Open-access Saúde da mulher na gestação, parto e puerpério: 25 anos de recomendações de organismos internacionais

A saúde da mulher durante a gestação, o parto e o puerpério tem constituído preocupação de organismos internacionais desde a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, promovida pela Organização das Nações Unidas, em 1994 no Cairo, Egito, que teve por tema a Saúde da Mulher e a Maternidade Segura. A justificativa para a escolha do temário decorreu da constatação de que as complicações relacionadas à gravidez e ao parto estavam entre as principais causas de mortalidade de mulheres em idade reprodutiva em muitas partes do mundo em desenvolvimento e pela grande distância entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, quando se discutiam aspectos relacionados à morbimortalidade materna (1).

No manual intitulado Maternidade Segura - assistência ao parto normal: um guia prático, de 1996, a Organização Mundial de Saúde (OMS), tomando por base as melhores evidências científicas então disponíveis, propôs a classificação das práticas relacionadas ao parto normal em quatro categorias levando em consideração sua utilidade, efetividade e ausência de periculosidade. Essas categorias foram: práticas demonstradamente úteis e que devem ser estimuladas; práticas claramente prejudiciais ou ineficazes e que devem ser eliminadas; práticas sobre as quais não existem evidências suficientes para apoiar uma recomendação clara, e, por isso, devem ser usadas com cautela; e práticas frequentemente utilizadas de modo inadequado. Esse documento constitui marco para a promoção do parto normal baseado em evidências científicas (2).

Anos depois, em 2001, preocupada com o cuidado à mulher na gestação, a OMS conduziu um estudo multicêntrico randomizado, com o apoio do Banco Mundial, para comparar o modelo ocidental padrão de cuidado pré-natal, com oito a 12 consultas, e o novo modelo básico que propunha a limitação do número de consultas a quatro; e diminuição na quantidade de exames e procedimentos pré-natais para gestantes elegíveis. O estudo concluiu não haver diferenças nos resultados maternos e perinatais entre os dois modelos, passando a indicar a implementação das atividades do componente básico do novo modelo (3-4).

Apesar do reduzido número de consultas e exames propostos, a estratégia de cuidados básicos não representou maior oportunidade de acesso das mulheres aos cuidados pré-natais, ou seja, estimativas da OMS indicam que, globalmente, no período entre 2007 e 2014, apenas 64% das mulheres grávidas haviam realizado as quatro consultas recomendadas. Reconhecendo a necessidade de revisão, em decorrência da possível inadequação do modelo, em 2016, a OMS divulgou uma diretriz consolidada e atualizada para os cuidados pré-natais de rotina como parte de seu trabalho normativo em apoiar práticas e políticas públicas (5).

Nesta diretriz, os cuidados pré-natais constituem oportunidade para estabelecer comunicação efetiva com as mulheres grávidas acerca de questões fisiológicas, biomédicas, comportamentais e socioculturais, e de estabelecer apoio respeitoso e efetivo, aspectos essenciais não só para salvar vidas, mas também para melhorar a vida, utilizar os cuidados de saúde e sua qualidade. As experiências positivas das mulheres durante o pré-natal e o parto podem constituir a base da maternidade saudável, propondo a adoção de estratégias voltadas à oferta de cuidados de qualidade centrados nas mulheres e suas famílias, a partir da implementação oportuna e adequada de práticas baseadas em evidências. Elabora guia com recomendações relacionadas a intervenções nutricionais relativas à avaliação da mãe e do feto, medidas preventivas e intervenções para sintomas fisiológicos comuns e para melhorar a utilização e a qualidade dos cuidados pré-natais. Propõe 19 intervenções aplicáveis a todas as mulheres grávidas no contexto dos cuidados pré-natais de rotina (5).

Ainda no contexto das experiências positivas, em 2018 a OMS divulga o texto Recomendações da OMS sobre os cuidados durante o parto para uma experiência positiva. Essas recomendações são voltadas à transformação da atenção a mulheres e neonatos para melhorar sua saúde e bem-estar. Apontam que a experiência de parto positiva é desfecho que transcende o trabalho de parto, superando crenças e expectativas pessoais e socioculturais prévias da mulher contemplada pela possibilidade de dar à luz a um bebê saudável, em ambiente seguro dos pontos de vista clínico e psicológico e de receber apoio prático e emocional contínuo por profissionais amáveis e tecnicamente competentes. Tomam por base a premissa que a maior parte das mulheres deseja ter trabalho de parto e parto fisiológicos, e ser incluída na tomada de decisões, mesmo quando estas envolvam intervenções médicas (6).

Recentemente, na 72ª Assembleia Mundial de Saúde, realizada em maio de 2019, em informe do diretor geral da OMS, foi divulgada a Estratégia Mundial para a Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, 2016-2030. No que diz respeito ao ciclo gravídico-puerperal, o documento apresenta a atenção pré-natal de qualidade e o acesso a profissionais de saúde qualificados durante a gravidez e o período pós-natal como essenciais para prevenir mortes maternas e de recém-nascidos. Sobre o parto, discutem que, paradoxalmente, a atenção excessiva e inadequada pode ter consequências tão graves quanto a ausência de atenção. O documento reporta as publicações da OMS, experiência positiva no pré-natal e parto, como base para o planejamento das ações à mulher e à criança no ciclo gravídico puerperal, propondo que o período posterior ao parto constitui oportunidade para iniciar ou manter a atenção relacionada a afecções não obstétricas, como as doenças crônicas não transmissíveis e os transtornos mentais (7).

Pelo exposto, nos últimos 25 anos, está em pauta o cuidado pré-natal e ao parto de qualidade como estratégia crucial para reduzir a morbimortalidade materna e infantil. A enfermagem, enquanto área do conhecimento, tem muito a contribuir nessa direção, assim como para o alcance da cobertura universal de serviços de saúde essenciais. Nesse sentido, destaca-se o importante papel das enfermeiras inseridas nos serviços de atenção primária pela atuação e possibilidade de qualificação dos cuidados pré-natais; e das obstetrizes e enfermeiras egressas de cursos lato sensu na área de obstetrícia, pela formação que as encaminha a realizar mudanças efetivas, especialmente por assumirem que as mulheres são o foco do cuidado, e por promoverem a redução de intervenções desnecessárias nos cuidados de parto.

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Dez 2019
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