Open-access Violência e cuidado em perspectiva: aportes e desafios

Abordando temas caros ao escopo editorial de Sexualidade, Saúde e Sociedade, os artigos e as resenhas divulgados no presente número apresentam linhas de reflexão relativamente pouco exploradas por pesquisadores latino-americanos no que diz respeito a algumas de suas conexões teóricas e dimensões empíricas.

É certo que entre nós as relações entre gênero, sexualidade e violência, por exemplo, têm estado no centro das preocupações de inúmeras investigações e que pesquisas em torno da violência e da discriminação homofóbicas têm se adensado enormemente na última década em diferentes países da região, como atestam os vários surveys sobre vitimização realizados em países como a Argentina (Fígari et.al., 2005; Jones, Libson & Hiller, 2006), Brasil (Carrara, Ramos, & Caetano, 2003; Carrara & Ramos, 2005; Carrara, Facchini, Simões, & Ramos, 2006; Carrara et al, 2007), Chile (Barrientos & Sívori, 2012), Colômbia (Brigeiro & Castillo, 2007), México (Brito et al. 2012; Cf. Parrini & Brito, 2012). Porém, as dinâmicas próprias à violência letal, forma mais extrema dessa vitimização, são bem menos conhecidas. Este é o foco do artigo de René Boivin que, a partir dos dados sobre homicídios contra minorias sexuais na cidade do México, coloca em relevo a complexidade e a diversidade das dinâmicas conflitivas envolvidas nesses casos. Compreendida na categoria abrangente, como as de "violência homofóbica", "crimes de ódio" ou simplesmente "homofobia", a diversidade de tais dinâmicas, como bem observa o autor, muitas vezes tende a ser invisibilizada no âmbito de discursos acadêmicos e políticos.

São ainda algumas dimensões importantes da violência baseada no preconceito relativo à orientação sexual e à identidade de gênero que animam a reflexão de Barrientos, Gutierrez, Ramirez, Vega e Zaffirri sobre as formações subjetivas de jovens gays chilenos. A partir de pesquisa original conduzida em Antofagasta, os autores se alinham à hipótese segundo a qual a rígida adesão a performances normativas de gênero manifestada por gays e lésbicas - aspecto importante daquilo que a socióloga Gayle Mason (2002) chama de "mapas de segurança" - depende da natureza e do grau de hostilidade do contexto social em que tais sujeitos se movem. Ao menos em parte, tal adesão estaria na base do preconceito de que tantas vezes são objeto travestis e transexuais no seio mesmo da chamada "comunidade LGBT".

Ao tema mais geral da violência e da discriminação homofóbicas vinculam-se ainda dois dos artigos aqui publicados, abordando as respostas sociais e institucionais que contemporaneamente se delineiam no sentido de coibi-la. Novamente, embora tenhamos um adensamento crescente da produção em torno do ativismo LGBT e das políticas públicas que nos diferentes países da região visam promover a cidadania de tais sujeitos, muito menos conhecidas são as estratégias que emergem do plano partidário/eleitoral - tema explorado pelo cientista político Costa Santos em seu trabalho sobre as candidaturas de travestis e transexuais a cargos de representação no Brasil; ou no plano das inovações institucionais, foco do artigo de Seffner e Silva Passos sobre a criação de uma galeria específica para gays e travestis no Presídio Central de Porto Alegre. De maneiras distintas, nestes artigos, vemos a forma com que a vulnerabilidade e o sofrimento social podem se converter em capital político, a partir do qual a mobilização social abre espaço para novas trajetórias pessoais e institucionais.

Também as relações entre gênero, sexualidade e saúde compõem um dos principais focos de atenção da Revista. Neste número, tais relações são exploradas de modo particular em dois de seus artigos. De um lado, temos a análise de Costa Júnior, Maia e Couto sobre como concepções de gênero orientam a atuação dos profissionais de saúde e sua percepção sobre o processo de adoecimento de homens e mulheres; de outro, a instigante reflexão sobre o significado do uso de hormônios por homens transexuais no Rio de Janeiro desenvolvida por Lima e Cruz. Em jogo está a maneira como as práticas de saúde e o uso de certas substâncias manifestam e simultaneamente produzem diferentes sujeitos, posições de gênero e sexualidades. Ambos os artigos ilustram os desafios do cuidado, desenhando alguns contextos e hipóteses acerca do desencontro entre serviços de saúde e usuários. Costa Júnior e colegas ilustram como nas práticas de saúde se reproduzem estereótipos de gênero, ações que podem truncar a identificação de determinadas necessidades e inclusive reproduzir uma abordagem medicalizante, focada no universo feminino. Já Lima e Cruz discutem a tensão estruturante do cuidado em saúde relativa aos desequilíbrios no uso de tecnologias duras, leve-duras e leves, como formulado por Merhy (2000). Tal eixo de reflexão põe em relevo o hiato entre os protocolos de assistência e a materialização dos projetos de vida ligados ao processo transexualizador

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2016
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