Open-access Fatores relacionados com a estigmatização percebida de pessoas vivendo com HIV

Resumo

OBJETIVO  Analisar os fatores relacionados com a estigmatização percebida de pessoas vivendo com HIV.

MÉTODO  Estudo transversal realizado de setembro de 2014 a dezembro de 2015 com usuários de um Serviço de Assistência Especializado em Minas Gerais. Os dados foram coletados por meio da aplicação individual do instrumento, organizados em planilhas do Microsoft Office Excel(r) 2010 e processados no IBM(r) SPSS 23.0. Para a análise dos dados utilizou-se de estatística descritiva e método de regressão linear múltipla, adotando significância estatística fixada em 5,0% (p≤0,05). O desenvolvimento do estudo atendeu às normas de ética em pesquisa.

RESULTADOS  Participaram do estudo 258 usuários. Predominaram os homens, a faixa etária de 40 a 49 anos, solteiros, de baixa escolaridade e renda. Ter idade de 40 a 49 anos e ter sido internado por complicações do HIV foram preditores associados positivamente ao aumento da estigmatização, e não apresentar comorbidades e desconhecer a exposição ao HIV foram preditores associados à diminuição da estigmatização.

CONCLUSÃO  Diante destes resultados, evidencia-se que a estigmatização pode impactar a vida de pessoas vivendo com HIV reforçando sentimentos de culpa e vergonha, o quais poderão acarretar depressão, isolamento social e interrupção do tratamento e seguimento clínico.

DESCRITORES: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; HIV; Estigma Social; Depressão; Enfermagem em Saúde Pública

Abstract

OBJECTIVE  Analyzing the factors related to perceived stigmatization of people living with HIV.

METHOD  A cross-sectional study conducted from September of 2014 to December 2015 with users from a specialized service in Minas Gerais. Data were collected through individual instrument application, organized in Microsoft Office Excel(r) 2010 spreadsheets and processed on IBM(r) SPSS 23.0. Descriptive statistics and multiple linear regression method were used for data analysis, adopting statistical significance set at 5.0% (p≤0.05). The study development met research ethics standards.

RESULTS  258 users participated in the study. Most were males between 40 and 49 years of age, single, with low educational level and income. Being between 40 and 49 years of age and having been hospitalized for complications related to HIV were positively associated predictors to increased stigmatization; while not having comorbidities and not being aware of exposure to HIV were predictors associated to reduced stigmatization.

CONCLUSION  Given these results, we highlight that stigmatization can have an impact on the lives of people living with HIV, strengthening their feelings of guilt and shame, which can lead to depression, social isolation and abandoning treatment and clinical follow-up.

DESCRIPTORS: Acquired Immunodeficiency Syndrome; HIV; Social Stigma; Depression; Public Health Nursing

Resumen

OBJETIVO  Analizar los factores relacionados con la estigmatización percibida de personas que viven con el VIH.

MÉTODO  Estudio transversal realizado de septiembre de 2014 a diciembre de 2015 con usuarios de un Servicio de Asistencia Especializada en Minas Gerais. Los datos fueron recolectados por medio de la aplicación individual del instrumento, organizados en hojas de cálculo de Microsoft Office Excel(r) 2010 y procesados en IBM(r) SPSS 23.0. Para el análisis de los datos se utilizó estadística descriptiva y método de regresión lineal múltiple, adoptando significancia estadística fijada en 5,0% (p≤0,05). El desarrollo del estudio atendió a las normas de ética en investigación.

RESULTADOS  Participaron del estudio 258 usuarios. Predominaron los hombres, el grupo de edad de 40 a 49 años, solteros, de baja escolaridad y renta. La edad de 40 a 49 años y haber sido internado por complicaciones del VIH fueron predictores asociados positivamente al aumento de la estigmatización, y no presentar comorbilidades y desconocer la exposición al VIH fueron predictores asociados a la disminución de la estigmatización.

CONCLUSIÓN  Ante estos resultados, se evidencia que la estigmatización puede impactar la vida de personas que viven con el VIH reforzando sentimientos de culpa y vergüenza, que pueden acarrear depresión, aislamiento social e interrupción del tratamiento y seguimiento clínico.

DESCRIPTORES: Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; VIH; Estigma Social; Depresión; Enfermería en Salud Pública

Introdução

Com o surgimento da AIDS nos anos de 1980, como uma epidemia aparentemente restrita aos homossexuais, usuários de drogas e profissionais do sexo, emergiram também os estigmas em relação às pessoas que vivem com o vírus da imunodeficiência humana (HIV)1-3.

O estigma é considerado um defeito ou uma marca que caracteriza o outro, desvalorizando-o pelos estereótipos negativos, rótulos discriminantes e preconceituosos1,3-4. Assim, além das alterações clínicas que o HIV pode trazer para a vida das pessoas, a estigmatização ainda pode acarretar sérios prejuízos sociais e psicológicos, devido às sensações de inferioridade1,4-5, que aumentam significativamente a ansiedade, a solidão, a depressão e o desejo de morte, com redução de autoestima e autoconfiança, o que leva ao isolamento social e sexual das pessoas que vivem com HIV4,6.

No mundo, estima-se 36,9 milhões de pessoas vivam com HIV2. O Brasil, com 798.366 casos7, está entre os 30 países que possuem 89% dos registros mundiais de HIV7. Apesar deste número expressivo, desde 2004 tem sido observada a queda dos impactos sociais do HIV em muitas regiões do mundo8, incluindo no Brasil, com diminuição de 42% das mortes relacionadas à AIDS2.

Apesar dos indicadores epidemiológicos apontarem redução dos números de casos da doença no país e em outras regiões, o estigma ainda é visto como uma grande barreira para o controle da infecção6. De fato, além de ocasionar deficit financeiros, pelo risco de demissão4-5, a doença pode interferir também nas relações afetivas e sociais pelo sentimento de culpa e vergonha que leva ao isolamento das pessoas1,4-5,9, dificultando a adesão ao seguimento clínico e aos antirretrovirais por muitas pessoas positivas para o HIV1. Frente ao exposto e à necessidade de conhecer os aspectos ligados à estigmatização, o objetivo deste estudo foi analisar os fatores relacionados com a estigmatização percebida de pessoas que vivem com HIV.

Método

Trata-se de um estudo transversal e analítico, realizado em um ambulatório de atendimento às pessoas que vivem com HIV da rede estadual de saúde, referência para 24 municípios da região sudoeste de Minas Gerais. Desde a sua criação, em 1992, até setembro de 2014, já havia registrado 758 casos de pessoas HIV positivas na região.

Participaram do estudo os usuários do serviço que atenderam aos critérios de inclusão: possuir idade igual ou superior a 18 anos; estar em uso da terapia antirretroviral (TARV) há pelo menos 6 meses; e estar em seguimento clínico ambulatorial regular. Para tanto, se considerou os registros do Serviço de Farmácia, de retirada mensal dos antirretrovirais, como também os dados no prontuário de comparecimento às consultas médicas a cada 3 meses na unidade. Foram critérios de exclusão: os indivíduos em situações de confinamento, tais como presidiários, institucionalizados e residentes em casas de apoio, inscritos no serviço, por não comparecerem no ambulatório.

Do total de 338 usuários cadastrados no serviço no período de setembro de 2014 a dezembro de 2015, 278 eram elegíveis e aceitaram participar do estudo. Destes, 20 integraram o estudo piloto e 258 (76,3%) constituíram os participantes do estudo.

Todos os participantes foram entrevistados em sala privativa do próprio ambulatório, utilizou-se de um questionário semiestruturado elaborado após revisão de literatura, sendo constituído pelas variáveis associadas à estigmatização ao HIV: sociodemográficas (sexo, idade, escolaridade, renda, situação de trabalho, religião e convivência com familiar com HIV), vida afetivo-sexual (orientação sexual e parceria sexual), uso de drogas, epidemiológicas (tempo de diagnóstico, quem sabe do diagnóstico e exposição ao HIV), interrupção do tratamento e clínicas (internação e comorbidades). Optou-se por analisar a presença de parcerias sexuais e uso de drogas nos últimos 12 meses, a fim de evitar o viés de memória dos participantes. A seguir foi aplicada uma Escala de Estigmatização para pessoas que vivem com HIV10, composta por 40 itens distribuídos nos domínios: Estigmatização personalizada, Revelação, Autoimagem negativa e Atitudes públicas. Trata-se de uma escala do tipo Likert de quatro pontos, discordo totalmente (1), discordo (2), concordo (3) e concordo totalmente (4), de forma que as dimensões da escala de estigmatização são medidas em escores que variam de um (menor vivência de estigma) a quatro (maior vivência de estigma).

Os dados foram analisados por meio do programa IBM(r) SPSS, 23.0. As variáveis da população foram apresentadas mediante uso de distribuições de frequências. A análise de confiabilidade da Escala de Estigmatização foi realizada por meio do coeficiente alfa de Cronbach e o cálculo dos escores seguiu a média aritmética dos itens dos domínios da escala.

Para a influência conjunta das variáveis da população com a Escala de Estigmatização, utilizou-se do método de regressão linear múltipla com dois ajustes, mantendo em ambos apenas as variáveis significativas. Os pressupostos da regressão linear múltipla foram atendidos e adotou-se significância estatística fixada em 5,0% (p < 0,05).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 31107614.2.0000.5112), atendendo às exigências éticas previstas pela resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Dos 258 participantes, 145 (56,2%) eram do sexo masculino, 93 (36,0%) possuíam entre 40 e 49 anos, 126 (48,9%) referiram ter de 0 a 5 anos completos de escolaridade, 163 (63,2%) recebiam até um salário mínimo por mês, 73 (28,3%) disseram estar desempregados ou afastados do emprego, 195 (75,6%) mencionaram ser praticante de alguma religião, e 72 (27,9%) conviviam com familiares com HIV.

Em relação à vida afetivo-sexual, 50 (19,4%) relataram ser homossexuais ou bissexuais e 148 (57,4%) referiram parceria sexual nos últimos 12 meses. Do total, 74 (28,7%) afirmaram consumo de drogas lícitas ou ilícitas nos últimos 12 meses, e 202 (78,3%) acreditam que se infectaram por via sexual. Verificou-se que 198 (76,7%) participantes revelaram o diagnóstico de infecção para o HIV apenas para família e 95 (36,8%) conviviam com esse diagnóstico por mais de 10 anos.

Segundo o tratamento com antirretrovirais, 180 (69,8%) disseram nunca ter interrompido o uso da TARV. Comorbidades foram referidas por 45 (17,4%) participantes e praticamente um terço relatou internações por complicações do HIV/aids.

Nas dimensões da escala de estigmatização (Tabela 1), os domínios que apresentaram os mais baixos valores de mediana e média foram o de Estigmatização Personalizada (Md=2,3; M=2,3) e Autoimagem Negativa (Md=2,4; M=2,4). Já o domínio Revelação apresentou o maior valor de mediana e média (Md=2,8; M=2,8).

Tabela 1
Distribuição dos escores dos domínios da Escala de Estigmatização aplicada nas pessoas vivendo com HIV de um ambulatório especializado - Passos, MG, Brasil, 2014-2015.

Na análise multivariada (Tabela 2), os preditores que estiveram associados positivamente ao aumento médio da estigmatização foram idade de 40 a 49 anos (β=0233; p=0,006) e a presença de internações por complicações do HIV (β=0,156; p=0,042). Já o preditor que esteve negativamente associado à estigmatização foi a ausência de comorbidades (β=-0,264; p=0,004).

O domínio de estigmatização personalizada, que avaliou a vivência do estigma por meio de atitudes negativas das pessoas em relação à própria pessoa, mostrou que os preditores que contribuíram para o aumento médio do escore de estigmatização personalizada foram idade de 40 a 49 anos (β=0,390; p=0,000) e internação por complicações do HIV (β=0,234; p=0,018). Já o preditor ausência de comorbidades (β=-0,321; p=0,007) esteve associado negativamente à estigmatização.

O modelo de regressão que utilizou o domínio de revelação como variável dependente avaliou como a pessoa lida e se sente com a revelação ou a possibilidade de revelar sua soropositividade, sendo que desconhecer a forma de exposição ao HIV (β=-0,367; p=0,034) foi associada à diminuição da estigmatização.

Quanto ao domínio autoimagem negativa, que avaliou sentimentos de autodesvalorização e autoexclusão, os preditores associados ao aumento médio da estigmatização foram idade de 40 a 49 anos (β=0,232; p=0,005) e internação prévia (β=0,152; p=0,042). Já a ausência de comorbidades (β=-0,310; p=0,001) foi um preditor que esteve associado com a diminuição da média de estigmatização.

Já na análise dos preditores associados ao domínio atitudes públicas, o qual avaliou a percepção do respondente sobre como as pessoas consideram quem é soropositivo, observou-se que ter idade de 40 a 49 anos (β=0,267; p=0,005) influenciava no aumento médio da estigmatização e não apresentar comorbidades (β=-0,292; p=0,004) diminuía a média de estigmatização, influenciando negativamente.

Tabela 2
Variáveis estatisticamente significantes com escore geral e domínios da escala de estigmatização na análise de regressão linear múltipla - Passos, MG, Brasil, 2014-2015.

Discussão

As características encontradas nesta população foram semelhantes às de outros estudos nacionais e internacionais com pessoas vivendo com HIV, ou seja, com predominância de homens adultos, de baixa escolaridade e renda9,11-12, heterossexuais2,7, com presença de parceria sexual13, baixo consumo de drogas13, com boa adesão ao uso da TARV13-14) e baixa incidência de comorbidades14, cuja maioria optou por revelar o diagnóstico de infecção para o HIV apenas para família4,14.

Em relação à escala de estigmatização, os maiores valores de distribuição das médias e medianas no domínio revelação foram semelhantes aos de outro estudo com adultos vivendo com HIV10 e outro realizado com adolescentes e adultos jovens americanos, recém-diagnosticados com HIV15, mostrando que a revelação da soropositividade ainda é uma dificuldade importante vivenciada por pessoas HIV positivas4,9, marcada pelo medo da não aceitação, de sentimentos de culpa e vergonha5,9.

Na análise estratificada por domínio, verificou-se que a faixa etária 40-49 anos e internação prévia por complicação de HIV/AIDS contribuíram para estigmatização no escore geral e nos domínios "estigmatização personalizada" e "autoimagem negativa". No domínio "atitudes públicas", a faixa etária 40-49 anos foi o único preditor positivo. Por sua vez, não apresentar comorbidades contribuiu para a diminuição da estigmatização no escore geral e nos domínios "estigmatização personalizada", "autoimagem negativa" e "atitudes públicas". Por fim, desconhecer a forma como se infectou contribui também para diminuição da estigmatização nos domínios "revelação".

Em relação ao aumento da estigmatização percebida entre as pessoas com idade de 40 a 49 anos, por ser uma faixa etária que envolve os adultos em idade produtiva, espera-se que o aumento da estigmatização esteja ligado aos fatores econômicos, afetivos e sociais, estando estes provavelmente ligados ao aumento dos sentimentos de desvalorização, depressão, isolamento social, responsáveis pela alta morbimortalidade encontrada nessa faixa etária9,11.

Assim, por serem economicamente ativas, pessoas podem enfrentar o medo de não serem aceitas socialmente e serem demitidas de seus empregos, uma vez que a soropositividade ainda é causa de altas taxas de desemprego, podendo ser maiores que na população geral4,11; ou o medo de adoecer, tornando-se incapazes de manter suas respectivas atividades laborais, uma vez que o trabalho, além de fonte de renda, é visto como fonte de apoio, por permitir ao indivíduo sentir-se economicamente ativo, diante da sensação de ser desqualificado socialmente1,10. Outra queixa persistente é a dificuldade de relacionar a doença com o trabalho pelo medo das atitudes negativas de colegas e de empregadores na revelação do seu diagnóstico, o que leva muitas pessoas vivendo com HIV, que são economicamente ativas, ao sentimento de autodesvalorização e autoexclusão pela soropositividade5.

O aumento do estigma também pode estar ligado ao medo do rompimento das relações afetivas11-12,14,16. Em estudo realizado com mulheres adultas no nordeste do país15, percebeu-se o quanto a descoberta do HIV pode mudar a vida de uma pessoa, desorganizando as relações afetivas. Isso leva muitas pessoas a temerem a revelação do diagnóstico para seus cônjuges, devido ao medo do abandono4-5,12. Também na revelação do HIV existe o medo das atitudes negativas das pessoas em relação a quem vive com HIV positivo, de modo que associado ao HIV estão as acusações de promiscuidade, de prostituição e até de infidelidade que levam as pessoas ao isolamento social pela vergonha, medo e depressão12,15-16.

Quanto ao aumento da estigmatização percebida na presença de internações por complicação do HIV, um estudo em pacientes na Argentina17 e em profissionais de saúde no Brasil18) revelou a representação negativa da hospitalização para familiares e pessoas vivendo com HIV. Apesar do cuidado especializado e necessário para o tratamento, durante o período de internação os pacientes poderão ficar isolados de seu meio social, com maior risco de exposição do diagnóstico de HIV positivo aos profissionais de saúde e a outros pacientes17-18.

Em estudo conduzido no sul do Brasil com 15 familiares cuidadores de crianças que vivem com HIV e estavam internadas identificou-se que durante a hospitalização, além do sentimento de isolamento e abandono, os familiares ainda mencionaram o comportamento estigmatizante e preconceituoso dos profissionais de saúde, que reforçava o sentimento de erro e culpa pela soropositividade19. De modo que nas internações por complicação do HIV, além do sentimento de impotência diante da AIDS, as pessoas ainda enfrentam a desesperança e a angústia em relação ao viver com HIV17.

A baixa incidência de comorbidades foi um resultado esperado neste estudo, uma vez que a maioria dos participantes não usavam drogas, não haviam interrompido a TARV e não haviam sido internados por complicações do HIV. O preditor ausência de comorbidades esteve relacionado com a diminuição da média de estigmatização, de modo que a falta de sinais e sintomas patológicos além de ser um bom indicador de saúde, ajudava a ocultar o diagnóstico, por manter o sigilo da infecção pelo HIV, preservando as pessoas de situações de discriminação18,20.

Em um estudo realizado em Moçambique, mulheres que apresentavam sinais e sintomas sugestivos de AIDS, como emagrecimento e febre, além dos sentimentos de desesperança diante da imagem da doença "ruim, "incurável", que leva à morte20, sentiam-se culpadas e desvalorizadas, por serem marcadas na comunidade e fortemente estigmatizadas, por apresentarem sinais que denunciavam sua condição de soropositividade21.

Assim, evitar o adoecimento e aderir corretamente à TARV não depende apenas da informação e da postura individual, mas de muitos fatores estruturais que, ligados ao estigma e às percepções da doença, afetam os indivíduos, independentemente de sua vontade4,14, de forma que as comorbidades, por fragilizarem a imagem do indivíduo, podem levar ao isolamento social, aos sentimentos de angústia e depressão, impactando negativamente a vida deste4,9,18.

Desconhecer a categoria de exposição ao HIV também esteve relacionado com a diminuição da média de estigmatização. Quando as pessoas não conseguiam identificar o meio em que ocorreu a infecção viral, sentiam-se "vítimas", tendo a culpa amenizada por ter contraído o HIV20.

Assim, no processo de estigmatização, os homossexuais, as prostitutas e os usuários de drogas, por estarem ligados à disseminação do HIV no início da epidemia, além dos cônjuges de vida sexual extraconjugal, pelo comportamento moralmente condenável, são vistos como merecedores por direito, culpados pelo HIV antes mesmo da infecção. Enquanto as crianças, os hemofílicos, os cônjuges fiéis as relações matrimoniais são vistos como inocentes, não merecedores da condição de infectados11,21.

Outras variáveis, como a religião praticante, a orientação sexual, o uso de drogas e a interrupção da TARV, apesar de estarem muito ligadas às sensações de estigmatização de pessoas vivendo com HIV, neste estudo, não foram significantes com a população participante.

Verificou-se que a maioria era praticante de alguma religião, semelhantemente a outros estudos com pessoas com HIV14,22-23 e outros com pessoas que vivem em situações semelhantes, como pacientes oncológicos24 e renais crônicos25, de modo que a evolução clínica e o curso de doenças graves levam à redescoberta da importância da espiritualidade, e fortalece a esperança em suportar o sofrimento físico e emocional com a doença e o tratamento24-25.

Apesar da maioria dos participantes desse estudo serem heterossexuais, o que pode ser justificado pelo estímulo à sexualidade precoce e à possibilidade do sexo pago26, são os homossexuais os que são fortemente estigmatizados, estando ligados a grandes manifestações de exclusão, e apontados pela culpa na infecção pelo HIV22,27. Assim como ocorre com os usuários de drogas, sendo marcados e excluídos socialmente6,18,22,27.

Observou-se que a interrupção da TARV não foi predominante neste estudo, no entanto, sabe-se que o medo de ser estigmatizado e de romper com suas relações afetivas levam muitos ao abandono do tratamento como forma de omissão da revelação da condição de HIV positivo5,16.

Conclusão

Os resultados revelam que ter idade de 40 a 49 anos e ter sido internado por complicações do HIV foram preditores associados positivamente ao aumento da estigmatização. Não apresentar comorbidades e desconhecer a exposição ao HIV foram preditores associados à diminuição da estigmatização percebida.

Desta forma, as análises sugerem que a estigmatização pode impactar a vida de pessoas vivendo com HIV, gerando sentimentos de culpa e inferioridade que podem levar à depressão e ao isolamento social, impactando também a adesão ao tratamento e o seguimento clínico destas pessoas.

Assim, estudos desta natureza, além da possibilidade de sensibilizar os profissionais de saúde ligados diretamente ao atendimento de pessoas vivendo com HIV, podem contribuir para a reformulação da organização do processo de trabalho dos profissionais, subsidiar políticas de acolhimento e promoção da saúde de pessoas HIV positivas, e lançar novos olhares aos problemas enfrentados ajudando a minimizar o estigma e a impactar positivamente a melhora da adesão à TARV.

Apesar de estudos abordarem o impacto da estigmatização na vida de pessoas vivendo com HIV, poucos utilizam instrumentos para avaliar este construto na população. Assim, o uso de escalas específicas, como a escala utilizada neste estudo, apesar de investigar a estigmatização em quatro importantes domínios, não considera um período recente, o que pode repercutir em respostas carregadas de viés de memória.

Os resultados apresentados retratam a realidade da população estudada, assim, pela escassez de estudos desta natureza na literatura nacional, são desejáveis mais investigações sobre estigmatização relacionada ao HIV nos diversos contextos sociais

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2016
  • Aceito
    11 Abr 2017
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