criança, alguns cuidados surgem e as mulheres cadeirantes precisam se adaptar a essas novas demandas. O banho do bebê pode trazer os temores e a dependência de outras pessoas para essa função (17). O enfermeiro, a mãe cadeirante e a família, conjuntamente, precisam buscar estratégias que facilitem a sua independência, como a colocação da banheira do lado de fora do box e em uma altura que permita à mulher ter segurança dos seus movimentos.

Os berços e trocadores tradicionais são inacessíveis para essas mulheres. Deve-se fazer uma adaptação com a colocação de uma abertura lateral que dê acesso ao filho. Os trocadores necessitam ter um espaço para acomodar os joelhos da cadeirante. Quando não é possível a aquisição de móveis adaptados, o bebê acaba ficando no chão ou na cama (17).

A maternidade já não é uma tarefa fácil e a deficiência pode torná-la ainda mais difícil, sendo o apoio fator indispensável para exercê-la de forma satisfatória. O enfermeiro deve estimular a participação do pai e da família nos cuidados da criança e fomentar o envolvimento com essa mulher para que a transição seja feita de maneira saudável.

Os profissionais de saúde devem se apropriar em relação aos cuidados da pessoa que tem uma deficiência e assumir atitudes que deem a essa mulher confiança e força, garantindo, assim, a sua inclusão social. Além disso, esses profissionais devem evitar barreiras de comunicação e déficits na informação sobre gestação, parto e puerpério das mulheres cadeirantes, fornecendo informações acessíveis e sensibilidade no cuidado a essa população (18).

O acompanhamento da gravidez deve ser realizado prioritariamente por profissionais que tenham experiência no cuidado de pessoas com deficiência e que estejam dispostos a caminhar lado a lado com essa mulher. Esta deve procurar apoio em outras mães com deficiência, sendo a criação de rodas de conversas e o estímulo do encontro dessas mães uma atividade favorecedora para esse contexto. Nesse aspecto, temos a garantia de dar visibilidade para essa mulher, estimulando a importância de serem críticas e acreditarem no seu potencial (18).

São necessárias políticas transversais nas quais os direitos das mulheres com deficiência sejam contemplados, principalmente nas questões referentes à maternidade. As decisões de querer ou não ter filhos e de como se quer conduzir sua vida devem ser respeitadas como dignidade de pessoa e ser humano (16).

Limitações do estudo

O estudo apresentou como limitação a dificuldade em encontrar mulheres cadeirantes, independente da causa, que engravidaram, justificando o quantitativo reduzido de participantes. Faz-se necessária a realização de novas pesquisas que possam complementar e que colaborem com o tema em questão.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Através da compreensão de cada narrativa de vida desvelada, a enfermagem e demais profissionais de saúde podem criar um espaço de respeito para a subjetividade dessas mulheres. Deve-se preservar seus sentimentos e aceitar melhor as suas escolhas, suas potencialidades e suas limitações, o que refletirá nas ações de cuidados prestadas pela equipe multidisciplinar

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mulheres cadeirantes apresentam um grande desafio no desempenho da maternidade e da maternagem frente a inúmeras condições socioinstitucionais que se estabelecem no cenário de saúde e familiares. O desejo de ser mãe foi o grande precipitador para a transição das mulheres cadeirantes e gerou hipossuficiências para o alcance da transição. Foram identificados alguns limitadores que influenciaram no processo de transição dessas mulheres.

A maternidade e a maternagem não foram limitadas pela deficiência das mulheres cadeirantes. Os maiores entraves foram os processos discriminatórios, a criação de estereótipos incapacitantes e a falta de conhecimento científico dos profissionais da área da saúde. Os direitos reprodutivos da mulher cadeirante devem ser respeitados e, para isso, políticas transversais devem ser adotadas com práticas inclusivas às mulheres com deficiência.

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2018
  • Aceito
    23 Abr 2019
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